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A Amazônia ‘depois da cúpula’: o que esperar dos compromissos assumidos em Belém?

Encontro teve objetivo de atualizar o Tratado de Cooperação Amazônica assinado em Brasília em 1978, que constitui o instrumento jurídico que rege a região
Juraima Almeida
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Peru e Suriname, que têm soberania sobre a Amazônia, concordaram em Belém do Pará quanto a 113 pontos, entre os quais se destaca um apelo urgente à ação do mundo para proteger este importante bioma, não só do dano ambiental, como também da desigualdade de que padecem suas populações.

Os países amazônicos concordaram em lançar uma aliança regional para combater o desmatamento, com o objetivo de evitar que a maior selva tropical do planeta alcance “um ponto de não retorno”, enquanto o anfitrião da cúpula, Luiz Inácio Lula da Silva, comprometeu-se a “fortalecer” o lugar dos países com matas tropicais no cenário internacional e seu homólogo da Colômbia, Gustavo Petro, propôs um tribunal para julgar crimes ambientais e trocar dívida externa por “ações climáticas”.

Cúpula da Amazônia: entre a defesa ambiental e a busca por consensos

O documento assinado pelos oito países amazônicos não estabelece metas conjuntas de desmatamento, mas para o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva é um “fato histórico” que tem uma complexa tarefa pela frente: “é a primeira vez em 45 anos que os presidentes dos países amazônicos nos reunimos para discutir políticas comuns. A história de defesa da Amazônia e da floresta será resumida em dois momentos: antes e depois da cúpula”.

Gustavo Petro, presidente da Colômbia, propôs a criação de um “tribunal de justiça amazônica para julgar crimes contra a selva” e seus habitantes. “Proporia um tratado militar e judiciário; isso se defende com razões, mas também com armas – criar uma Otan da Amazônia respeitando as soberanias”, afirmou.

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O ponto 35 da declaração final da cúpula diz: “Urgir os países desenvolvidos a cumprir seus compromissos de provisão e mobilização de recursos, incluindo a meta de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais em financiamento climático”, objetivo que deverá ser alcançado em 2024 “frente à urgente necessidade de aumentar a ação climática” e “tendo em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento“.

Encontro teve objetivo de atualizar o Tratado de Cooperação Amazônica assinado em Brasília em 1978, que constitui o instrumento jurídico que rege a região

Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real
Indígenas Kanamari durante trabalho na roça da aldeia Massapê onde vivem cerca de 200 Kanamari localizada no rio Itacoaí – TI Vale do Javari

Participação ativa dos povos indígenas

Entre os compromissos com que os presidentes concordaram também se considera “a participação ativa” dos povos indígenas nos planos de preservação da selva. Os territórios indígenas são considerados uma importante barreira contra o desmatamento, pela forma sustentável como estas comunidades exploram seus recursos.

O encontro teve como objetivo atualizar o Tratado de Cooperação Amazônica assinado em Brasília em 1978, que constitui o instrumento jurídico que rege a região e pretende harmonizar o desenvolvimento com a conservação dos ecossistemas e a melhoria do nível de vida de seus habitantes.

“Vamos fortalecer o lugar dos países com florestas tropicais na agenda global, desde a questão da mudança climática até a reforma do sistema financeiro mundial”, disse Lula.

Luis Arce e Delcy Rodríguez

Por sua vez, Luis Arce, presidente da Bolívia, denunciou que os Estados Unidos e a Europa buscam apoderar-se da maior floresta tropical do mundo. “A Amazônia abriga recursos estratégicos. A América Latina e o Caribe são prioridade na estratégia de segurança nacional dos EUA, e isto significa que não é só de interesse do Departamento de Estado, mas também do Departamento de Defesa. Nesta visão, é preocupante que a Europa esteja na mesma posição: uns buscam controlar a Amazônia de forma militar e outros com ONGs”, afirmou.

Laura Richardson e o plano de fazer da América Latina um “pedaço de terra para saquear”

Lembrou que a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, disse em julho que “a América Latina é rica em minerais, em terras raras e em lítio”, e instou seu governo a prestar atenção na maior presença da China e da Rússia na região, depois de alertar sobre outros perigos, como o narcotráfico, a mineração ilegal e o desmatamento que ameaçam a fauna, a flora e centenas de comunidades indígenas na região.

Delcy Rodríguez, vice-presidenta da Venezuela, disse que os países amazônicos serão obrigados a reforçar sua soberania se quiserem preservar “a alma ambiental” do planeta, e se referiu à existência de “grandes ameaças”. 

O governo do Brasil já dissera que devem ter primazia os interesses dos países que compartilham a Amazônia sobre aqueles dos Estados Unidos, que são de caráter geopolítico e econômico, e os da Europa, responsável em grande parte pelo desmatamento por meio de suas empresas que só buscam enriquecer-se sem atender aos problemas reais da população local.

Uma “Otan” da Amazônia

Para Petro seria chave formar uma aliança de países latino-americanos que permita cooperar no âmbito da defesa e da segurança da Amazônia, diante da ameaça existente. O mandatário colombiano defendeu uma erradicação dos combustíveis fósseis e criticou a posição dos governos “progressistas” que defendem a exploração petrolífera.

“Não é um contrassenso total? Uma mata que extrai petróleo? É possível manter uma linha política desse nível, apostar na morte e destruir a vida? Ou a América Latina e as forças políticas latinoamericanas deveríamos propor coisa diferente?”, disse.

“Eu lhes proporia um tratado militar e jurídico, se o motor é cada vez mais ilegal e representa um crime contra a humanidade. Como defendemos a vida? Isto se defende com razões, mas também com armas”, afirmou Gustavo Petro.

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“Deveríamos criar uma Otan amazônica , um tratado de cooperação militar para interditar o que vá contra a selva amazônica em todos os nossos países, respeitando obviamente nossas soberanias e coordenando as forças”, disse o presidente colombiano, acrescentando que “seria importante” chegar a um “acordo militar” com esse objetivo na reunião de ministros de Defesa dos países amazônicos, prevista para as próximas semanas.

Propôs ainda trocar dívida externa por “ações climáticas” e sugeriu a criação de um “tribunal internacional amazônico que castigue os delitos ambientais, reconhecendo “os direitos à selva amazônica”.

O desastre Bolsonaro

Depois do desastre do governo do ultradireitista Jair Bolsonaro no Brasil, o desmatamento na Amazônia caiu a níveis mínimos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial do Brasil (INPE): em julho foram desmatados 499,91 quilômetros quadrados de mata, 66% menos que os 1.486 eliminados em julho de 2022.

O dado anual – de julho de 2022 a julho de 2023 – indica que a superfície perdida de selva é a menor em quatro anos, com uma importante redução a partir da chegada de Lula à presidência. Para o INPE, a apresentação destes dados “é o fim da expectativa de impunidade.

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Ainda que tenham sido registradas algumas vitórias, como a aprovação na União Europeia do Regulamento para frear o desmatamento importado – a UE é o segundo importador de produtos que provocam a destruição de matas -, os governos amazônicos deverão fazer frente a um poderoso setor agroindustrial que está por trás de 90% do desmatamento, afirma a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Vale observar que a limitação da extração de petróleo na zona não esteve na agenda da Cúpula, depois de não se ter chegado a um acordo inicial nas negociações prévias ao encontro.

Com países como Brasil ou Venezuela, com grandes reservas e explorações de hidrocarburos no Amazonas, e outros como Guiana e Suriname, com recentes descobertas de jazidas de petróleo, o uso desta fonte como motor de desenvolvimento está ganhando a partida para os partidários de proibir sua extração e contribuir para um freio real à crise climática.

Juraima Almeida | Pesquisadora brasileira, analista associada ao Centro Latino-americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la)
Tradução: Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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