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Toggle“Eu não quero perdão porque perdão pressupõe arrependimento e eu não estou pedindo a eles que se arrependam até de pegar em armas contra nós. Eu apenas quero que haja esquecimento”. A afirmação foi feita pelo então presidente da república, o general João Batista Figueiredo, no dia 27 de junho de 1979, ao encaminhar ao Congresso Nacional a Lei de Anistia.
Quando a Lei 6.683 foi promulgada, no dia 28 de agosto daquele ano, cerca de 7 mil pessoas viviam exiladas fora do país e outros 800 presos políticos continuavam encarcerados nos porões da ditadura. Muitos desses permaneceriam nessa situação. O último preso político, José Sales de Oliveira, foi libertado no dia 8 de outubro de 1980.
O desejo que a mesma fosse ampla, geral e irrestrita não se concretizou. Já no seu primeiro artigo, a lei aponta que a anistia se daria aos crimes políticos conexos, o que permitiu que ela estendesse a possibilidade de anistiar torturadores e assassinos a serviço das forças de segurança. Ficavam de fora aqueles acusados de “crimes de sangue”, os que foram condenados pela prática de terrorismo, assalto, sequestro e atentado à pessoa – que, na época, de acordo com o site Memórias da Ditadura, eram cerca de 190 pessoas.
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Marcada pela forte participação do movimento feminino, mesmo não sendo ideal, a lei foi aceita a contragosto para que os que partiram pudessem retornar, para os que ficaram pudessem retornar à atividade política aberta e à vida “normal”, aponta o ex-deputado pelo PCdoB, Raul Carrion, que atualmente é presidente no Estado da Fundação Maurício Grabois, instituição de estudos do partido. Para ele, ter sido um preso político durante a ditadura militar foi seguir a luta, só que em uma trincheira muito mais difícil, onde o inimigo estava com “a faca e o queijo na mão” e ele, indefeso, mas armado da verdade e da justiça.
“A batalha foi para que o inimigo não conseguisse adonar-se dos segredos partidários e golpear outros camaradas. De minha parte, tenho o orgulho de tê-los derrotado nessa luta desigual!”, afirma Raul, que também é historiador e que. Quando a anistia foi anunciada, ele se encontrava morando clandestinamente em Goiânia, trabalhando como técnico eletrônico em uma empresa, com o “nome frio” de Silvio Augusto Ferreira.
Nesta semana em que a sociedade brasileira relembra os 40 anos da Lei da Anistia, o Brasil de Fato RS realiza uma série de entrevistas com ex-presos e presas políticos.
Brasil de Fato / Foto: Marcelo Ferreira
Depois de anos exilado, Raul retornou ao Brasil com identidade fria, até retornar à vida legal no Rio Grande do Sul com a Anistia
Confira a entrevista
Brasil de Fato RS: como foi a tua experiência durante o regime militar?
Raul Carrion: Comecei a militar no movimento estudantil antes do golpe militar, aos 17 anos, em 1963, ainda secundarista no Colégio Anchieta. Depois, faço vestibular de engenharia na UFRGS e, exatamente quando ingresso, em 64, se dá o golpe militar. Há uma tentativa inicial de resistência que não se concretiza, e inicia um processo de longa resistência de 21 anos. No movimento estudantil, eu já em 63 ingressei na Ação Popular, uma organização revolucionária de grande peso entre os estudantes. Depois, em 65, quando já sou da direção da Ação Popular, passo a realizar um trabalho junto ao movimento sindical, o movimento operário. Vou para a região do Vale do Sinos, setor calçadista, me integro na produção, participo da luta. Aí, em 69, ingresso no PCdoB, por uma série de razões que não cabe aqui debater. Ingresso no PCdoB já na sua direção estadual e, em seguida, sou o secretário de Organização do partido no Estado.
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Em 71 sou preso, há uma queda na direção do partido aqui no Rio Grande do Sul, sou preso com diversos outros camaradas. Fico preso no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), inicialmente, sob tortura durante 10 dias. Depois, somos enviados, eu e um dos camaradas preso, o psiquiatra Bruno Costa Souza, para Operação Bandeirantes em São Paulo, que é o principal centro clandestino de torturas no Brasil. Seguimos lá sob tortura, ficamos na Operação Bandeirante (Oban) em torno de 45 dias, depois retornamos a Porto Alegre sem qualquer prova.
Em agosto somos liberados. Não havia nenhuma condição de permanecer atuando, se eu fizesse contato com alguém, seria prejudicial àquele que fizesse contato. Não podendo atuar aqui no quadro, examino a situação e vou me exilar no Chile, onde tinha um co-cunhado. Fico trabalhando e imediatamente organizamos um movimento de luta, de denúncia da ditadura, de solidariedade. Fico até o golpe de Pinochet. Com o golpe, fica insustentável a permanência, os estrangeiros presos, perseguidos, ficamos um longo tempo na embaixada, sem poder sair do Chile.
Aí me dirijo à Argentina, asilo-me lá em fins de 73, mas com a missão de sair. Chegando lá, o governo argentino não aceita os asilados, exige que sejam mandados para outros países. Tudo certo para ir para a França, bolsas de estudos, etc, com a família (havia me casado no Chile), mas examinando o quadro, decido que se eu fosse para a Europa, dificilmente poderia retornar ao Brasil com brevidade. Decidi ficar na Argentina, fico semi clandestino. Organizamos lá também o partido, organiza-se o trabalho, solidariedade e tudo mais. Faço um curso técnico em eletrônica visando o retorno ao Brasil. Em 76, com o golpe de Jorge Rafael Videla, fica impossível permanecer novamente. Decido retornar para o Brasil. Discuto com o partido a questão, o partido marca pontos (contatos) internos. Venho para o Brasil com o país em uma situação difícil, a Guerrilha do Araguaia acaba de ser derrotada, o partido está no foco da repressão porque as outras organizações, especialmente as organizações Foquistas*, digamos assim, tinham sido todas destruídas. Depois de um tempo aqui e após uma discussão e decisão junto à direção nacional do partido, decido que vou para Goiás, sob uma identidade fria. Faço o primeiro ponto em Goiás com o dirigente do partido, marcamos o segundo ponto com datas alternativas, e ele não aparece. Tomo conhecimento que tinha caído a Lapa e que ele tinha sido morto na queda da Lapa. Fico desligado do partido, sem nenhum contato. Eles serão retomados através do exterior. Fico trabalhando em Goiânia sem muitas possibilidades porque estou sem contato com o partido lá.
Em 79 veio a Anistia. E no início de 79, minha esposa, que não tinha vindo comigo por questão de segurança, volta para o Brasil. Estamos em Goiânia. E aí decidimos o retorno para Porto Alegre. A anistia foi decisiva para que eu pudesse retornar a uma vida legal no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Depois, a caminhada é longa, atuo no movimento sindical metalúrgico durante muitos anos, sou uma das lideranças da oposição e da luta metalúrgica no Rio Grande do Sul. Depois, sofro uma justa causa fria e, com isso, eu não posso mais atuar na categoria metalúrgica. Nesse momento, a nossa vereadora Jussara Cony assume o PCdoB, que se legaliza, e vou trabalhar na Câmara com ela, como chefe de gabinete. Depois, serei candidato a prefeito do partido, depois candidato a vereador, fico na primeira suplência em 92. Fui candidato a suplência do Senado com o Matheus Schimit. Em suma, aí tenho uma trajetória mais institucional, política. Participo de três legislaturas como vereador em Porto Alegre, duas legislaturas como deputado. E faço concurso do Ministério Público. Hoje, sou servidor aposentado do Ministério Público. Uma trajetória bastante longa e pulei aqui muita coisa.
O que significa a lei da anistia para ti?
Primeiro, gostaria de dizer que a luta pela anistia no Brasil – eu sou historiador, formado em história – começa já em 64. Pouco depois do golpe, Alceu Amoroso Lima, Heitor Cony e Correio da Manhã já começam a trabalhar. Em junho, 66 houve a 6ª Conferência Nacional do partido, que levanta a bandeira da Anistia. Da mesma forma, a Frente Ampla surge em 66 e coloca também a bandeira da Anistia.
Depois, nós temos sempre, em todo esse correr de anos, a batalha da anistia colocada. No programa do MDB, que era grande guarda-chuva de toda a oposição ao regime, a questão da está presente. A anistia ganha uma força maior em 75, quando uma advogada paulista, Therezinha Zerbini, que era esposa de um general cassado, cria o Movimento Feminino pela Anistia. O primeiro núcleo foi São Paulo, o segundo aqui no Rio Grande do Sul, com a hoje socióloga Lícia Peres, com Mila Cauduro (escritora e ex-secretária de Cultura do Estado e uma das fundadoras do PDT no Estado). Esse movimento começa a se expandir pelo país, se faz um abaixo assinado com 20 mil assinaturas, grande parte dessas assinaturas aqui do Rio Grande do Sul, que é levado o general Golbery do Couto e Silva. Há no processo a adesão da Sociedade Brasileira de Ciência, a CNBB, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se multiplicam os comitês em todo o Brasil. Chega um momento que se cria o Comitê Brasileiro pela Anistia e o interessante é que é feito na ABI, e quem preside é um general, Peri Bevilacqua, que havia participado do golpe, mas que depois foi inclusive afastado do Superior Tribunal Militar pelo AI 5. Ou seja, alguém que esteve do outro lado, mas que nesse momento adere à bandeira da Anistia.
A linha dura, chamada linha dura, não que a outra fosse mole nem nada, a linha dura se opõe radicalmente a qualquer anistia. Inicialmente, o governo Figueiredo não aceita, diz que pode revisar algumas punições. Mas a campanha vai criando uma mobilização e uma pressão muito grande, chega a manifestações de rua um pouquinho adiante, com 20 mil pessoas. Figueiredo envia em junho de 79 um projeto governista ao Congresso, onde ele concede uma anistia parcial e, ao mesmo tempo, recíproca. Por que recíproca? Perdoando as barbaridades que os algozes da ditadura fizeram, assassinando, sequestrando, etc. Abre-se um grande debate no Brasil.
A campanha do cresce, tivemos manifestações muito fortes, há greve de presos políticos em vários estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Pernambuco, que também causa uma comoção nacional e internacional. Vai para uma comissão mista, através do Senador Teotônio Vilela, que era da Arena, mas que abraçou as causas da Anistia e do fim da ditadura. Ele percorre os presídios políticos no Brasil conversando e discutindo com os presos e chega-se à votação no Congresso. Há a votação de uma emenda que transformava a anistia restrita numa anistia irrestrita. Essa emenda perde por apenas cinco votos, 206 contra 201 votos.
É importante registrar isso porque o Supremo Tribunal federal (STF), até para alterar a atual anistia recíproca, que na verdade beneficia os torturadores, alega que ela foi uma grande concertação entre situação e oposição, e que por isso não caberia qualquer revisão. Isso é uma mentira, na verdade houve um confronto entre duas propostas de Anistia, um choque, e por uma quantidade mínima de votos, a posição da ditadura prevaleceu.
No projeto em si, derrotada a emenda, a oposição na sua maioria acaba dando seu voto para anistia por considerar que é um avanço. Foi um avanço, é indiscutível. A Anistia foi sancionada no dia 28 de agosto. Na verdade, de presos liberados foi um pequeno volume, não chegou a 100, para se ter uma ideia. O maior benefício foi para todos aqueles que estavam no exterior, no exílio, todos aqueles que estavam na clandestinidade, como eu. Esses foram milhares, e esses milhares retornaram para a vida política no Brasil. Com isso, se reforçou muito a oposição ao regime militar e levou, alguns anos depois – é bom dizer seis anos depois – levou à derrota da ditadura, num processo também complexo no Colégio Eleitoral, que alguns não entenderam naquele momento, que era o caminho que restava. E o regime militar foi derrotado.
Bem, tu perguntastes para mim o que isso significou, isso abriu as condições para que eu retornasse ao Rio Grande do Sul, retornasse a atividade política aberta, à vida normal e pudesse, junto com milhares de outros que retornaram, acelerar o processo de derrota da ditadura militar. Uma última opinião sobre anistia em si, eu pergunto, de quê que eu deveria ser anistiado? Por defender a Constituição? Por defender os direitos dos trabalhadores? Por ser contra o arbítrio e as torturas? Eu não tinha de ser anistiado, deveria ser premiado, receber uma medalha, como se diz. Agora, para quem foi a anistia de fato? Naquele contexto nos ajudou sim, mas a anistia de fato, ao ser recíproca, foi para os que torturaram, sequestraram, mataram, rasgaram a Constituição e assim por diante. Por isso eu penso que a Constituição de 88 eliminou alguns aspectos daquela anistia restrita. Ela eliminou, mas não eliminou a reciprocidade, e esta é na verdade impunidade.
Nos países vizinhos, torturadores foram condenados, há memoriais, e sempre a memória presente. Aqui, fica a imagem sempre de seguir em frente, já que o Brasil foi um dos poucos países sul-americanos que não puniu os militares responsáveis pelas ditaduras dos anos 1960/70. E é o único em que os militares estão de volta ao poder. Uma coisa levou à outra? Como tu avalias isso
De certa forma a Anistia no Brasil teve essas limitações porque ela foi conquistada no período do regime militar. E não havia correlação de forças suficiente para fazer anistia que nós lutávamos. Na Constituinte houve avanços, mas a gente pode dizer que a transição no Brasil não foi uma derrota contundente do regime militar Foi uma transição através do colégio eleitoral, onde chegou-se até um momento em que os militares ameaçavam não aceitar o resultado, que afinal valeu. Então eles mantiveram a sua força, mantiveram o seu poder, e isso dificultou muito, seja a Constituinte, seja posteriormente, a punição. Sempre houve o medo de puni-los.
A sociedade civil não chegou efetivamente a tomar as rédeas do poder no Brasil. Veja bem, mesmo com 13 ou 14 anos de governo da Frente Popular, do Partido dos Trabalhadores e da unidade de esquerda, o tema nunca foi enfrentado. Será só por falta de vontade ou uma correlação de forças complexa? Há uma correlação de forças, mas também faltou determinação, faltou vontade política porque não se mexeu nos currículos militares. Todo aquele trabalho da Comissão da Verdade e Justiça cumpriu um certo papel, mas nós nunca conseguimos avançar o suficiente. Isto gera impunidade, e gerando impunidade, fez com que amplos setores de direita, amplos setores pró ditaduras, permanecessem, e hoje retornam. É uma situação muito complexa que nós vivemos e é importante, nesta data, 28 de agosto, relembrar esses fatos. Compreender melhor esses fatos e seguir a luta, que não se encerrou.
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Mas tu achas possível fazer essa luta com o atual governo?
Eu vou dar um exemplo: agora em 31 de março – esse governo de uma forma torpe, sem qualquer fundamento – o presidente Bolsonaro propôs homenagear o 31 de março. Isso gerou uma resposta da sociedade civil e da sociedade política muito forte. Nós mesmos, aqui em Porto Alegre, fizemos uma grande manifestação no Parque Farroupilha. Ou seja, é uma luta que está em curso, e nesse processo, esse governo está mostrando que defende a barbárie, que defende a tortura, todo mundo percebe. E esse governo vai se isolando nacionalmente, vai se isolando internacionalmente e isso faz parte da luta.
Enquanto esse governo tiver lá, é muito pouco o que nós vamos poder conseguir, tanto que ele mudou completamente a Comissão da Anistia, colocou defensores do regime militar para analisar os processos dos que foram perseguidos. Então é um retrocesso em toda a linha. Mas o povo brasileiro também está na luta. Não se entregou. Isso faz parte. Então essa luta é necessária e relembrar a anistia é necessário para enfrentar isso que tentam novamente, voltar ao regime de força no Brasil.
O militar que torturou e violentou a presa política Inês Etienne Romeu está sendo processado. Isto abre um precedente quanto à punição dos torturadores?
Raul: Existe, por enquanto, uma decisão do STF de que a anistia se estende aos dois lados, ou seja, aos torturadores e aos torturados, esse é o parecer do STF e um dos argumentos é que foi um grande acordo nacional. Bem, essa é a opinião do STF hoje, amanhã pode ser outra. Então, nós temos isso, juízes de nível inferior que têm aberto processos contra torturadores, contra sequestradores, etc. Certamente, se eles forem julgados e condenados na atual correlação do STF, quando recorrerem ao Supremo serão perdoados, mas eles cumprem uma função que é uma função de denunciar, é uma função de mostrar quem foram os torturadores, e assim por diante. Alguns desses processos, o objetivo, inclusive, por essa situação, não é que eles sejam presos ou que sejam condenados, mas que o Estado brasileiro assuma a responsabilidade do que aconteceu, que o Estado brasileiro reconheça as barbaridades que fez. E por que isso? Isso faz parte do aprendizado do povo brasileiro para não deixar que essas questões se repitam.
BdF RS: Tu acreditas que algum dia se consiga fazer no país o mesmo que a Argentina fez de condenar os seus torturadores?
Raul: Bola de cristal eu ainda não tenho, o que eu sei é que em, diversos países, tortura e sequestro são crimes inafiançáveis, imprescritíveis, segundo o entendimento do direito internacional. Menos no Brasil eles estão, digamos, sofrendo as penas decorrentes de seus atos criminosos. Se vamos chegar lá ou não, é como dizer ‘vamos tirar o governo Bolsonaro’, depende de nós.
BdF RS: A Constituição tem um trecho que fala de que a tortura é um crime hediondo.
Raul: Sim, mas aí a alegação os crimes foram anteriores à Constituição de 88. Ainda que o Brasil fosse signatário de tratados internacionais onde a tortura já era crime hediondo, inafiançável e imprescritível. Mas aí, a nossa justiça, muito interessante, ela fecha os olhos. Já viu a imagem da Justiça? São os olhos fechados. Às vezes é para não ver essas coisas.
BdF RS: Passados 40 anos da criação da lei, qual a avaliação pode ser feita de seus efeitos na sociedade brasileira? A Lei da Anistia deveria fazer o país repensar a ideia de que perdão é o mesmo que esquecimento?
Raul: Tu podes perdoar mas nunca esquecer. Agora eu entendo que tortura, assassinato, sequestro não merecem nem perdão. E uma anistia que perdoa é uma anistia malfeita, uma anistia para os criminosos, e não uma anistia para, digamos, os perseguidos. Porque como eu digo, teve dois campos, as vítimas e os algozes. Na verdade as vítimas não precisavam de anistia, precisavam durante a ditadura quando eram considerados criminosos, mas em numa sociedade como a nossa, não precisa de anistia. Quem usou a anistia foram os criminosos. As vítimas deviam ser premiadas.
BdF RS: Nós deveríamos fazer uma revisão dela?
Raul: Eu entendo que deveria, essa revisão foi pedida inclusive pela OAB e tem outro pedido no STF, mas o Supremo já deu a primeira decisão contrária dizendo que para pacificar o Brasil deveria ser mantida os atuais termos da Lei da Anistia. No caso essa outra, o requerimento da OAB não foi decidido ainda, talvez a Ordem não esteja pressionando para esperar um momento onde haja uma correlação digna no Supremo.
Tem histórias diferentes. É bom considerar que na Argentina foram 30 mil assassinatos, não que sendo 1 mil ou 30 mil mude algo. Mas não há dúvida que o trauma da sociedade argentina foi muito maior. Além disso, a Argentina tem uma tradição de luta social muito forte, às vezes, quando se compara eu digo: ‘na concepção política Argentina, a classe operária tem muito a visão peronista, que seria o mesmo que ter a visão de Vargas aqui, que é progressista, mas que não rompe com a ideologia da classe burguesa no seu país’. Então tem um alto nível de mobilização, de organização sindical, mas às vezes uma independência ideológica da classe operária fica a dever. E o Chile também foi uma situação muito traumática, não chega ao número de assassinados da Argentina, mas foi um grande número e um processo que estava muito aprofundado. São realidades diferentes. O povo brasileiro tem as suas vantagens e seus pontos positivos, o povo argentino os seus.
Temos, que eu saiba, alguns memoriais no Brasil, como o Memorial da Anistia, que esse governo paralisou. Mas foi feito um trabalho da Comissão de Anistia importante, eram atos públicos feitos nas universidades concedendo a anistia aos perseguidos, onde se procurava esclarecer, trazer à tona aquele período. Muito a imprensa tratou dos assassinatos, as confissões de determinados assassinos que falavam que inclusive tiravam o estômago e demais órgãos internos para colocar pedras para jogar. Foram brasileiros que foram jogados de avião, que o regime deve ter aprendido com os argentinos, que foram os pioneiros. Muitos foram queimados em fornos industriais, são denúncias que apareceram, vieram. Mas hoje, em tempos de fake news, ou de mentiras, falando português concreto, muitas dessas coisas são negadas e esquecidas. Depende de nós, por isso a importância do que o Brasil de Fato está fazendo.
Espaços virtuais da memória:
Site do Memorial da Resistência em São Paulo: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/
Site Comissão de Anistia: https://www.mdh.gov.br/comissaodeanistia
Site da Comissão Nacional da Verdade: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/
Site da Comissão Estadual da Verdade do RS: https://arquivopublicors.wordpress.com/tag/comissao-estadual-da-verdade-do-rs/
Memórias da Ditadura: http://memoriasdaditadura.org.br/
Site Museo Sitio de Memoria ESMA na Argentina: http://www.museositioesma.gob.ar/
Site Museo de la Memória (MUME) Uruguay: http://mume.montevideo.gub.uy/
Site Museo de la Memoria no Chile: http://ww3.museodelamemoria.cl/
* Foquismo é o nome dado à teoria revolucionária desenvolvida pelo guerrilheiro argentino Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido como “Che” Guevara, e o sociólogo francês Regis Debray. O termo deriva da palavra “foco”, já que tal teoria advogava a instalação de vários focos de guerrilha nas zonas rurais dos países latino-americanos, de modo que esses focos pudessem, paulatinamente: 1) ganhar a adesão das massas; 2) destruir ou submeter o poder das forças armadas; 3) constituir um governo revolucionário de caráter socialista.
Edição: Marcelo Ferreira
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