Há 78 anos, em 6 de agosto, o governo dos Estados Unidos atirou uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima e três dias depois outra parecida sobre Nagasaki, assassinando a um total de entre 110 mil e 210 mil civis.
A cúpula estadunidense selecionou de propósito dois alvos civis e empregou uma justificação falsa – acelerar o fim da Segunda Guerra Mundial – para o que foi o primeiro ataque com armas de destruição em massa da história moderna, entrando assim a era nuclear. Mas esse aniversário não foi notícia principal (e às vezes nem foi registrada) nas manchetes dos principais meios dos Estados Unidos.
“Erradicar armas nucleares é um trabalho de todos”, conclama sobrevivente de Hiroshima
A não notícia do aniversário de um dos atos singulares mais horrendos da história, talvez se pudesse entender se as implicações do ocorrido pudessem ser relegadas a um arquivo empoeirado de um evento único em um cada vez mais distante passado, mas essas duas explosões atômicas continuam retumbando até nossos dias. De fato, segundo os especialistas, a humanidade está em maior perigo hoje do que nunca de sofrer uma guerra nuclear catastrófica.
Os ponteiros do chamado “Relógio do dia final”, criado em 1947 pelo Boletim de Cientistas Atômicos – organização fundada por Albert Einstein e vários cientistas relacionados com a criação das armas nucleares que depois se tornaram dissidentes – foram avançados este ano a 90 segundos antes da meia-noite, o mais perto jamais visto dessa hora que representa o apocalipse. [thebulletin.org].
É ainda mais estranho que os grandes meios não estão ressaltando o aniversário já que acaba de estrear o filme “Oppenheimer” que conta sobre o chamado “pai da bomba atômica”. Vale apontar que o outro filme que estreou ao mesmo tempo é notícia no aniversário de Hiroshima: “Barbie” logrou arrecadar mais de um bilhão de dólares desde sua estreia.
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Em Washington, planos para usar o atual arsenal seguem em marcha, agora contra China e Rússia
Ameaça permanente
Durante 78 anos, todos neste planeta, incluindo as Barbies, têm vivido sob ameaça de morte por parte de um pequeno grupo de países armados com bombas nucleares, e as consequências potenciais só se incrementaram.
Segundo um informe de 2022 de Doutores Internacionais para a Prevenção de Guerra Nuclear, uma guerra entre os poderes nucleares dos Estados Unidos e da Rússia poderia chegar a matar até 5 bilhões de seres humanos – ou seja, mais ou menos o fim de todos nós.
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Embora se tenha logrado reduzir os arsenais nucleares nos últimos anos, ainda se calcula que existem aproximadamente 12.500 bombas nucleares, com 89% delas nas mãos dos Estados Unidos e da Rússia, reporta a Federation of American Scientists [fas.org].
Os Estados Unidos continuam investindo em sua capacidade apocalíptica – um novo informe do Congresso calcula que Washington gastará aproximadamente 756 bilhões de dólares em suas armas nucleares nesta próxima década.
E em Washington, existem planos para usar este arsenal. Pouco antes de Daniel Ellsberg morrer em junho – o analista militar do Departamento de Defesa que tornou públicos os Papéis do Pentágono, um ato que ajudou a acelerar o fim da guerra no Vietnã – comentou em entrevista à Democracy Now que permanecem vigentes planos militares contemplando uma guerra para destruir tanto a Rússia como a China.
“Isto é uma loucura… a crença que se atacarmos [com armas nucleares] primeiro seria menos pior que se o fizermos em segundo” é justamente o que poderia ser detonado com a guerra da Ucrânia, “ou seja, que a maioria da vida na Terra seria extinta como parte da pugna pelo controle da Crimeia, ou Donbass ou Taiwan. Isso é uma loucura”.
Parece que o Doutor Strangelove de Stanley Kubrick tristemente continua sendo um filme necessário de nossa era. Vale recordar que Ellsberg, que trabalhou por um tempo como planejador de guerra nuclear, declarou em uma entrevista à Wired em 2018 que esse grande filme de humor negro, “foi um documentário”, em sua essência.
Isso tampouco é notícia aqui, mas poderia ser demasiado tarde quando o seja.
David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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