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Além de eleições, peruanos lutam por nova Constituição, e Boluarte é denunciada em Haia

Carta Magna atual, herdada dos tempos sombrios de Fujimori, serviu na bandeja às transnacionais os setores estratégicos da economia peruana
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

A gigantesca Jornada Nacional de Protesto realizada nesta terça-feira (24) voltou a sacudir Lima “pela imediata renúncia da presidenta Dina Boluarte, por uma nova Mesa Diretora do Congresso, eleições gerais e uma Assembleia Constituinte”, com peruanos de todas as regiões tomando a capital “contra o governo assassino”. 

A manifestação foi pacífica durante todo o dia, até que ao anoitecer a Polícia Nacional do Peru (PNP) voltou a atacar de forma covarde, com bombas e balas, os manifestantes que se dirigiam até a Praça San Martín, próxima à sede do governo e do parlamento. A fúria como dispararam contra a defesa da democracia e de uma nova Constituição que resguarde a soberania do país dá a dimensão do abismo que separa esses marginais fardados da identidade inca

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A denúncia é que a Carta Magna atual, herdada dos tempos sombrios de Alberto Fujimori (1990-2000), serviu na bandeja às transnacionais os setores estratégicos da economia peruana, extremamente rica em minérios como lítio, ouro, prata e cobre.

“Em pleno transcurso da jornada ocorreram inúmeros e desproporcionais ataques da Polícia contra os manifestantes e até mesmo contra profissionais de saúde integrantes das brigadas de atendimento médico”, denunciou Gustavo Minaya, secretário-geral adjunto da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), condenando a crueldade. Para o sindicalista, “diante do que vimos e registramos, o ataque ocorrido nos arredores do parque de Lima ao grupo de paramédicos, selvagemente golpeado enquanto atendia cidadãos feridos, foi feito por um grupo de psicopatas que não deveriam usar o uniforme da PNP”.

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Para Jorge Pizarro, da Assembleia Nacional dos Povos, o que está ocorrendo é um levante da “cidadania indignada, a nação em conflito por sua definição, oposta a ser sujeitos sem soberania e à mercê do grande capital”. “Boluarte, Otárola e os que das sombras do poder corrupto disparam balas e uma narrativa de ódio e terror, lançam fundos escuros insidiosos. Sua moralidade decadente nunca compreenderá a identidade do ayni [da cooperação], o trabalho comunitário, a visão andina e amazônica do mundo, a reciprocidade e o esforço contínuo”, acrescentou.

Na avaliação de Verónika Mendoza, líder do Movimento Novo Peru, o necessário “é que o povo soberano decida e que haja uma urna para poder colocar nosso voto para presidente e o Congresso, e outra onde digamos se queremos ou não uma nova Constituição”. A ex-candidata à Presidência da República frisou que “o povo está atento e pedindo que Dina Boluarte renuncie” e “seja nomeado um governo de transição para que, no prazo mais breve possível, ainda neste ano, sejam convocadas eleições gerais”.

As fortes imagens da repressão que ceifou a vida de mais de 60 peruanos e feriu milhares desde o início das mobilizações em 7 de dezembro, quando Dina assumiu, repercutiram de forma extremamente negativa. Seis ministros renunciaram e ao menos 16 países já recomendaram aos seus cidadãos que não viajem ao Peru, houve o cancelamento de 95% das reservas. Cidades turísticas como Cusco e Machu Picchu foram totalmente bloqueadas pela população.

Em relação ao berço do movimento, Dina declarou que “Puno não é o Peru”, e enviou milhares de soldados do Exército para executar as determinações do “Estado de Emergência” imposto a vários departamentos [estados], com o impedimento de reuniões, prisões e a invasão de lares.

Carta Magna atual, herdada dos tempos sombrios de Fujimori, serviu na bandeja às transnacionais os setores estratégicos da economia peruana

Reprodução Twitter – @WaykaPeru
Repressão não poupa sequer idosos e os profissionais de saúde integrantes das brigadas de atendimento médico




Ação no Tribunal Penal Internacional

Devido à brutalidade como tratam a qualquer um que identifiquem como oponentes, a presidente e vários de seus ministros e ex-ministros ligados à repressão foram denunciados recentemente ao Tribunal Penal Internacional (TPI) por um grupo de renomados advogados peruanos pela prática “dos crimes de genocídio e lesa-humanidade”.

A ação explicita que “as autoridades, através da declaração do estado de emergência nacional, têm vindo a ordenar e executar uma política sistemática de repressão excessiva contra a população civil, gerando um contexto em que foi produzida a morte de mais de meia centena de pessoas e milhares de feridos”.

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“Os manifestantes se declararam em um levante justo – sem armas –, realizando a tomada de estradas, minas, aeroportos, instalações, universidades, etc., exigindo a renúncia da presidente, uma Assembleia Constituinte que elabore uma nova Carta Magna, o fechamento do Congresso, eleições gerais antecipadas, entre outros”, explicitam.

Os autores do processo integram um coletivo de advogados de Arequipa e identificam entre os ministros acusados, o presidente do Conselho de Ministros (PCM), Alberto Otárola, o titular da pasta de Justiça e Direitos Humanos, José Tello; além dos ex-ministros Pedro Angulo (PCM), César Cervantes e Víctor Rojas (Interior). Os advogados também incluíram na denúncia criminal os deputados Jorge Montoya e Patricia Chirinos, por qualificar os manifestantes de “terroristas e criminosos” e instigarem e exigirem repressão por parte das autoridades.


Rede de municípios solidária com os manifestantes

A Rede de Municipalidades Urbanas e Rurais do Peru (Remurpe), que congrega mais de 1.800 cidades, já havia se somado na sexta-feira (20) às organizações populares que rechaçam a repressão e expressou seu respaldo às justas demandas e reivindicações em defesa da democracia.

“Aderimos ao pedido da população, que exige a renúncia da senhora Dina Boluarte da Presidência” e “a exoneração imediata da Mesa Diretora do atual Congresso”, anunciaram os prefeitos, rechaçando a violência e exigindo uma investigação minuciosa dos excessos nos protestos, bem como a sanção “aos responsáveis pelos assassinatos nas manifestações sociais”.

Trabalhando para o fortalecimento da gestão e a promoção da governabilidade democrática e descentralizada, a rede tem 22 anos de fundação e é referência na luta contra os reiterados abusos cometidos contra civis.


Policiais invadem a Universidade San Marcos

Ignorando a conclamação, na manhã de sábado (21), 400 policiais fortemente armados, sob a ordem do ministro do Interior, Vicente Romero, invadiram a Universidade Nacional de San Marcos – a decana da América, fundada em 12 de maio de 1551 – em Lima, para expulsar os manifestantes que se encontravam alojados no campus há três dias. 

Sob a supervisão de um helicóptero militar e o protesto unânime de professores e estudantes da universidade, as “forças da ordem”, supervisionadas pelo ministro fujimorista, se utilizaram de um tanque para derrubar as grades do portão 3 e parte do muro que lhe dava sustentação, a fim de iniciar a “operação” que resultou em cerca de 200 presos. Vicente Romero encontra-se sob investigação pelo abuso de autoridade.

Lima e mais regiões do Peru ardem em protesto contra Boluarte, que ordena mais repressão

De acordo com a secretária-executiva da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, Jennie Dador, entre os inúmeros atropelos, várias mulheres foram obrigadas a se despirem para que os guardas pudessem procurar drogas em suas partes íntimas.

“A direita peruana comemorou muito quando a Polícia arrombou um portão e entrou na San Marcos para prender ‘flagrantes terroristas’, ‘incendiários iminentes’, ‘dinamitadores’. Sim, claro, entre os 193 detidos há um que foi retido por responder a uma ação por crime comum”, disse o jornalista César Hildebrant, alertando para a manipulação das justificativas à bárbara agressão. “A questão chave, senhora Boluarte, seria que você se vá e crie um governo de emergência e eleições. Porém pedir-lhe desprendimento, senhora Boluarte, seria o mesmo que pedir uvas ao abacateiro”, ironizou.

Leonardo Wexell Severo | Jornalista e colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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