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Do progressismo ao (fim) do neoliberalismo: uma análise da década na América Latina

Podemos dizer que graças aos povos da América, este “modelo” neoliberal que nasceu em terras de nosso continente, morrerá também nelas
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Em 2010, Cuba Socialista estimulava vitoriosa a integração latino-americana e surgia a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Estava já afirmado o Processo Bolivariano da Venezuela e o ex-presidente  Hu go Chávez ainda vivia com força e entusiasmo. 

O Brasil e a Argentina, os gigantes de nosso continente, transitavam um período de bonança conduzidos pela mão firme de Lula e Dilma, e os Kirchner.

No Uruguai, abria passagem a Frente Ampla e no Chile os “momios” começavam a sentir medo diante do processo de acumulação de forças promovido pelos segmentos progressistas que, no entanto, ainda não se estabeleciam de modo suficiente. No Equador, Rafael Correa assinalava a passagem; Evo Morales governava a Bolívia; os sandinistas consolidavam sua influência na Nicarágua; e em El Salvador, a Frente Farabundo Martí se apressava a tomar em suas mãos as engrenagens do Poder. 

 

Podemos dizer que graças aos povos da América, este “modelo” neoliberal que nasceu em terras de nosso continente, morrerá também nelas

Info Sehlac/ flickr
Mapa América Latina

Em suma, América Latina apresentava um rosto novo, enquanto Washington mirava o Oriente Médio procurando confirmar ali seu domínio. O Presidente Obama persistia na política de guerra, consubstancial aos Estados Unidos, mas a dirigia a outros cenários. Para a Casa Branca, salvo Cuba e Venezuela, a América não constituía um perigo. 

Em dez anos, as coisas mudaram. Nos EUA, desde meados da década passada, cobrou maior força o Tea Party, uma facção ultradireitista e até fascista do Partido Republicano. Sob a liderança de Donald Trump, ela conquistaria o poder em 2016, ganhando eleições francamente fraudulentas, e mudaria o rumo dos Estados Unidos, que retornariam sem problemas aos anos de James Monroe proclamando aquela tese da “América, para os americanos” (do Norte, claro). Sofocleto havia dito mordazmente: “Panamericanismo: Pan para eles, e americanismo, para nós”Trump participa da sessão da OTAN Foto: flickr 

À sombra dessa turva influência apareceram em nossa região caudilhos sinistros: Uribe, na Colômbia; Piñera no Chile; Bolsonaro, no Brasil, Macri, na Argentina. Pero cambalearam também as forças progressistas que perderam espaço em diversos países. O Império se encarregou do resto. Mediante Golpes de Estado mudou a correlação de forças, derrubando Manuel Zelaya, em Honduras; e Fernando Lugo, no Paraguai.

Tomando gosto ao jogo, logo neutralizou Lula e urdiu uma manobra golpista contra Dilma; pressionou a administração Santos na Colômbia até esterilizar os acordos de paz entre o Estado e as FARC; comprou descaradamente o Presidente Moreno na Pátria de Olmedo; e, finalmente, deu um avesso Golpe de Estado na Bolívia, derrubando Evo.Evo desembarcando na argentina, onde recebe asilo político do Presidente eleito Alberto Fernández  

Alguém poderia supor que esta lista de países e mandatários trata de fatos episódicos e de pessoas. Mas não é assim. É a luta de classes que se mostra em nosso continente com mais vigor do que nunca, e que enfrenta as forças progressistas e avançadas da sociedade com o tradicional domínio do Império. Os povos se levantam combatendo pela dignidade e pela justiça, enquanto as forças do Grande Capital buscam perpetuar um regime de dominação que serve aos seus interesses de classe. 

O Peru não é, por certo, alheio a esta confrontação. No nosso país o governo norte-americano deu um jeito para manter sucessivas administrações sob sua influência. Graças ao “modelo” neoliberal imposto desde os anos de Fujimori, e contando com a ingerência aberta do Fundo Monetário e do Banco Mundial, o Grande Capital se instalou em sucessivos regimes desde fins do século passado até as duas décadas do presente.

De Fujimori até hoje –passando por Toledo, García, Humala, Kuczynski e mesmo Vizcarra- cada um fez sua parte para assegurar a hegemonia ianque. A imposição de um “ajuste” perverso, o arrasamento dos direitos trabalhistas, uma sistemática ofensiva contra o povo e a restrição das liberdades públicas, foi quase uma constante em uma circunstância na qual, na tela de fundo jazia um só mandato: manter impoluta a Constituição de 93, manto sagrado destinado a proteger os opressores. 

Hoje, no ocaso da década que termina, Nossa América – a de Martí e Mariátegui – sangra profusamente por suas feridas abertas. Povos irmãos e heroicos – Chile, Bolívia e Colômbia- sofrem os embates do fascismo. Para eles, plena solidariedade. 

Um fato curioso ocorreu há pouco tempo no Setor 2 Grupo 7 de Villa El Salvador. Um venezuelano –Orlando (29) tratou de apunhalar sua esposa Jeliane (25). Esta, vendo-se atacada, correu e gritou por sua vida. Acudiu a polícia e a salvou. Sabem quem foi o oficial que salvou a venezuelana da ira de seu compatriota? Foi o Capitão Hugo Chávez, da Polícia Nacional. Casualidade, ou profecia?

Entretanto, podemos dizer que graças aos povos da América, este “modelo” neoliberal que nasceu em terras de nosso continente, morrerá também nelas depois de 50 anos de opressão e agonia. Quando isso acontecer, que descanse em paz. 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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