Quando a um afegão lhe perguntam que significa a palavra “Afeganistão”, responde simplesmente: país onde vivem os afegãos. Se a nós, peruanos, nos perguntassem o que quer dizer “absurdistão”, poderíamos dizer: país onde imperam os absurdos. Aludiríamos assim ao Peru. E é verdade que aqui, em nosso tempo, pareceria haver-se imposto o reino do absurdo, pelo menos no plano da política. Vejamos.
Em 1980, há 41 anos, o senhor Iber Maraví, que beirava os vinte anos, teve uma ação vinculada a uma mulher jovem — Edith Lagos — que apareceu morta depois de um pouco claro enfrentamento armado. Foi um suposto “ato terrorista”.
A polícia de então o deteve? Perseguiu? Encarcerou? Apresentou denúncia contra ele? Não. Nada disso aconteceu. As autoridades judiciárias fizeram algo? Processaram? Sentenciaram? Tampouco.
Uns e outros, policiais e juízes consideraram o fato como um episódio da tumultuosa vida ayacuchana daqueles tempos. E tudo ficou aí.
Hoje, 41 anos depois, Rossana Cueva e o Canal 5 da TV consideraram o fato como uma prova irrebatível da filiação senderista do senhor Maraví, e exigiram sua renúncia imediata da pasta do Trabalho. “Não pode permanecer nem um minuto mais nesse Ministério”, dispôs a Terceira Vice-presidenta do Congresso, a senhora Patricia Chirinos, como si ela fosse a proprietária do posto em disputa.
A propósito de dona Patricia, hoje proprietária do histórico Hotel Bolívar graças ao falecimento de seu esposo, o ancião banqueiro León Rupp, que morreu pouco depois da boda, legando sua quantiosa herança, foi prefeita de La Perla em representação de “Chim-Pum Callao”, uma organização criminosa (assim a chamou o Poder Judicial), e sócia de Akex Kouri -ao qual visitara na prisão — e Félix Moreno, ainda atrás das grades. Mas não importa.
Pensemos um pouco: se o senhor Maraví não tivesse sido designado Ministro do Trabalho em 29 de julho passado, teria motivado o interesse dos inquisidores de hoje? Seguramente não. Teria vivido até o fim dos seus dias como um cidadão comum, dedicado às suas atividades habituais, sem chamar a atenção de ninguém. Mas como o Presidente Castillo o fez Ministro, e como responde ao interesse de seus adversários minar seu Poder a qualquer preço, então o senhor Maraví terá que oferecer seu pescoço, como um peru nas feiras.
Presidência do Peru
O presidente do Peru Pedro Castillo e o ministro do Trabalho, Iber Maraví.
No passado 27 de agosto, o Parlamento outorgou sua confiança ao Gabinete Bellido. Isto significa que lhe concedeu o que se chama “Un Voto de Investidura” para que assuma sua função e cumpra sua tarefa.
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48 horas mais tarde, os congressistas demandaram a saída de dois ministros e anunciaram que exigiriam depois a queda de mais dois, e assim sucessivamente. E a confiança? Extinguiu-se?
Recordemos: em 11 de abril passado, Pedro Castillo obteve quase 19% dos votos e conseguiu o primeiro lugar no primeiro turno eleitoral. Em 6 de junho, ganhou definitivamente a eleição e foi ungido Chefe do Estado a despeito de seus adversários que invocaram o Céu para que Deus mudasse o rumo das coisas.
Em 19 de julho, e contrariando todas as exigências colocadas por seus adversários, o senhor Castillo foi proclamado Presidente pelo JNE, e oito dias depois instalou seu governo apesar do desaforado protesto da “outra parte”, que bateu desesperadamente à porta dos quartéis clamando por um golpe de Estado que mudasse o rumo das coisas.
Não obstante, tais exigências, as demandas e as rogativas colocadas, a instituição castrense honrou sua função e não optou pela iniciativa que invocava que abandonasse sua função não deliberante e se convertesse em assaltante do Poder.
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O absurdo aqui, por certo, é simples: que haja havido aqueles que — perdendo as eleições — exigissem que os fardados lhes tirassem as castanhas do fogo e anulassem as eleições.
Mas também é absurdo o manejo que se dá ao caso do Secretário Geral do Peru Livre. Como dizem nas redes, a direita, de cerro em cerro, construiu um Cerrón.
E é que, em efeito, agigantou-se a capacidade operativa de um homem apresentando-o como capaz de tudo: nomeia ministros, digita o Presidente, lava dinheiro, malversa fundos, manipula o governo, organiza máfias em sua região, decide políticas de Estado, encurrala Pedro Castillo. Um poco mais e o levam às alturas como o Popeye da política peruana. Só lhe falta consumir espinafre.
O real é que o acusam de tudo, mas ocultam um fato medular: foi condenado não por roubo, nem peculato, nem malversação de fundos, mas sim por Negociação Incompatível. Sabem o que é isso? É uma falta administrativa que não constitui delito penal, mas aqui, no Absurdistão, lhe ditaram a sentença.
E o tema dos Brevês, é uma Máfia? Sim, envolve 27 pessoas, 20 das quais são fujimoristas e quatro apristas. Alguém diz algo disso? Mávila Huerta? Rossana Cueva? Milagros Leiva? Ou talvez Phillips Butther ou Beto Ortiz?. Não. Nada, nem ninguém. Todos ficam mudos no Fórum, como na antiga Roma.
Não nos olvidemos: quando Fernando Belaunde foi eleito Presidente, nomeou como “Secretário do Conselho de Ministros” seu sobrinho, Victor Andrés García Belaúnde. Alguém o censurou por isso? Alguém disse “nepotismo”?.
E dizem que um anônimo trabalhador do hemiciclo disse haver escutado o congressista Montoya confiar a outro de sua bancada, um segredo: me asseguram que este Theodorakis que morreu era senderista. Compunha música para Abimael dançaria. Terá estado com Maraví em 1980 em Ayacucho? Há que pedir informação à Dincote.
É que o Peru, de alguma maneira, já é absurdistão?
*Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.
** Tradução Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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