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Direita chilena quer “especialistas” em nova Convenção Constituinte; entenda o que muda

Ala conservadora defende "mecanismo misto" na redação da nova Carta Magna, como condição para que haja o apoio necessário para aprovação
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

O excessivo e pouco realista entusiasmo com que os presidentes da Câmara de Deputados e do Senado chilenos anunciaram um princípio de acordo entre a centro-esquerda e a coalisão Chile Vamos, para reviver o processo constitucional, resultou na tarde de segunda-feira (12) em um fiasco, quando os mandachuvas da oposição o negaram categoricamente em uma declaração. 

Na manhã da referida segunda-feira, parlamentares e presidentes de partidos políticos concretizaram uma reunião para avançar nas conversações sobre a forma de como retomar a redação de uma nova constituição, após o triunfo do “recuso” no plebiscito do passado 4 de setembro.

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Ao terminar o encontro, o presidente do Senado, Álvaro Elizalde, assegurou que havia acordo em diversos pontos: que o texto será elaborado por um órgão eleito integralmente pela cidadania, que haverá paridade de gênero, que uma “comissão de especialistas” prestará assessoria e que o plebiscito ratificatório será de participação obrigatória para os cidadãos. 

Elizalde mencionou também que “há temas pendentes, como o sistema eleitoral, a participação de povos originários e independentes”.

Boric pede agilidade às forças políticas do Chile para início de um novo processo Constituinte

No mesmo sentido, o presidente da Câmara, Raúl Soto, mencionou que “acordamos de maneira ampla e transversal que este processo e este órgão devem ter paridade” e que a redação será feita por “pessoas eleitas pela cidadania, acompanhada e apoiada na tarefa por um comitê de especialistas, cujas regras de funcionamento e desenho serão discutidas posteriormente”. 

Soto também assegurou que se instalará uma comissão negociadora “com um representante de cada partido político com presença parlamentar”. 

Inclusive a ministra Secretária Geral da Presidência, Ana Lya Uriarte, que compareceu à reunião, disse estar “alegre com o resultado do diálogo, porque já sabemos que há um acordo em relação a voltar a eleger democraticamente pessoas que possam redigir uma nova Constituição, conformando assim um órgão encarregado dessa tarefa; isso se alinha completamente com aquilo que como governo temos querido e temos manifestado há longo tempo”. 

Ala conservadora defende "mecanismo misto" na redação da nova Carta Magna, como condição para que haja o apoio necessário para aprovação

Convención Constitucional Chile
Recusado ao texto proposto pela Convenção não significa recusa às mudanças e transformações no Chile, disse Boric




Desmentido rotundo

Tudo parecia harmonia até aí, mas no final da tarde, os presidentes dos três partidos integrantes da opositora Chile Vamos qualificaram como “lamentáveis as declarações de Ministros do Governo e pessoas do oficialismo que buscam precipitar resultados, pondo em risco as conversações e acordos em marcha”. 

“Não aceitamos que pretendam impor um curso de ação e muito menos torcer mesquinhamente as conversações em marcha. Concorremos de boa fé a todas as instâncias a que nos convocaram, mas vemos com preocupação que de volta não estaríamos recebendo similares intenções”, dizem os timoneiros. 

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No documento, os três partidos se comprometem a seguir trabalhando com “decisão, cautela e responsabilidade, com calma, mas sem pressa, para alcançar os acordos que são necessários, os quais ainda não se concretizaram”. 

“Anunciar acordos que ainda não estão subscritos ameaça as confianças e o espírito colaborativo, ao ponto de avaliar a pertinência dos caminhos oferecidos. Buscar objetivos de curto prazo não condiz com o ânimo que prima nos partidos do Chile. Fazemos um apelo à reflexão, para que este processo seja transparente e responsável, de maneira a estar à altura da tarefa que nos encomendam os chilenos”, dizem.

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Disseram estar comprometidos a alcançar uma “boa e nova Constituição” e que “estamos trabalhando e dialogando com distintas forças políticas e sociais para propor um mecanismo que assegure uma ampla participação em um plebiscito ratificatório com voto obrigatório. Assim, intuímos que há que avançar para um mecanismo misto, que conjugue estes elementos e assegure o apoio necessário para ser realmente uma carta para todos”, declaram. 

Ao falar do “mecanismo misto”, claramente se referem ao fato de a direita não apoiar uma Convenção 100% eleita, e que buscará que alguns dos redatores do novo texto provenham de determinado tipo de organizações que não especificam.


Boric anuncia busca de detidos desaparecidos e defende processo constitucional

Mescla de passado e presente, ansiedades de futuro: Gabriel Boric, o presidente esquerdista do Chile tentou, no último domingo (11), conectar a história trágica do país iniciada em 11 de setembro de 1973 e até o fim da ditadura de Augusto Pinochet em 1990, com as vicissitudes de seu governo, humilhado há duas semanas no plebiscito que recusou a nova Constituição que garantia direitos sociais universais. 

No Palácio de la Moneda, a sede do governo, e perto da hora em que há 49 anos o presidente socialista Salvador Allende se suicidou antes de render-se aos generais golpistas – aos quais chamou de “traidores” antes de morrer –, Boric anunciava que o Estado formalmente buscará encontrar os restos dos 1.192 detidos desaparecidos reconhecidos e uma “Agenda integral de verdade, justiça e reparação a vítimas da explosão social” de outubro de 2019, aquele momento de inflexão que segue irresoluto e que também causou dezenas de mortos e centenas de mutilados. 

Quase meio século depois, o Chile segue mastigando sua sangrenta, tenebrosa e amarga história – as 40 mil vítimas diretas entre mortos, desaparecidos e torturados que deixou a ditadura –, ao mesmo tempo que não consegue resolver a construção de um futuro coletivo, inclusivo, para suas outras vítimas, os milhões de cidadãos oprimidos pelo consumismo e as dívidas, que deixaram quatro décadas de neoliberalismo aplicado por completo, com apenas uma maquiagem a cargo dos governos de centro-esquerda que sucederam a Pinochet. 

Boric, que para certa esquerda é uma espécie de herdeiro direto de Allende, trata agora de recompor o entusiasmo em suas filas após o golpe de realidade encaixado com a vitória esmagadora do “recuso” à Constituição garantista, com 61,87% dos votos (quase 7,9 milhões) contra 38,13% (4,9 milhões) para o “aprovo”. 

Chile: Após espalhar fake news sobre nova Constituição, direita pede “autocrítica” a Boric

“Sabemos que o legado daqueles que vêm lutando continuamente por uma pátria mais justa há tanto tempo não caduca. Aqueles que vêm convidar-nos a nos arrependermos das convicções que temos, lhes dizemos claramente que nós não renunciamos, que vamos defender firmemente o mandato pelo qual chegamos aqui, que é um mandato de transformação, um mandato de diálogo, um mandato de gerar condições de vida digna para nosso povo. E esse caminho de mudanças passa também pela responsabilidade de ter uma nova Constituição escrita em democracia”, disse desafiante o presidente em uma cerimônia em La Moneda. 

Desde a esmagadora vitória do “recuso”, a direita não oculta sua intenção fanática defensora do pinochetismo. Há muita evidência. Na tarde de sábado, milhares de “bots” difundiram no Twitter que Boric havia sido hospitalizado em um hospital psiquiátrico por uma suposta angústia depressiva que lhe havia disparado a vitória do “recuso”, assegurando sua queda. 

Mas não só a direita reagiu após a derrota do “aprovo”. Na semana passada, os estudantes de secundária voltaram às ruas – dizem que liderados por orgânicas anarquistas – para protestar formalmente contra as condições materiais dos liceus públicos (mobiliário quebrado, infraestrutura decadente, alimentação insuficiente), empenhando-se em obstaculizar o funcionamento da rede do metrô de Santiago e em queimar ônibus do transporte público.

Tais ações recordam o que sucedeu antes de outubro de 2019, quando as manifestações estudantis antecederam à explosão social protagonizada por milhões de cidadãos insatisfeitos.


A direita transparece, Boric adverte

Na semana que transcorreu desde 4 de setembro, setores em alta da direita chilena foram transparecendo suas intenções de apropriar-se do resultado do plebiscito, interpretando-o como um respaldo ao seu conservadorismo. Também a conta gotas evidenciaram que a continuidade do processo constituinte chileno não deve significar reeditar uma Convenção 100% eleita pela cidadania, mas que seja entregue a “especialistas constitucionalistas”, e inclusive alguém propôs que o processo seja conduzido pelo ex-presidente Ricardo Lagos.

Lagos, funcional à direita, evitou no recente plebiscito explicitar sua opção. 

Chile: Para derrotar nova Constituição, direita oferece reformas que impediu por décadas

Além de propor “especialistas”, a direita também deixou entrever que poderia ser o atual Parlamento o encarregado de redigir uma nova Carta Magna, algo em absoluta contradição com o repúdio massivo que recebe o Poder Legislativo, com uma credibilidade inferior aos 10%. 

Também põem em dúvida que se inclua, em uma eventual nova Convenção, representantes de povos originários em idêntica proporção à que houve na que acaba de ser finalizada: 17 lugares garantidos de um total de 155. 

Boric também quis alertar contra tudo aquilo: “Ante as vozes que pouco a pouco pareceram deslizar, que querem recuar respeito aos compromissos adquiridos com o povo do Chile, me permito também fazer uma reflexão: Os resultados do plebiscito não são apropriáveis por ninguém em particular. E não cometam o erro de crer que pelo fato de que se tenha recusado o texto proposto pela Convenção, significa uma recusa às mudanças e transformações no Chile. Isso não é assim”. 

Também reiterou sua intenção de continuar executando o programa de governo, algo seriamente em entredito dado a debilidade legislativa ao ser minoria tanto na Câmara de Deputados como no Senado.

Aldo Anfossi, especial para o La Jornada, em Santiago do Chile.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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