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As duas faces de Jeanine Áñez: autoriza massacres, mas lamenta as mortes na Bolívia

A autoproclamada presidente da Bolívia assinou um decreto que isenta os militares de responsabilidades criminais - uma licença para matar
Arturo Cano
La Jornada
La Paz

Tradução:

A presidenta de fato da Bolívia, Jeanine Añez, assinou um decreto que exonera os militares de responsabilidades penais – praticamente uma licença para matar, que contraria todas as regras internacionais –, deu 5 milhões de dólares extras ao Exército e sua polícia atacou uma marcha pacífica que chegou a uns passos do Palácio Quemado, de onde despacha a ex-apresentadora de televisão.

Pois bem, exatamente às 21h30, hora de La Paz, Jeanine Añez, soltou uma mensagem aos bolivianos: “Lamentamos de coração as mortes de nossos irmãos em El Alto. Nos dói porque somo um governo de paz. E por isso lhes peço que nos unamos para reconciliar-nos…”

Sem se referir a objetivos nem fazer uma oferta concreta, ofereceu pôr à disposição seu gabinete “para começar a dialogar imediatamente”. Também disse haver pedido que participem “os organismos internacionais e também a igreja” (lembrem-se que, para ela, igreja só há uma).

Resulta inevitável recordar o golpe de Honduras há uma década. Durante longos meses, enquanto se cumpria o prazo do mandato de Manuel Zelaya, os golpistas enchiam as bocas com a palavra diálogo, apontaram o dedo para a OEA (a do chileno Insulza, não a do uruguaio Almagro), embarcaram em seu teatro ao Nobel Óscar Arias, desafiaram a Lula que então estava no esplendor de seu poder (ele meteu Zelaya na embaixada do Brasil em Tegucigalpa), se burlaram de todos os chanceleres latino-americanos em suas caras e, ao final, se algo cederam foi pelo único que lhes importava,  que os Estados Unidos lhes cancelassem os vistos. Para a elite hondurenha perder Nova Orleans é morrer em vida. 

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Diálogo é o nome do jogo que agora conta com a patética cumplicidade da OEA e o aberto apoio do governo de Donald Trump que, nem de brincadeira, cancelará um visto da elite boliviana. E mais, provavelmente logo o articulador do golpe, Jorge Tuto Quiroga, dono de credenciais democráticas tão inquestionáveis como haver sido vice-presidente do ditador Hugo Banzer, seja recebido com fanfarras e confetes em Washington.

A autoproclamada presidente da Bolívia assinou um decreto que isenta os militares de responsabilidades criminais - uma licença para matar

Fotos Públicas
Jeanine Áñez assinou um decreto que exonera os militares de responsabilidades penais

A birlocha tirana

As senhoras choravam triplamente, por seus mortos, pela coragem e pelos gases que atiraram contra elas. 

O Mercado Lanza é uma construção estranha: corredores que sobem e descem, que vão e que vêm em diferentes níveis, para dar espaço a postinhos de dois por dois que vendem comida. Agora quase todos estão fechados porque faltam a carne, os ovos, o frango. Mesmo que houvesse todos esses produtos, de pouco valeriam porque não há gás. 

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As zonas acomodadas de La Paz contam com gás encanado. Os pobres dependem de botijões de 10 litros. A propaganda do governo justificou os oito mortos de El Alto pela necessidade de abastecer a capital desse precioso bem das cozinhas e de gasolina para os automóveis.

Mas nem o gás, nem a gasolina são suficientes. As bases do MAS nesta capital têm a convicção de que a gasolina está resguardada no Colégio Militar porque prioridades são prioridades, no caso de não funcionar o diálogo e seja necessário abastecer os veículos de transporte de tropas para atender, Bíblia em mãos naturalmente, os 71 bloqueios de estradas que segundo fonte oficial existem no país.

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E não se pense que as senhoras que choram pelos gases no Mercado Lanza ignoram estas coisas.

Tratando de resumir, abaixo se inscrevem as frases anotadas enquanto os locatários do mercado se decidiam a abrir os cadeados.

Em três círculos de lágrimas se escutava o seguinte: 

“Foi uma emboscada. Nos estavam esperando”.

“Por que nos tratam como cachorros?”

“E onde ficaram os mortos?”

“Estavam lançando gases de cima dos edifícios, até de cima do templo. Porque a igreja se presta a isso? “

Outro dos grupos de senhoras refugiadas no mercado compartilhava lenços, cigarros, bicarbonato, lágrimas e palavras:

“Malditos, e até fizeram montagens. Essa não é a voz do Evo!” (em referência à apresentação de um áudio que, segundo os golpistas, lhes permitirá acusar Morales de “terrorismo”).

“De que democracia falam. É ditadura”.

“A birlocha é tirana. Isto é tirania”.

(Birlocha, foi necessária uma ida ao dicionário com chapéu coco que explica a este repórter que é uma chola que se veste como sifrina, que com sua roupa e maquiagem nega sua origem).

“Máscaras, cigarros, comprem, comprem”

“Esta é uma das polícias mais corruptas da América Latina”, diz um líder do MAS. Qualquer um pergunta, claro, por que 14 anos de governo de Evo Morales não foram suficientes para sanear esse corpo de segurança do estado. 

Isto vai pelo seguinte detalhe. Os policiais que se plantam no lugar aonde vão metendo os detidos ocultam, ilegalmente, seus nomes bordados nas fardas. Não estão seguros que este governo é o bom e duradouro? 

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 Alguns cidadãos bolivianos chamam a atenção deles e isso acaba, naturalmente, não no diálogo que oferece a senhora Añez, mas em outra “gasificação” que, além disso, abre oportunidades. 

Atrás dos policiais que vão aos pares em motocicletas, e que literalmente caçam os manifestantes e a qualquer que cruze seu caminho, vão vendedores ambulantes com uma cantilena que faz recordar o clássico “tem ferro velho pra vender”, oferecendo os remédios contra os gases em pequenas caixinhas penduradas no pescoço: “Bicarbonato, máscaras, cigarros…”  

Fecha pelos dois lados

O governo de fato fecha pelo dois lados. Chama ao diálogo ao mesmo tempo que, sem que o diga a ex-senadora, exclui tudo o que cheira a Evo Morales e seu entorno. — “os que foram embora”, dizem, e nessa expressão coincidem os meios, funcionários do governo de facto e – atenção! – alguns deputados do MAS. 

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Enquanto “gaseificavam” os que marchavam, os canais de televisão transmitiam até o paroxismo as aborrecidas notas dos expedientes penais abertos contra Morales, o protesto do “governo” boliviano contra as declarações do aimará desde o México, masturbação midiática, fogos de artifício para o que importava fixar e que assim resumia um “analista” no rádio: “Evo é história” e os adeptos do MAS devem “salvar” seu partido. Sempre e quando, claro, não lhes ocorra tornar a ganhar uma eleição presidencial. 

*Arturo Cano, Enviado de La Jornada a La Paz

**La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

***Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Arturo Cano

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