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ToggleA crise sanitária de Covid-19 é, “sem dúvida, a maior calamidade da nossa história” e “em meio a toda essa tempestade, é estarrecedor que o projeto apresentado pelo governo, em articulação com importante parcela do empresariado nacional, seja a venda de vacinas para empresas privadas: o camarote da vacina, o fura fila da vacina, que cria mais um grave complicador ao desorganizar a coordenação nacional do Programa Nacional de Imunizações – PNI do processo de vacinação no país”, diz a médica sanitarista Lúcia Souto.
Esta é sua avaliação sobre o Projeto de Lei – PL 948/21, que altera as regras de aquisição e doação de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado, cujo texto-base foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda apreciação do Senado Federal.
Sobre o tema
Por que a vacina contra Covid-19 não está sendo fornecida a todas as pessoas no mundo?
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Lúcia credita a crise dos hospitais e o aumento do número de mortos nos últimos meses à falta de gestão por parte do governo Bolsonaro e ao “resultado criminoso de uma política premeditada, um projeto que conduziu o país ao colapso”, fazendo alusão à aprovação da Emenda Constitucional – EC 95, que instituiu a política do teto de gastos no país.
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Segundo ela, a EC 95 é responsável pelo subfinanciamento do Sistema Único de Saúde – SUS e, consequentemente, pela falta de recursos para enfrentar a crise pandêmica.
“Essa destruição pode ser mensurada pelo impacto da EC 95 no financiamento de políticas públicas estratégicas para os direitos universais de cidadania, como a saúde, mudando o crônico subfinanciamento da saúde para o patamar de desfinanciamento, que apresenta no orçamento de 2021 valores equivalentes ao ano de 2017. Atualizados pela inflação do período 2021, é uma redução em torno de R$ 60 bilhões em relação ao orçamento emergencial de 2020 para o enfrentamento da calamidade pública”, comparou.
Nesse contexto, acrescenta, “o país se viu diante de uma insuficiência dos recursos materiais para o enfrentamento da crise, como equipamentos de proteção individual, respiradores e material para dar a devida atenção aos pacientes em cuidados intensivos”.
Lúcia também critica a falta de uma coordenação nacional para o enfrentamento da pandemia.
“Digno de nota é que pela primeira vez na exemplar experiência brasileira no enfrentamento de epidemias e pandemias, não houve nenhuma campanha informativa do Ministério da Saúde; ao contrário, se difundiu uma comunicação tóxica que semeou mentiras, confusão, divisão, ódio no seio da população brasileira”.
Lúcia Souto é doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz – ENSP/Fiocruz e milita em prol da sociedade desde a década de 1970, quando era estudante de medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é pesquisadora associada do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da ENSP/Fiocruz.
Foto: Itamar Crispin | Fiocruz
"O país se viu diante de uma insuficiência dos recursos materiais para o enfrentamento da crise", afirma a médica
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que medida a situação que vivemos atualmente na pandemia também é fruto do desmonte nas áreas de ciência e tecnologia e mesmo na área de saúde? E como podemos mensurar esses desmontes?
Lúcia Souto – Hoje vivemos sem dúvida a maior calamidade de nossa história, uma catástrofe sanitária de dimensões épicas com uma escalada de mortes, mais de 365 mil, a esmagadora maioria mortes evitáveis. Chegamos a ultrapassar as quatro mil mortes diárias, um extermínio em escala industrial, uma ameaça à vida em nosso país e ao mundo.
Esse é o resultado criminoso de uma política premeditada, um projeto que conduziu o país ao colapso, a um abismo que escancara o fracasso do projeto ultra-neoliberal retomado a partir do golpe de 2016 proclamado no manifesto “Uma ponte para o Futuro”.
Se inicia o projeto de destruição de direitos expresso, entre outras contrarreformas (previdência, trabalhista etc.), na adoção pelo governo golpista de Michel Temer da EC 95, única no mundo que congela gastos por mais de 20 anos. Essa agenda de destruição anunciada publicamente, e levada a extremos pelo atual governo no seu objetivo de desconstrução da Constituição Federal de 1988, foi explicitada no programa apresentado em 2018 “O Caminho da Prosperidade”, uma agenda de destruição.
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Essa destruição pode ser mensurada pelo impacto da EC 95 no financiamento de políticas públicas estratégicas para os direitos universais de cidadania, como a saúde, mudando o crônico subfinanciamento da saúde para o patamar de desfinanciamento, que apresenta no orçamento de 2021 valores equivalentes ao ano de 2017.
Atualizados pela inflação do período 2021, é uma redução em torno de R$ 60 bilhões em relação ao orçamento emergencial de 2020, para o enfrentamento da calamidade pública.
O ataque à ciência e tecnologia foi devastador: de um orçamento em torno de R$ 12 bilhões em 2014, há previsão de R$ 5 bilhões, ou seja, uma redução de mais de 57%.
O Sistema Único de Saúde – SUS, que sempre foi referência, é uma das políticas de saúde que vem sofrendo desmontes. Como, apesar dessas ações, a senhora avalia o papel do SUS na pandemia? E quais os desafios para fortalecê-lo?
Apesar da política de ataque e desestruturação do SUS constitucional imposto pela EC 95, pela tentativa de privatização da atenção básica pelo decreto 10.530 na gestão [Luiz Henrique] Mandetta, o Sistema Único de Saúde representou um esteio no enfrentamento da pandemia, realidade que pode ser medida pelo aumento expressivo da confiança da população no SUS. Pesquisa Exame/Ideia publicada em 9 de abril mostra que para 61% dos entrevistados, o SUS tem mais competência para lidar com os problemas da pandemia do que a rede privada.
Importante destacar que esse sentimento de confiança no SUS ampliou-se em um contexto marcado pela sabotagem diária do governo federal às medidas fundamentais para o enfrentamento de uma crise sanitária, econômica, social e política sem precedentes.
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O governo apostou em uma estratégia criminosa de abandono da população brasileira, a começar pelo enfraquecimento e desmoralização do Ministério da Saúde e sua ocupação militar. Estimulou aglomerações, buscou o contágio da população para atingir a inatingível imunidade coletiva.
Falta de coordenação nacional
Não houve coordenação nacional para a busca ativa de casos para tratamento e acompanhamento, nem preocupação com o bloqueio da transmissão.
O país se viu diante de uma insuficiência dos recursos materiais para o enfrentamento da crise, como equipamentos de proteção individual, respiradores e material para dar a devida atenção aos pacientes em cuidados intensivos.
Testes armazenados perderam a validade, as redes de notícias falsas, insufladas pelo governo e seus aliados, realizaram uma articulada pregação negacionista tanto contra vacinas como também contra todas as medidas efetivas de prevenção e contenção da pandemia.
Promoveram ainda a adoção de kit terapêutico sem eficácia e com efeitos adversos, o qual foi produzido e distribuído em larga escala pelo país.
Retenção de recursos
“Houve ainda uma retenção de recursos financeiros e do repasse devido a estados e municípios e a não implementação de robustas políticas de proteção social que viabilizassem as medidas sanitárias necessárias. Digno de nota é que pela primeira vez na exemplar experiência brasileira no enfrentamento de epidemias e pandemias, não houve nenhuma campanha informativa do Ministério da Saúde; ao contrário, se difundiu uma comunicação tóxica que semeou mentiras, confusão, divisão, ódio no seio da população brasileira.
Apesar de toda essa turbulência, o SUS salvou incontáveis vidas, demonstrou sua relevância para o enfrentamento da pandemia, evidenciando o quanto o Brasil precisa do sistema de saúde. A saúde e o SUS constituem um eixo estratégico para afirmação de um projeto de desenvolvimento que enfrente nossa desigualdade explosiva, que consolide a saúde e bem-estar da população como direito e bem público, e assegure segurança e soberania sanitária ao país.
O fortalecimento do SUS passa pela sua efetiva valorização, com atos práticos de enfrentamento de seu desfinanciamento, como a revogação da EC 95, do teto dos gastos. É necessário investir na Atenção Primária, com ênfase na estratégia da Saúde da Família, na Vigilância em Saúde e no fortalecimento das Redes de Atenção.
É fundamental investir em ciência e tecnologia e inovação em saúde para o pleno desenvolvimento de nosso potencial de pesquisa e produção.
O Brasil viveu um dos piores momentos da pandemia em março, e abril também deve ser um mês muito complicado. A que a senhora atribui essa chamada terceira onda da pandemia? Qual o peso das novas variantes do vírus?
“A terceira onda da pandemia é expressão do total descontrole da pandemia no Brasil. Uma tempestade perfeita, resultado da convergência de pelo menos três fatores: a ausência de medidas coordenadas de distanciamento físico, a baixa vacinação e o espalhamento de novas variantes. Na verdade, as novas variantes são consequência e não causa central do espalhamento do Sars-COV-2″.
“A escalada da pandemia no Brasil é comparável à dos EUA, onde já foram observadas três ondas, mas, com a mudança de governo, o número de casos caiu substancialmente: quase 80% em relação a janeiro. Isso é resultado de uma mudança radical na política de enfrentamento da pandemia.
A ausência de coordenação nacional, a comunicação tóxica do governo genocida, a ausência de políticas robustas de proteção social, o negacionismo contra vacinas, são algumas das explicações para o extermínio que vivemos”.
Como a senhora avalia a campanha de vacinação contra a Covid-19 até agora? Como se pode agilizar esse processo, apesar da dificuldade de se conseguir mais doses de imunizantes?
“A campanha segue num ritmo muito lento, tendo atingido, em 13 de abril, 24,4 milhões de vacinados que receberam ao menos uma dose de imunizante ou 11,54% da população.
A larga e exitosa experiência do Programa Nacional de Imunização do SUS permitiria que o Brasil realizasse uma campanha de imunização exemplar, vacinando de 1,5 a 2 milhões de doses/dia. Hoje o grande problema é a falta de vacinas.
As vacinas atualmente disponíveis, AstraZeneca e CoronaVac, são fruto do trabalho competente das duas instituições públicas centenárias, Fiocruz e Instituto Butantan.
Os acordos para importação de doses prontas e dos ingredientes farmacêuticos ativos sofrem atrasos que podem ser atribuídos à animosidade brasileira contra a China, impactando no cronograma da entrega de vacinas ao Programa Nacional de Imunizações – PNI.
O ministro Marcelo Queiroga divulgou que para o mês de abril serão entregues 30,5 milhões de doses de imunizantes produzidos pela Fiocruz e pelo Butantan. Há expectativa de regularização do cronograma de entrega de vacinas ao PNI, da redução da dependência externa com a internalização da produção dos insumos correspondentes.
Dados do Our World In Data mostram que no cálculo de doses por 100 mil habitantes, o Brasil ocupa a 53ª posição no ranking mundial. No ritmo atual os grupos prioritários, cerca de 77,2 milhões de pessoas, podem estar imunizados no terceiro trimestre deste ano.
Nosso objetivo deve ser a ampliação da oferta de vacinas para conseguirmos ampla cobertura da população no prazo mais curto possível. Com a pandemia em descontrole e a baixa vacinação, é indispensável a adoção de medidas preventivas para controle da transmissão do vírus”.
Negligência
“O Brasil colhe os resultados da omissão e negligência do governo para a aquisição de vacinas quando estavam disponíveis. O governo brasileiro recusou a compra antecipada de vacinas, como a oferta de 70 milhões de doses da Pfizer em 2020, e solicitou o mínimo à sua disposição através do consórcio Covax Facility da Organização Mundial da Saúde – OMS (10% de sua população quando poderia solicitar até 50%)”.
“O cenário é de incerteza. A falta de um cronograma confiável dificulta um planejamento, pois não se sabe ainda com o que se pode contar” – Lúcia Souto
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“O cenário, portanto, é de incerteza. A falta de um cronograma confiável dificulta um planejamento, pois não se sabe ainda com o que se pode contar. A agilização desse processo depende de uma mudança radical da postura do Brasil, constituindo-se como protagonista na luta liderada pela OMS pela vacina como bem comum e pela equidade na sua distribuição. Como o Brasil representa um risco à saúde global, a OMS tem oferecido apoio ao Brasil nesse momento crítico.
Veja a recente proposta feita pelo ex-presidente Lula a vários líderes mundiais (Biden, Macron, Angela Merkel) pela convocação do G20 com uma única agenda: vacinas, vacinas, vacinas. Ou seja, a união dos países pela vacina como um bem público da humanidade, de acesso universal e equitativo a vacinas em defesa da vida e da saúde global.
Em meio a toda essa tempestade, é estarrecedor que o projeto apresentado pelo governo, em articulação com importante parcela do empresariado nacional, seja a venda de vacinas para empresas privadas: o camarote da vacina, o fura fila da vacina, que cria mais um grave complicador ao desorganizar a coordenação nacional do PNI/SUS do processo de vacinação no país”.
Qual sua análise sobre esses primeiros movimentos de Marcelo Queiroga à frente do Ministério da Saúde? Temos uma mudança na condução das ações contra a pandemia?
“O ministro Marcelo Queiroga assume o Ministério da Saúde em meio à catástrofe sanitária e ao colapso do sistema de saúde produzido pelo governo que o nomeou. Nesse momento extremo, o ministro, em uma das primeiras entrevistas, em obediência ao chefe, descarta a medida emergencial de que a essa altura dispomos para controlar a pandemia: o isolamento social nacional rigoroso, acompanhado de medidas robustas de proteção social, associado à ampliação da disponibilidade de vacinas.
Apesar da mudança no discurso negacionista, a prática do presidente, de estímulo a aglomerações e de não uso de máscaras, é o exemplo persistente do trabalho a favor do vírus e do caos sanitário e social. A guinada para evitar a colisão do Titanic com o iceberg ainda não foi feita”.
Outra face da pandemia é o estresse de profissionais da saúde. Muitos, especialmente os com menor remuneração, estão adoecendo e cogitando até trocar de área. Qual o custo e o peso disso para o país no longo prazo?
“Pesquisa da Fiocruz sobre Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, coordenada por Maria Helena Machado, mostra como foi modificada a vida dos profissionais de saúde da linha de frente. Cerca de 50% deles relataram excesso de trabalho, com jornadas acima de 40 horas semanais, 45% têm mais de um emprego e 14% estão no limite da exaustão. São inúmeros relatos de medo de adoecimento, morte, precariedade das relações de trabalho, necessidade de arcar com aquisição de equipamentos de proteção individual, transporte, alimentação. O Brasil tem um terço das mortes de profissionais de saúde do mundo.
A crise sanitária da Covid-19 mostra, de um lado, a sobrecarga e colapso dos sistemas de saúde pública em muitos países e a escassez global da força de trabalho em saúde e, de outro lado, a necessidade inadiável de investimentos sustentáveis em sistemas universais de saúde, com relações de trabalho que assegurem direitos trabalhistas, condições dignas e atualização e formação da força de trabalho em saúde. O impacto da realidade de esgotamento e sobrecarga sobre os profissionais de saúde já tem repercussões, como a busca de outras profissões, abandono da área de saúde por áreas que possam protegê-los do estresse e sofrimento vividos.
Estamos frente a um problema crítico que expõe o esgotamento, fragilidades dos processos de trabalho e condições limites para os profissionais de saúde que exigem reflexão e construção participativa de políticas frente ao agravamento de várias dimensões, como o déficit de profissionais de saúde, e o desenvolvimento de políticas de gestão do trabalho e bem-estar/cuidados que assegurem aos cuidadores formação e condições de trabalho dignas para salvar vidas”.
De outro lado, como a experiência da pandemia reconfigura a centralidade das atividades profissionais ligadas à saúde e ao cuidado em nossa sociedade?
“A pandemia escancarou o fracasso do projeto ultraneoliberal da universalização do mal-estar, da barbárie, da morte e da destruição. Em momentos tão desafiadores é fundamental revisitar nossas experiências exemplares, uma delas, sem dúvida, a construção participativa do direito universal à saúde, proclamado na Constituição Federal de 1988, que nos deixou o legado de um projeto de sociedade centrado na solidariedade e no cuidado.
A atualização e fortalecimento desse legado é hoje condição básica para a defesa da vida. O aumento da confiança da população no SUS expressa o sentimento da sociedade por um outro modo de estar no mundo, que contraponha os danos catastróficos do projeto da morte e do extermínio.
Na encruzilhada presente que nos encontramos, é nosso o desafio de construirmos o contraponto à brutalidade da violência epidêmica cultivada pelos menos de 1% de bilionários extrativistas. Em tempos de embates, de mudança de época, é importante resgatar nossas experiências vividas e afirmarmos outro modo de estar no mundo, com políticas de bem-estar, de bem viver, que incorporem a dimensão ambiental, cultural, os direitos universais, a segurança alimentar, entre outras, como premissas de políticas públicas de bem comum, de cuidado, construindo aqui e agora o presente e o futuro de novas relações, realizando o processo vivo de transição para um projeto de saúde como direito universal”.
Quais os impactos dessa crise no médio e longo prazos?
“O contexto do projeto ultraneoliberal que preside o país agravou de forma catastrófica a pandemia, produzindo impactos devastadores sobre a vida de nossa população.
O Brasil já vinha de um processo agudo de deterioração das condições de vida da população antes da pandemia, com um desemprego de 14%, mais de 40% de trabalhadores precários. Esse processo se agravou com a pandemia e o Brasil retornou ao Mapa da Fome, que deixara em 2014: mais de 116,8 milhões de brasileiros vivem sem permanente acesso a alimentos.
Os impactos podem ser duradouros, como o aumento da pobreza e da pobreza extrema, aumento do trabalho infantil, aumento do desemprego e informalidade na juventude, o aumento do trabalho em casa (um a cada seis postos de trabalho, estima a Organização Internacional do Trabalho – OIT) e o aumento da desigualdade explosiva, marca indelével da matriz escravocrata de nosso país. Esses impactos marcarão a vida de milhões de pessoas depois de superada a pandemia”.
Qual a sua análise sobre a imagem do Brasil no cenário internacional, sendo agora um dos principais epicentros da pandemia?
“O descontrole da pandemia transformou o Brasil num risco à saúde global. Com 2,7% da população mundial, temos cerca de 30% das mortes por Covid-19 no mundo. Em todas as coletivas semanais realizadas no mês de março, a OMS alertou o Brasil para levar a pandemia a sério e adotar medidas efetivas de controle para deter a escalada de mortes e casos.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, vem demonstrando crescente preocupação e alerta para a seriedade da situação, cobrando a adoção de medidas agressivas de isolamento rigoroso, enquanto acelera a distribuição de vacinas. O Brasil hoje é um risco a toda a vizinhança e um risco à saúde global.
O Brasil é o pior país do mundo na gestão da pandemia, sendo objeto de piadas (os deputados franceses riram quando o primeiro-ministro comentou no parlamento que o brasileiro era tratado para o coronavírus com cloroquina) e pena do mundo (recentemente o Papa Francisco apresentou ao episcopado brasileiro seus sentimentos aos que sofrem com a Covid-19 no país)”.
Qual a sua leitura acerca da guerra de narrativas sobre as medidas para conter a pandemia, especialmente o distanciamento social? Como esse falso dilema economia X saúde chega às pessoas e se materializa nos indicadores sobre pandemia?
“Esse é um dos pontos cruciais que revela a decisão do governo de não enfrentar a pandemia, impedindo a indispensável coordenação nacional e união do país. A partir dessa decisão, organizou e desenvolveu uma comunicação tóxica de estímulo proposital ao ódio, à divisão e à confusão da população.
Desde o início, o presidente pautou sua narrativa com a régua do negacionismo, menosprezando a pandemia (“uma gripezinha”), fez propaganda de medicamentos ineficazes e com reações adversas, como cloroquina, ivermectina, negou a vacina com comentários jocosos (“vai virar jacaré”), incentivou aglomerações, ridicularizou o uso de máscaras e difundiu a ideia de que “ou a vida ou a economia”.
Usou uma linguagem de apelo emocional ao estilo do que preconizava o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels: “Os argumentos devem ser grosseiros, claros e fortes, e apelar para emoções e instintos, não para o intelecto. A verdade não era importante e estava inteiramente subordinada à tática e à psicologia.”
“A mentira amplamente propagada de opor a vida e a economia expressa o caráter do projeto dos bilionários, que o governo representa, em que não há “espaço fiscal” para implementar políticas robustas de proteção social que viabilizem as medidas preventivas de controle da pandemia, como a demonização do lockdown. Espaço fiscal que, como vimos em 2020, não faltou.
Essa opção de comunicação do governo contrasta com o fato de que pela primeira vez o governo não realizou nenhuma campanha de comunicação visando sensibilizar e informar a população para a emergência sanitária que vivemos. É mais um crime de responsabilidade cometido pelo governo genocida, pois o Estado brasileiro tem obrigação constitucional de coordenar e propor ações para o enfrentamento de emergências como a que vivemos”.
Que lição a pandemia tem nos legado? E pelo que a senhora tem visto, acha que estamos aprendendo essa lição?
“Compreendendo a pandemia como um complexo de fenômenos e processos. Um dos legados é a ampliação da consciência sanitária e a compreensão prática do que conceituamos como a determinação social do processo saúde/doença, a percepção mais difusa da incompatibilidade do projeto ultraneoliberal com a vida, a saúde e a democracia.
A experiência de tanta dor, sofrimento e mortes evitáveis já está provocando mudanças profundas em nossa sociedade. São incontáveis os processos de constituição e potencialização de espaços de novas relações e práticas coletivas do bem viver, semeando e configurando um potencial transformador para uma guinada em direção a um projeto de sociedade radicalmente democrática/participativa, onde a vida, a democracia e a saúde sejam valores”.
Deseja acrescentar algo?
“Como na música de Victor Jara, compositor chileno barbaramente torturado e assassinado pela ditadura de Pinochet: pelo Direito de Viver em Paz. Um basta ao Genocídio do povo brasileiro! Em defesa da Vida, da Saúde e da Democracia!”
João Vitor Santos, para a Revista IHU On Line
Edição: Patricia Fachin
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