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Aviso prévio: Caos no Amapá revela o que esperar de privatização da Eletrobras

Falta de investimento e incapacidade de fiscalização brasileira devem deteriorar entrega de energia elétrica; blecautes podem ocorrer com frequência
Guilherme Ribeiro
Diálogos do Sul
Bauru (SP)

Tradução:

Na última terça (29), o senador Jean Paul Prates (PT) propôs a fusão entre a Eletrobras e a Petrobras em uma única empresa de energia. A ideia é criar um “modelo integrado que seja uma espinha dorsal da atividade energética no país”, alterando a configuração das companhias “para que sirvam aos interesses do Brasil”, declarou Prates.

No discurso, o senador e ambientalista defendeu ainda que a união entre Eletrobras e Petrobras caminhe na direção da transição enérgica, potencializando tecnologias de energia sustentáveis através da exploração do petróleo e em parceria com a iniciativa privada.

A proposta chega num momento em que ambas as estatais são discutidas sobre seus papeis nas questões energética e da soberania nacionais. Enquanto a Petrobras mantém a aplicação da política de paridade de preço de importação (PPI), adotada por Michel Temer e principal responsável pela alta no preço dos combustíveis, Bolsonaro troca a presidência da empresa à mando do centrão.

Leia também: Conheça a verdade sobre o PPI, política de preços adotada pela Petrobras, em 5 pontos

Já a Eletrobras sofre uma corrida contra o tempo para ser privatizada. A estatal — que em 11 de junho completa 60 anos — é a maior geradora de energia elétrica da América Latina e responsável pela luz em três de cada dez residências no Brasil. Mais de 70% da eletricidade consumida no país vem de usinas hidrelétricas e a Eletrobras conta ao todo com 49 delas — além de 10 termelétricas, 43 centrais eólicas e duas termonucleares.

Segundo Fabíola Antezana, representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, a estatal detém ainda 50% dos reservatórios de água do país, o que significa que metade da fonte de geração hidrelétrica nacional seria privatizada junto com a companhia: “a Eletrobras privada poderá ditar as regras da comercialização de energia, um sério risco à concorrência de mercado”, explica Fabíola.

Conhecer detalhes do potencial da Eletrobras torna fácil entender porque é tão visada pelo lobby da privatização. Por outro lado, é possível prever os reflexos que o país deve esperar pela subversão de uma empresa profundamente estratégica sob uma lógica que prioriza o lucro. Duas regiões nos ajudam nessa tarefa: o estado do Amapá e a Região Metropolitana de Buenos Aires, na Argentina.

Nesta matéria, relembramos o caso do apagão do Amapá em 2020. Confira também Blecaute na Argentina: um exemplo do porquê vender Eletrobras é um grande erro sobre as consequências da privatização do setor elétrica no país vizinho e o que modelo nos antecipa sobre a questão no Brasil.

Amapá, o (mau) exemplo brasileiro

Há, no Brasil, claro exemplo das consequências de priorizar o lucro em detrimento da qualidade do serviço oferecido e do bem-estar da população atendida por organizações de capital privado. Em novembro de 2020, 13 dos 16 municípios do Amapá ficaram sem energia elétrica por três semanas, com consequente falta de água e combustíveis.

A empresa responsável pelo abastecimento da região até então era a Gemini Energy, que no final de 2019 comprou a concessão da espanhola Isolux, que havia entrado em recuperação judicial. A decisão tomada pela nova gestão, no início de 2020, foi “estabilizar e reforçar a operação dos ativos”. Meses depois, um incêndio atingiria dois dos três transformadores da subestação, localizada em Macapá. O terceiro transformador, que poderia servir de reserva, estava danificado havia mais de um ano.

Leia também: Especialistas apontam quatro mentiras do governo Bolsonaro sobre projeto de privatização da Eletrobras

“Apagões como o que ocorreram no Amapá evidenciam que a eletricidade é um bem essencial e deve ser tratado como tal, e não como simples mercadoria”, observa Fabíola Antezana. Engenheira Florestal pela Universidade de Brasília (UnB), ela assinala que há casos recentes de privatizações no Norte, no Nordeste e no Centro Oeste em que já se vê piora no serviço de distribuição de energia prestado: “Tudo dentro de um ambiente regulado pelo Deus mercado”, destaca.

Manter, operar e renovar empreendimentos construídos ao longo de vários anos demanda investimentos, uma diretriz encontrada em empresas estatais como a Eletrobras. Em contrapartida, Fabíola explica que as corporações privadas não tendem a injetar recursos de médio e longo prazo, pois o retorno não é imediato.

A precarização, em busca da maximização dos rendimentos subsequente às privatizações, geralmente se reflete ainda em demissões em massa e contratação de mão-de-obra mais barata e menos qualificada, o que Fabíola descreve como perda de capital intelectual. 

Leia também: Greve dos eletricitários ganha força após degradação nas regras do plano de saúde

Para resolver o apagão no Amapá, por exemplo, não havia corpo técnico apto e foram mobilizados funcionários da Eletronorte , subsidiária da Eletrobras, para ajudar a restabelecer a eletricidade. “A iniciativa privada explora e o estado corrige, pelo menos tem sido desta forma em setores estruturantes”, salienta Fabíola. O Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), o maior do gênero na América do Sul, pertence à Eletrobras e pode ser extinto caso a privatização se concretize.

Falta de investimento e incapacidade de fiscalização brasileira devem deteriorar entrega de energia elétrica; blecautes podem ocorrer com frequência

Pixabay
Corporações privadas não tendem a injetar recursos de médio e longo prazo, pois o retorno não é imediato

A falta de investimentos se soma a uma incapacidade brasileira de fiscalização, o que pode deteriorar a qualidade do serviço nas áreas atendidas pela Eletrobras, com ocorrência e recorrência de transtornos. “É possível que tenhamos dificuldade de abastecimento e até mesmo queda de energia em diversas regiões”, explica. Depois da pane em novembro de 2020, o estado do Amapá sofreu com outros inúmeros cortes.

Trâmites e obstáculos pela frente

O atual presidente da Eletrobras, Rodrigo Limp, afirmou à Agência Brasil que há fases internas a serem cumpridas antes da conclusão da venda, relacionadas a preparação e publicação da oferta, e reuniões com potenciais investidores.

Outro ponto crucial é o segundo e último aval que o Tribunal de Contas da União (TCU) deve emitir sobre os cálculos da operação. A primeira fase, no mês passado, foi aprovada pela Corte, apesar dos questionamentos de um de seus membros, Vital do Rêgo

Enquanto o governo computou que a Eletrobras vale R$ 67 bilhões, um levantamento mais preciso divulgado pelo ministro estima R$ 130 bi. O montante determina quanto a União deve receber com a venda de participação aos novos acionistas. Para a segunda rodada, há novas suspeitas em análise pelo TCU.

Leia também: Privatização da Eletrobras só se justifica por provável pagamento de propina. Com empresa, Brasil entrega água de seus rios

A desestatização da Eletrobras e consequente perda da soberania energética brasileira ainda encontra forte resistência e ações têm sido promovidas no sentido de questionar os cálculos que subvalorizam seu valor e tentar frear a operação antes do prazo final, em 13 de maio.

Gleisi Hoffmann, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), disse que o partido vai acionar a justiça para contestar a privatização. Já o ex-presidente e candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva, indicou que “empresários sérios” não embarquem nesse “arranjo esquisito” meses antes da votação — um sinal de que, se eleito, pode reverter a venda da estatal.

Guilherme Ribeiro é colaborador da Revista Diálogos do Sul

*Com informações de Agência Brasil, Brasil de Fato, UOL e Exame

Leia também: Blecaute na Argentina: um exemplo do porquê vender Eletrobras é um grande erro


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Guilherme Ribeiro Jornalista graduado pela Unesp, estudante de Banco de Dados pela Fatec e colaborador na Revista Diálogos do Sul.

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