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Basta de índio na presidência: o racismo da burguesia branca que tirou Evo da Bolívia

A verdade é que esses grupos respondiam ao plano da oligarquia para criar com eles uma frente de ataque ao governo progressista
Jorge Rendón
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Além do que fez ou do que não fez o governo de Evo Morales a causa do desconhecimento de sua autoridade como presidente e, afinal, seu afastamento deste cargo, têm como causa fundamental o racismo. 

Os rostos dos manifestantes nas ruas de algumas cidade da Bolívia e aqui em Lima contra Evo Morales eram e são brancos ou quase, e suas exclamações mais frequentes: basta de índios na presidência, à m… com esse índio. 

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A agitação que uma parte da burguesia e da pequena burguesia branca organizaram na Bolívia para recuperar o controle desse país baseou-se em sua fobia “vice-reinal” e hispânica contra os índios para terminar com a presença de um deles na presidência da República.

Explica-se, então, porque uma parte da campanha contra Evo Morales na Bolívia tenha se dirigido a tratar de convencer a certos intelectuais da pequena burguesia de que aquele não lutava pelos ideais dos índios e, em particular da comunidade aimará, uma tática própria do golpismo branco para erodir o piso a Evo e ao seu partido entre os aimarás e quéchuas. Algo similar sucedeu no Peru com certos movimentos estudantis pretensamente esquerdistas que se enfrentaram ao governo de Velasco pretextando que não era tão esquerdista como eles. A verdade foi que esses grupos respondiam ao plano da oligarquia para criar com eles uma frente de ataque a esse governo progressista e deixar sem efeito a reforma agrária, os novos direitos sociais e a intervenção do Estado na economia.

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Até antes da conquista hispânica, a população dos territórios que depois conformaram a América Latina era totalmente índia. Os conquistadores e a administração real da Espanha e de Portugal a estigmatizaram como uma casta inferior, lhe negaram toda a possibilidade de educação e a exploraram até o aniquilamento. Correlativamente, sua exclusão da política foi absoluta. E este modelo de discriminação foi herdado e continuado pelas minorias feudais brancas que dominaram a república depois da independência. 

Foi, portanto, algo excepcional, que a comunidade índia só tenha tido dois expoentes que chegaram à presidência da República: Benito Juárez no México e Evo Morales na Bolívia, dois homens que honram seus povos e a irmandade maior da América Latina. 

O que foi que Benito Juárez fez de bom para que os mexicanos o queiram tanto? Quem não saiba que se dê ao trabalho de revisar as páginas da história desse país.

A verdade é que esses grupos respondiam ao plano da oligarquia para criar com eles uma frente de ataque ao governo progressista

Twitter / Reproducão
"Macho" Camacho

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E o que fez de bom Evo Morales?

Nada menos que dar os primeiros passos para tirar a Bolívia do subdesenvolvimento econômico com um 4% de crescimento anual do PIB e tratar de levá-la à modernidade, defender os recursos naturais como um bem apreciado da nação, elevar a qualidade de vida da população, reduzir o nível de pobreza extrema de 60% para 35%. Não afetou o capitalismo, mas o regulamentou com uma moderada intervenção do Estado. Seu governo não perseguiu politicamente ninguém e chegou ao poder por eleições. Nem ele, nem seus colaboradores incorreram em fatos de corrupção. Sua intenção de permanecer no poder não apelou ao golpismo, mas à decisão dos eleitores. A missão da OEA na Bolívia não pode dizer quantos foram as planilhas pretensamente fraudulentas que disse conhecer nem qual foi a porcentagem dos votos nulos.

Sim, claro, diriam seus raivosos opositores que viveram bem durante seu governo, que nada lhes faltou. Sua única objeção: é um índio e basta.

E a esse índio, possivelmente, seus raivosos opositores não teriam se contentado em tirá-lo do palácio Queimado (o palácio de governo na praça Murillo). Por sua agressividade e cólera é possível supor que não teriam parado até pendurá-lo em um poste nesta praça, como fez a população, agitada pela oligarquia ou pela rosca, quando em julho de 1946 irrompeu no palácio de governo desguarnecido, arrastaram o presidente Gualberto Villaroel, um militar progressista, e três de seus colaboradores imediatos, os esfaquearam e depois os penduraram nos postes dessa praça.

Compreende-se então por que Evo teve que sair de La Paz e asilar-se no México. O governo do Peru não explicou seu rechaço a permitir que o avião mexicano circulasse pelo território nacional para tirá-lo de La Paz, cumplicidade de taimado racismo, evidentemente, que o silêncio diplomático amplificou.

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Carlos Mesa Gisbert, um branco com uma pitada de mestiço, seu contendor nas recentes eleições presidenciais e um dos presuntos promotores deste golpe de Estado, pertence ao Movimento Nacionalista Revolucionário. Foi vice-presidente da República com Gonzalo López de Losada, eleito em 2003, e quando este renunciou depois de haver feito matar uns setenta e cinco manifestantes e ferir uns quatrocentos, assumiu a presidência à qual também teve que renunciar em junho de 2005 por causa do inconformismo popular e da sua inépcia para adotar decisões de importância para o povo boliviano; Foi o Movimento ao Socialismo  que o forçou a deixar o poder, o que denuncia o revanchismo deste política com a alma reencarnada do corregedor Areche com uma pitada da mente do curaca Pumacahua.

E ali longe, na planície de Santa Cruz, outro político branco, burguês e rico, em cujo coraçãozinho titila um obscuro fulgor independentista, pediu também a cabeça de Evo, exaltado por seus pares de sua mesma condição que poderiam comprar e vender índios se tivessem um pouco mais de poder. 

Bolívia tem atualmente uns onze milhões de habitantes, dos quais por volta de 60% é de raça índia; os mestiços, em sua maior parte de caracteres raciais ou culturais índios, chegam a 30%. Os brancos e brancóides são apenas 10%.

Estimulado o sentimento e o orgulho da indianidade pela ação e o exemplo de Evo Morales é possível que o próximo devir da política nesse país retorne a esse rumo. 

*Jorge Rendón Vásquez é colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru.

**Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Jorge Rendón Doutor em Direito pela Universidade Nacional Mayor de San Marcos e doutor em lei pela Université de Paris I (Sorbonne)

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