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Cannabrava | Contradição do 9 de julho: festa do operário ou festa da oligarquia

É fundamental o retorno ao trabalho de base, junto às massas trabalhadoras, junto aos estudantes, levar a história e levar a verdade
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Trabalhadores comemoram o 9 de julho como Dia da Luta Operária, rememorando a greve em São Paulo em que foi morto o sapateiro José Martinez e culminou com uma greve geral. Como em anos anteriores, as centrais sindicais realizaram um ato unitário no Galpão do MST nos Campos Elíseos.

Lei Municipal que instituiu a data comemorativa de autoria do vereador Donato (PT). Na ocasião foram homenageados com o Troféu José Martinez, personalidades que de alguma forma contribuíram para as causas das lutas operárias, como o jornalista Sérgio Gomes, metalúrgico José Ebrahim, bancário Dirceu Travesso, professor Oswaldo Barros e a militante Ana Dias, viúva do metalúrgico Santo Dias, assassinado pela ditadura em 1979.

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O evento reuniu nove centrais sindicais e o Centro de Memória Sindical do Instituto Astrogildo Pereira e do IIEP – Intercâmbio Informações Estudos Pesquisa.

Em contraste, o 9 de julho é feriado no estado de São Paulo para rememorar a revolta dos paulistas contra a Revolução de 1930. Eles chamam de Revolução Constitucionalista de 1932 e é a narrativa dominante na mídia e nos livros escolares.

Outubro de 1930 foi uma revolução porque desalojou as oligarquias paulista e mineira que monopolizavam o poder e plantou as bases para mudança de uma sociedade agrária de exportação de produtos primários para uma sociedade industrial

O país não tinha universidades. O mais significativo dessa revolução se deu na educação, ao semear o país de escolas normais para formar professores, escolas técnicas e universidades, além de implantar o ensino primário obrigatório e universal.

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Toda cidade tinha uma Escola Normal para formar professores, e Escola Técnica para formar a mão de obra demandada pelo processo de industrialização, paralelo ao Grupo Escolar para o primário e colégios para o ginasial, concluído o qual escolhia-se cursar o clássico ou o científico, três anos para se preparar para ingressar nas universidades.

Os ricos continuavam a mandar seus filhos a escolas particulares, a maioria de instituições ligadas à Igreja de Roma, e se formar no exterior, Portugal, França e Estados Unidos.

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A chamada “Revolução de 1932” conseguiu empolgar amplos setores da sociedade paulista e paulistana, e chegou a dividir famílias, com filhos a apoiar o governo de Vargas e outros a combater as tropas legalistas nos fronte de batalha. De fato, o que se confrontava era o atraso da República Velha, que nunca construiu uma escola, ou o ingresso à modernidade, com educação e industrialização.

1932, uma reação da oligarquia desalojada do poder gerou uma ideologia a contaminar as universidades e os meios de comunicação, que sintetizada na frase de Fernando Henrique Cardoso, protótipo de uspiano, há que acabar com a Era Vargas. Acabar com Vargas, o vitorioso de 1930, e acabar com o trabalhismo, a ideologia desenvolvimentista de Vargas.

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São Paulo é a única cidade brasileira que não tem avenida nem praça com o nome de Getúlio Vargas. O mesmo ocorre nas cidades do interior. Fora de São Paulo, a maioria das cidades tem Getúlio Vargas como nome da principal avenida ou praça, em reconhecimento ao estadista.

É fundamental o retorno ao trabalho de base, junto às massas trabalhadoras, junto aos estudantes, levar a história e levar a verdade

Wikimedia
É fundamental o retorno ao trabalho de base, junto às massas trabalhadoras, junto aos estudantes

Esse ranço expressado na frase de Fernando Henrique Cardoso evoluiu a partir deste novo século para a expressão “há que acabar com Lula e o petismo“, ou seja, há que manter o país como mero exportador de produtos primários, as commodities, manter as cartilhas de gestão econômica do neoliberalismo.

É certo que Lula, como líder operário, nasceu nesse contexto de antivarguismo e antitrabalhismo. Era preciso não só acabar com o trabalhismo varguista, mas também com Marx.

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Igreja de Roma e as empresas transnacionais juntas na construção de um “novo” sindicalismo de resultado, contra o sindicato como instrumento da luta de classe, como historicamente era sob influência do trabalhismo varguista e do comunismo do velho PCB.

Lula evoluiu, é outra coisa, como outras são as circunstâncias. Por ironia da história Lula é hoje a reencarnação do trabalhismo varguista, muito acima do PT, perturbado por disputas menores e abrigando quadros mais preocupados com o poder que com servir à pátria. Modernizar-se é ajustar-se à Lula, seu pensamento e ação.

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Só lhe falta a Lula entender isso e se reconciliar com a história. Recuperar o pensamento e ação de Getúlio Vargas, e daqueles que contribuíram para edificação do trabalhismo como via para o socialismo. Essa história lhe dá a sustentação teórica para o projeto de industrialização e desenvolvimento integrado com inclusão social.

É fundamental o retorno ao trabalho de base, junto às massas trabalhadoras, junto aos estudantes, levar a história e levar a verdade sobre os verdadeiros entraves ao desenvolvimento com inclusão social.

Levar aos evangélicos, por exemplo, não isenção de impostos para suas igrejas, que só favorece o pastor bilionário. Levar a verdade aos fiéis lá nos cafundós onde frequenta a igreja de porta de garagem. A verdade de um Deus magnânimo que não semeia discórdia, mas sim paz e amor. Levar a verdade do estado laico com liberdade religiosa como está na Constituição em vigor.

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Levar a verdade sobre o papel dos militares. A falácia de que o povo está dividido entre os bons e os maus, e a verdade de que somos todos iguais, vítimas da exploração do capital, que somos a maioria, que precisamos nos impor como maioria e revolver a tortilha.

Trabalhar o conceito de soberania: soberania alimentar, soberania jurídica, monetária, econômica. Levar o conceito de pátria independente.

A verdade da luta de classes, do imperialismo como inimigo mortal da humanidade.

A força Google e do Facebook

O Google e a Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), gastaram mais de dois milhões de reais na campanha para arquivar o projeto de lei que regula as redes sociais, com foco na atividade das grandes empresas que atuam como monopólios na Internet, o chamado PL das fake news. 

É grave. Descaradamente noticiam que gastaram os dois milhões e mudaram o voto de 33 deputados. Pendurado na broxa, Lira, o presidente da Câmara, teve que retirar o projeto da pauta, no dia 2 de julho. Não é uma notícia pra ler sem ficar indignado, mas…. passou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

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Quer dizer, duas empresas transnacionais, sem ter sede no Brasil, têm mais força que o presidente da Câmara e derrubam um projeto. Cadê a Justiça? É o caso do Judiciário se mover e mandar a Polícia Federal investigar o que fez esses 33 parlamentares mudarem seu voto e no que foram gastos os dois milhões de reais anunciados. 

Imagino que não foram só dois milhões que gastaram em propaganda, pois os donos dessas empresas figuram entre os mais ricos do mundo e possuem mil maneiras de gastar dinheiro sem prestação de contas. 

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É grave, de um lado por colocar em suspeição o patriotismo dos deputados mutantes, de outro porque as redes sociais não podem ficar sem regras. Como está é a própria casa da mãe Joana, abusos na manipulação das redes para disseminação das políticas de ódio, desvirtuar as eleições e abuso do poder econômico. 

Não pode uma empresa estrangeira ter mais força que o Poder Executivo e o Judiciário, a quem mais interessava a regulamentação das redes. Investigar inclusive a utilização das redes para manipular a opinião pública contra o projeto de regulamentação das redes. Caiu mal. Quem é que vai acionar a Justiça e a Polícia Federal?

Paralelamente, o presidente Lula liberou 5,3 bilhões de reais em Emendas Pix para fazer o Congresso funcionar e aprovar tanto o marco fiscal como a reforma tributária, que para alguns é um monstrengo e para a maioria é o melhor que foi possível na circunstância. A reforma fiscal volta agora para o Senado e ainda poderá sofrer novas alterações. 

Emenda Pix é a emenda parlamentar em que o dinheiro é enviado para o município base eleitoral do deputado para ser gasto sem controle algum.

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Felipe Salto, sócio da Warren, assessoria financeira, foi secretário da Fazenda em São Paulo, argumenta que faltou discutir com a sociedade, ficou só com as elites dirigentes. Reformar o sistema tributário mexe com toda gente, a sociedade não pode permanecer indiferente ao rolo compressor imposto por Lira, aprovar em regime de urgência, por 382 votos, precisava de 308 no primeiro turno.

As tentativas da ultradireita em transformar o pleito em confronto entre dois partidos não deu certo, impôs-se como política de estado. Bolsonaro terminou isolado, falando sozinho, enquanto subia o protagonismo do capitão Tarcísio, governador de São Paulo, cacifando-o para as presidenciais de 2026.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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