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ToggleTerá o Brasil chegado ao fundo do poço? Não porque esse poço país não tem fundo e pode piorar até se tornar inviável. O Haiti é aqui. Obra das elites históricas agravada pelo neoliberalismo e, para afundar ainda mais, regresso ao estado colonial. Submissão cega ao novo amo, colônia dos Estados Unidos.
Inflação fora do controle, essa é a realidade, e estamos voltando a ter a economia indexada. Os mais jovens, perguntem a seus pais e avós o que é viver em uma economia indexada, ser chamado para ser fiscal do Sarney.
O problema maior são as quatro décadas de recessão. Estagnação mais inflação igual a estagflação. As consequências disso estamos vivendo e são dramáticas.
Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid 19, afirma que 122 milhões de brasileiros estão na precariedade e insegurança alimentar. Voltamos ao mapa da fome: um retrocesso inédito, 33 milhões de pessoas com fome grave, o mesmo número de 1990, após ter saído do mapa da fome em 2014. 58,7%, quase 60% da população, seis de cada dez domicílios sem segurança alimentar, sem emprego, sem esperança.
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É uma agressão inominável. A pancada afetou até a Globo News, que dedicou quase uma hora de sua programação para tratar do tema e chamou para debater essa questão gente séria que conhece o assunto, como o diretor do Dieese, nunca antes ouvido pela emissora. Os jornalões também tiveram que noticiar e comentar.
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As sequelas da fome e da alimentação não adequada são terríveis e afetam as gerações futuras. Getúlio Vargas sonhava com o Brasil ser o celeiro do mundo, ou seja, suprir de comida a humanidade. O Brasil já teve quase que completa autossuficiência de alimentos, hoje estamos longe de oferecer segurança alimentar. Isso num país praticamente dominado pelo agronegócio.
Dizem que o agronegócio está sustentando o país. Uma grande falácia.
A safra total de grãos prevista para este ano é de 269,3 milhões de toneladas, proporcionando uma receita em 2021 de US$ 120 bilhões e gerou um superávit de US$ 105,1 bilhões. Isso na balança comercial. Não obstante, nos demais setores o déficit foi de menos US$ 41,8, reduzindo o superávit para US$ 61,2. Isso na balança comercial. Na balança de pagamentos, aquela com todas as transações, registrou um déficit de US$ 27,7 bilhões.
Brasil é hoje o maior produtor de soja
Em 2021, o país bateu recorde na safra de soja, com 139 milhões de toneladas, 86 milhões exportados e 48 milhões de toneladas processadas. Este ano, espera-se uma colheita menor, algo em torno de 122 milhões de toneladas, um recorde. Dos 73 milhões de áreas cultivadas no país, a soja ocupa 38,6 milhões, área maior que a Itália e quatro vezes maior que Portugal. O valor da saca de soja gira em torno de R$ 200 para menos, podendo as vendas chegar a R$ 353,8 bilhões.
O grão se tornou o principal produto de exportação do país. No acumulado do ano, de abril de 2021 a abril de 2022, exportou 24,1 milhões de toneladas de soja em grão, com receita de US$ 12,6 bilhões; farelo de soja 5 milhões de toneladas com receita de US$ 2,3 bilhões; e para o óleo de soja, 500 mil toneladas com receita de US$ 800 Milhões. Total da exportação de soja US$ 15,7 bilhões com o dólar a R$ 5, algo em torno de R$ 78,5 bilhões.
Veja a pouca importância disso. Em 2021, o Brasil bateu também recorde em importação de adubos e fertilizantes ao custo de US$ 15,136 bilhões, 89% a mais que o gasto em 2020, tendo como principais fornecedores Rússia, China e Índia.
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Para manter esse recorde de produção de grãos, o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de defensivos agrícolas, leia-se venenos, como herbicidas à base de glifosato, glufosinato dicamba, 2,4 D e atrazina; e inseticidas a base de cialotrina, bifentrina e lambda. No mês passado, o governo liberou geral a importação desses venenos pelo fato de Rússia, China e Índia não atenderem o aumento da demanda.
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Segundo a CNN Business, o valor de mercado dos defensivos aplicados aumentou 17,4%, passando de US$ 12,48 bilhões para US$ 14,65 bilhões. A soja representou 53% desse valor, US$ 7,779 bilhões.
No ano passado, em suas múltiplas aplicações de veneno agrícola, o agronegócio tratou área correspondente a 1,88 bilhão de hectares, maior que a Rússia, que ocupa o maior território, 1,7 bilhão de hectares. Em 2020, foram incorporados à área com tratamento, 204 milhões de hectares, maior que os territórios da Venezuela e Colômbia juntos.
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Desestatização, desindustrialização e desnacionalização do parque industrial estão na raiz do desemprego crônico que atinge já metade da população ativa. A participação do setor industrial no PIB em 2021 foi de 11,3%, igual à de 1953, quando registrou 11,4%. O pico foi alcançado no início dos anos 1990, de 21,8%.
Um dos mais graves problemas para a retomada do desenvolvimento é a falta de preparo dos jovens com 15 anos. Triste. A juventude sai da escola sem saber nada. O analfabetismo funcional, de 70% da população, alcança gente com diploma universitário.
Não há como dentro desse modelo sair da crise.
Há 106 milhões de brasileiros vivendo com menos de R$ 13,83 por dia
Inflação dos alimentos e dos itens básicos
Segundo o Dieese, o salário mínimo de R$ 1.212, foi reajustado de acordo com a inflação em relação a 2021, ou seja, 10,06%, mas os alimentos, nesse mesmo período, aumentaram 14,8%, em março, comparado com março do ano anterior. Para atender as normas pelas quais se criou o salário mínimo, deveria ser no mínimo de R$ 5 mil, algo em torno de mil dólares. Enquanto a renda média do 1% dos brasileiros mais ricos é de R$ 15,940, a renda média dos demais reduziu-se a R$ 1.353, sendo menor ainda no Norte R$ 871, R$ 843 no Nordeste e R$ 1.656 no Sul. Isso significa que há 106 milhões de brasileiros vivendo com menos de R$ 13,83 por dia.
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A inflação dos alimentos, medida em fevereiro, foi de 13% para o índice geral de 9%, oficial que logo chegou aos 12% registrado em finais de maio. O prato feito (PF), no boteco, aumentou de 23% a 100% o mais caro, com bife. Hoje varia entre R$ 15, R$ 20 até R$ 48 reais. A cesta básica, com o mínimo indispensável de 28 itens, não é encontrada por menos de R$ 250, uma mais completa custa acima de R$ 400.
São números relativos que mascaram o efeito do aumento no cotidiano das famílias. As compras nos supermercados ficaram muito mais caras e mais cara ainda a manutenção de uma residência, posto que água, gás e luz subiram às alturas estratosféricas.
Em um ano, entre abril de 2021 e abril de 2022 o gás de cozinha na refinaria subiu 38,47%. Um absurdo considerando que é extraído a preços mais baixos do mundo. O botijão, que estava em R$ 85 em abril de 21, chegou a R$ 109 em abril e a R$ 150 ou mais em junho. A energia elétrica teve aumento autorizado de 24%.
Gasolina, em 12 meses até abril, subiu 31,22%, o etanol 43,11% e o diesel 53,58%. Nos postos, gasolina e diesel são vendidos a preços recorde entre R$ 7 e R$ 8. O governo anuncia remendos, como a redução do IPI, medidas paliativas que só empurram o problema para 2023.
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Os produtos de higiene e limpeza subiram entre 10% e 30%, na média 13%, os mais altos em relação a 2021: sabão em pó, 13,17%; absorvente, 52,14%, creme dental, 39,33%. A cesta de itens básicos no setor não sai por menos de R$ 150.
O tomate que vale ouro — há mais de 100 espécies de tomate, no Brasil os mais consumidos são oito. Em 2014, matéria em jornal mostrava que o quilo do tomate estava mais caro que o quilo de filé mignon, R$ 34,99 para o vegetal e R$ 24,90 para o filé. Em abril de 2022, estava 94,5% mais caro que no mesmo mês do ano anterior; a cenoura aumentou 160%, vendida ao consumidor em torno de R$ 13 o quilo e o tomate, em Brasília, quase R$ 30 o quilo.
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Crise sistêmica
A imprensa hegemônica, controlada pelo capital financeiro, ouve especialistas para tentar explicar tanto a alta dos preços como a crise econômica. É de chorar. São unânimes em colocar a culpa em três elementos: pandemia de Covid-19, Guerra na Ucrânia e aquecimento global.
A pandemia nos afeta há dois anos; a guerra não tem um ano e o aquecimento estamos convivendo há décadas sem fazer nada para detê-lo. Estamos há quatro décadas em crise. Você não coloca 100 milhões de pessoas na miséria de um dia para outro.
Ninguém vai ao cerne da questão. A crise é estrutural, sistêmica.
Segurança alimentar se adquire com planejamento da produção agrícola. Não é preciso acabar com o agronegócio, ao contrário, há que planejar também e procurar agregar valor ao produto de exportação, não só exportar produtos primários, sem valor agregado. Há também que tributar o setor e cobrar as dívidas não pagas.
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Extrativismo é colonialismo.
Nacionalizar o agronegócio também poderá dar resultado. Até os anos 1990, ainda haviam grandes trades nacionais comercializando as commodities. Hoje só há empresas transnacionais. As decisões são tomadas fora do país. É preciso retomar o controle sobre os centros de decisão. É uma questão de soberania.
Paulo Cannabrava Filho é editor da Revista Diálogos do Sul.
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