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Cannabrava | Indiferença social aos crimes dos militares favorece impunidade

Membros das FFAA envolvidos na compra e venda de joias aturam conscientes do delito; deslumbrados por poder e dinheiro fácil, perderam as estribeiras
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Vejo estarrecido como a mídia e setores da população veem como normal a ladroagem de bens públicos praticadas por quem têm o dever constitucional de zelar pela segurança da nação. Refiro-me aos oficiais das forças armadas, articulados criminalmente com o inominável também inelegível. 

O episódio das jóias da coroa saudita deixa claro que atuaram com absoluta consciência de que se tratava de ilícitos, roubo e associação criminosa, lavagem de dinheiro. Configura também falsificação, os cartões de vacinação contra Covid-19.

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Peculato, segundo o Aulete digital: Crime do desvio de verba, do furto de dinheiro ou bem móvel apreciável por parte de funcionário público, em proveito próprio ou de terceiros; abuso de confiança pública.

Prevaricação, segundo o mesmo dicionário: 1. Ação ou efeito de prevaricar; ERRO; FALTA; INFRAÇÃO. 2. Crime praticado por funcionário público quando, no exercício de suas funções, procrastina, deixa de executar atribuições sob sua responsabilidade ou as executa contra determinações legais, objetivando a satisfação de interesses pessoais: Por prevaricação, foi sumariamente exonerado.

O que me chama a atenção é que temos um personagem useiro e vezeiro das práticas criminosas, que se Justiça houver nesse país pagará pelos seus crimes. Até aí tudo bem, e eu me pergunto: o que leva um general, membro do estado maior, a participar desse tipo de ladroagem? Não é sequer em benefício próprio, sim por espírito de corpo.

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Consciente de estar praticando um ilícito, pegar uma jóia, transformá-la em dinheiro vivo para não deixar rastro em contas bancárias e entregar o dinheiro para o delinquente é coisa de máfia, formação de quadrilha. Quem é mais delinquente?

Volto à pergunta que não quer calar: o que leva um general a se comportar como um delinquente? 

É a certeza da impunidade. Deslumbrados pelo poder, pelo ganho de dinheiro fácil, os militares perderam as estribeiras. Foram quatro anos de desgoverno e de destruição do país.

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Por isso é da máxima importância punir os responsáveis. Acabar com a farra dos cupins da República antes que eles acabem com a República. Eles têm que ser julgados pelos crimes que cometeram nos quatro anos que permaneceram no poder. 

Um relógio Rolex, de ouro branco cravejado de diamantes, foi vendido por 68 mil dólares, o dinheiro colocado no bolso até que o Tribunal de Contas da União, ciente do delito, determinou a devolução. Quem entrou em cena foi o advogado da família, Frederick Wassef, foi lá, recomprou a peça e está a dizer que a União lhe deve 350 mil reais. 

Essa gente manipula milhões não só no Brasil, mas também no exterior.    

Membros das FFAA envolvidos na compra e venda de joias aturam conscientes do delito; deslumbrados por poder e dinheiro fácil, perderam as estribeiras

Imagem: Reprodução
Oferecido em leilão por militares com intenção de arrecadar US$ 120 mil, um conjunto continha relógio, abotoaduras, anel, caneta e rosário

Quebrado o sigilo bancário do tenente-coronel Mauro Cid, por solicitação da CPMI do 8 de janeiro, ficou evidente que em três anos servindo ao presidente esse senhor movimentou 8,4 milhões de reais. Entre 2020 e 2022 foram depositados em suas contas 8,4 milhões de reais e saíram 3,8 milhões. Entre maio e agosto de 2022 recebeu outro 1,2 milhão de reais em suas contas. Sua declaração de renda foi de 318 mil reais.

Não há como eludir o fato de que o capitão Bolsonaro era o comandante de toda essa farra. Assim, espera-se que o relatório da CPMI peça o indiciamento do capitão, se não como autor intelectual, como o principal beneficiário do roubo.

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Militares emporcalhados negociando com dinheiro público, diamantes, relógios, tudo na certeza da impunidade, pois tinham certeza de que ganhariam a eleição, se não no voto, no golpe de Estado.

Dadas as circunstâncias, não tem como livrar o Exército dos maus feitos. E são muitos, vão desde a cloroquina vendida durante a pandemia até as jóias da coroa saudita e ridículos como vender e recomprar um relógio nos Estados Unidos. Além do presente das Arábias havia um pacote presenteado pelo reino do Bahrein contendo escultura e relógio Patek Philippe.

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No dia 11 de agosto, a Polícia Federal desencadeou a Operação Lucas 12:2 para apurar a venda no exterior de bens pertencentes à União. Oficialmente, visa apurar “desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras a Bolsonaro, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito”.

O nome da operação se refere a versículo bíblico que reza: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido. O que vocês disseram nas trevas será ouvido à luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa será proclamado dos telhados”

É de imaginar que o comando das forças armadas esteja no mínimo incomodado.

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Se trata de família tradicional de militares. O general do Exército Mauro Cesar Lourena Cid, o rosto aparece refletido numa caixa contendo escultura recebida de presente e que colocou à venda. É pai do ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid; outro que aparece no imbróglio, o segundo tenente Osmar Crivelatti, braço direito do ajudante de ordens.

O general Mauro Cid foi do alto comando ao lado dos generais Villas Bôas e Hamilton Mourão e colocou o filho para ser ajudante de ordens do presidente. Essa função é sempre exercida por oficial designado pelo estado maior da força. O general se retirou em 2019 e estava de chefe na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) em Miami.

Além do tenente coronel Cid, atuava junto com o ajudante de ordens o sargento Luis Marco Reis, que com um salário de 13 mil reais movimentou 3,34 milhões entre 1 de fevereiro de 2022 e maio deste ano. Juntos, os dois militares movimentaram 7 milhões, segundo o Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) informado à CPMI do 8 de janeiro.

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Oferecido em leilão pelos militares com intenção de arrecadar 120 mil dólares, um conjunto continha relógio, abotoaduras, anel, caneta e um rosário árabe de ouro cravejado de diamantes, joias da marca suíça Chopard.

Tudo isso foi levado no avião presidencial que levou o presidente para os Estados Unidos, furtando-se de comparecer à transmissão de posse ao novo presidente.

Em nota publicada, a defesa de Bolsonaro negou ter participado em desvios de quaisquer bens públicos. A PF quer ouvir o capitão e sua esposa, mas a ordem tem que vir de Alexandre Moraes, do STF, pois ambos têm direito a foro especial. Michele tem o episódio de caixa de joias esquecida sob a cama em que dormiu na residência do embaixador do Brasil em Londres, e seu irmão está também envolvido em venda de presentes.

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Como parte do produto do furto foi negociado nos Estados Unidos, a PF está a solicitar colaboração com o FBI.

São crimes graves que o casal terá que esclarecer. O que importa é que a PF está investigando com aval do STF. Como qualificou o ministro Flávio Dino, da Justiça: “acima de tudo e de todos estava o vil metal – Mamom – e não o Deus ou o Brasil”. Temos que inverter essa lógica perversa colocando a soberania nacional como o bem supremo a ser construído para a libertação nacional.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista, diretor da revista virtual multimídia Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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