Pesquisar
Pesquisar
Foto: ACIN

Colômbia: crianças indígenas se suicidam para evitar recrutamento forçado por guerrilhas

Segundo ONU, grupos armados submetem menores a treinamentos intensivos e os devolvem às comunidades para que, a partir dali, realizem tarefas
Jorge Enrique Botero
La Jornada
Bogotá

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Vítimas de abusos e violência por parte de grupos armados irregulares, muitas crianças indígenas da Colômbia recorreram ao suicídio para evitar o recrutamento forçado, denunciou Francisco Cali Tzay, relator da ONU sobre direitos dos povos indígenas, após visitar várias regiões do país durante esta semana.

O funcionário da ONU afirmou ter recolhido uma grande quantidade de testemunhos que indicam que as crianças das comunidades indígenas continuam sendo recrutadas de maneira forçada por estruturas armadas à margem da lei em zonas remotas do campo onde o Estado está ausente e a pobreza é abundante.

Leia também | Suspensão de diálogos entre ELN e Governo da Colômbia: entenda razões e possível retomada

Segundo Cali Tzay, foi detectado que em muitos casos os grupos armados submetem os menores a treinamentos intensivos e os devolvem às suas comunidades para que, a partir dali, realizem tarefas de inteligência sobre presença militar e movimento das economias ilícitas.

“É frequente que as comunidades percebam essa manobra e rejeitem as crianças, que acabam na indigência ou na prostituição“, disse o relator durante uma coletiva de imprensa na capital. Ele acrescentou que em várias comunidades ouviu relatos de que algumas crianças e adolescentes optam pelo suicídio para evitar o recrutamento, com graves consequências para o tecido social dessas comunidades, especialmente vulneráveis e historicamente sujeitas à exclusão e ao esquecimento.

Confrontos em Cauca

No meio do estupor gerado pelo relatório do relator da ONU, foi divulgada a notícia de um confronto entre indígenas do departamento sudoeste do Cauca com estruturas pertencentes ao denominado Estado-Maior Central (EMC), uma das dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que não aderiram ao acordo de paz de 2016.

Em um comunicado público, a Associação de Conselhos Indígenas do Norte do Cauca (ACIN) afirmou que o confronto com os grupos armados ocorreu após a reação furiosa da comunidade ao recrutamento de um menino indígena. Segundo a ACIN, o menino foi resgatado, mas dois indígenas ficaram gravemente feridos a tiros de fuzil, o que provocou a reação do presidente Gustavo Petro, que afirmou em sua conta no X que “com este fato, o EMC do Cauca viola o acordo de cessar-fogo”.

Leia também | Colômbia: novos prefeitos e governadores anti-Petro prometem repressão aos moldes de Uribe

As dissidências das FARC mantêm há quase um ano diálogos de paz com o governo, no âmbito dos quais foi pactuado um cessar-fogo bilateral, cuja vigência está pendente de um fio após o ataque desta guerrilha aos indígenas.

Governo da Colômbia suspendeu o cessar-fogo com dissidências das Farc de Bogotá

O governo do presidente Gustavo Petro decidiu suspender o cessar-fogo pactuado com as dissidências das FARC conhecidas como Estado Maior Central (EMC) depois que estruturas dessa guerrilha atacaram no sábado (16) um grupo de indígenas desarmados no município de Toribío, com saldo de uma líder da comunidade morta e dois feridos.

Decreto de suspensão

Segundo o decreto presidencial, a suspensão do cessar-fogo terá vigência nos departamentos de Cauca, Nariño e Vale do Cauca, região onde operam todos os grupos armados irregulares do país e se produz mais de metade da cocaína que a Colômbia exporta ao mercado internacional.

Com esta determinação, o governo “ordena o recomeço de operações militares ofensivas e operativos policiais a partir das zero horas de 20 de março contra as estruturas do Estado Maior Central das FARC presentes nos mencionados departamentos”.

Leia também | Colômbia: atos da ultradireita contra Petro mesclam sionismo e ameaças de “comunismo”

Depois da ordem de reativar as ações militares, Petro pôs em dúvida a vontade de paz deste guerrilha: “O EMC do Cauca em suas diferentes frentes não deu desde o princípio nenhum sinal de querer um processo sério de paz. Acreditou, muito equivocadamente, que a negociação era para fortalecer-se militarmente e que seu fortalecimento se fazia a partir de submeter a população a suas estruturas e de se financiar com as economias ilícitas”, escreveu em sua conta de X.

Protocolos

Porta-vozes das dissidências das FARC comentaram que em nenhum dos protocolos acordados até agora pelas partes se contempla a possibilidade de cessar-fogo de maneira parcial ou territorial. Assim, sendo eles uma organização de caráter nacional, consideram que a decisão do governo terá efeitos em todas as regiões do país onde opera esta agrupação insurgente.

O governo e ao EMC iniciaram contatos exploratórios desde outubro de 2022, alguns meses depois da posse do presidente Petro, e decidiram iniciar diálogos formais de paz em 8 de outubro de 2023, data na qual também pactuaram o cessar-fogo bilateral temporário.

Leia também | Colômbia: Iván Márquez, líder das Farc dado como morto em julho, pode estar vivo

Embora um rompimento do cessar-fogo não signifique uma finalização automática dos diálogos de paz, analistas locais consideraram que o regresso das ações ofensivas de ambas as partes escalará o conflito a níveis que tornará muito difícil manter uma mesa de negociações.

Na atualidade, o governo colombiano sustenta conversações de paz com o Exército de Liberação Nacional (ELN) desde novembro de 2022, assim como com outras dissidências da FARC conhecidas como Segunda Marquetália, ao mando de Iván Márquez.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Jorge Enrique Botero Jornalista, escritor, documentarista e correspondente do La Jornada na Colômbia, trabalha há 40 anos em mídia escrita, rádio e televisão. Também foi repórter da Prensa Latina e fundador do Canal Telesur, em 2005. Publicou cinco livros: “Espérame en el cielo, capitán”, “Últimas Noticias de la Guerra”, “Hostage Nation”, “La vida no es fácil, papi” y “Simón Trinidad, el hombre de hierro”. Obteve, entre outros, os prêmios Rei da Espanha (1997); Nuevo Periodismo-Cemex (2003) e Melhor Livro Colombiano, concedido pela fundação Libros y Letras (2005).

LEIA tAMBÉM

Jornalistas - Palestina
Até quando os assassinos de jornalistas palestinos continuarão impunes?
Francisco-Franco-Principe-Juan-Carlos
ONU pede que Espanha proteja memória do país de políticas negacionistas do PP e Vox
EUA-protestos-Palestina 2
Gestores de universidades nos EUA usam táticas de Israel contra estudantes pró-Palestina
Gaza - Times of Gaza
Faculdade da USP em Ribeirão Preto (SP) divulga carta de repúdio ao genocídio em Gaza