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A ex-presidenta Cristina Kirchner (Foto: Reprodução / X)

Condenação contra Kirchner é escândalo jurídico; juízes receberam visita de agentes dos EUA

250 líderes da América Latina e do mundo assinaram carta contra perseguição à Cristina Kirchner e denunciam que processo judicial viola Constituição argentina
Stella Calloni
La Jornada
Buenos Aires

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Conforme advertiu a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, a Câmara Nacional de Cassação da Argentina confirmou, nesta quarta-feira (13), a sentença de seis anos de prisão e a inabilitação perpétua para exercer cargos públicos contra a peronista, em razão do processo da causa Vialidad, referente à compra de uma obra pública no caso relacionado à obra pública na província meridional de Santa Cruz.

A sentença e sua confirmação ocorreram sem nenhuma prova, tendo a condenação se baseado em notícias falsas publicadas na grande mídia do poder, o que constitui um verdadeiro escândalo jurídico, como ocorreu com outros governantes da nossa região, como no Brasil, com Lula.

Mais de 250 presidentes, ex-mandatários e líderes políticos manifestaram solidariedade imediata à Cristina Kirchner, por meio de uma carta em que repudiaram o veredito dos juízes Mariano Borinsky, Gustavo Hornos e Diego Barroetaveña, todos do chamado Partido Judicial, denunciando que isso se trata de uma prática de lawfare “para proscrevê-la e instalar discursos de ódio”.

No documento apoiado, entre outros, pelos presidentes Xiomara Castro, de Honduras, Luis Arce, da Bolívia, e pelos ex-mandatários Rafael Correa, do Equador, e Ernesto Samper, da Colômbia, os signatários também rejeitaram a “perseguição política, midiática e judicial a que está sendo submetida”.

Assinalaram que “não há dúvidas de que a causa é parte de um plano sistemático de perseguição, articulado por setores políticos, midiáticos e judiciais”, destacando que o processo esteve repleto de irregularidades legais e processuais que violaram gravemente as garantias constitucionais da ex-presidenta, especialmente seu direito de defesa no julgamento.

Apontaram que a consequência mais dramática dessa perseguição política foi “promovida pelos meios de comunicação hegemônicos, na tentativa de magnicídio de 1º de setembro de 2022”.

A sentença ainda não é definitiva, pois há um recurso de apelação, como última instância, para a intervenção da Corte Suprema de Justiça, cujos juízes também pertencem ao Partido Judicial, além de haver clara intervenção da embaixada dos Estados Unidos.

Não estava previsto que a ex-mandatária fosse presa agora, e até mesmo no próximo ano ela pode ser candidata nas eleições legislativas de 2025, e tampouco pode ser imposta a inabilitação perpétua para cargos públicos, pois isso só acontece quando as sentenças são confirmadas, razão pela qual ainda há um caminho a percorrer.

Além disso, não conseguiram condená-la pela acusação de associação ilícita, onde lhe atribuíram o papel de “chefe” junto a uma lista de oito ex-funcionários e um empresário da província de Santa Cruz, que também foram condenados nesta quarta-feira.

Esse caso havia sido encerrado por absoluta falta de provas e foi reaberto durante o governo do ex-presidente Mauricio Macri.

O tempo para a atuação da corte é ilimitado, e mesmo que esta confirme a sentença, o processo deve retornar ao Tribunal Oral Federal 2 dos tribunais de Comodoro Py.

A Corte Suprema não está em seu melhor momento e, além de ter demonstrado parcialidade nos últimos anos, não se pode esquecer que o ex-presidente Macri, em janeiro de 2016, menos de um mês após assumir o poder, nomeou dois juízes por decreto, Carlos Rosenkrantz e Horacio Rosatti, o que foi rapidamente denunciado como ilegal e aprovado pelo Senado, onde por pouco venceu a oposição.

Hoje, o presidente Javier Milei comentou que não descarta nomear por decreto Ariel Lijo e Manuel García Mansilla para a Corte Suprema, que ficará com apenas três magistrados, devido à aposentadoria de um deles.

Ambos os juízes são rejeitados pela oposição, não apenas pela União pela Pátria (peronista), mas por outros setores, e tem surgido inúmeras investigações que denunciam a falta de mérito para assumirem esses cargos.

Enquanto Milei celebrava a condenação da ex-mandatária, a quem chamou de “culpada por atos de corrupção”, gabou-se nas redes sociais da influência que seu governo exerce sobre a justiça. “Tudo chega”, declarou em uma mensagem, acrescentando: “Hoje podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que Cristina Fernández de Kirchner é culpada por atos de corrupção. Fim.”

Cristina permaneceu na sede partidária do Instituto Patria, onde compareceram muitos militantes que a ovacionaram.

Depois, ela se reuniu no bairro suburbano de Moreno com 400 mulheres, às quais disse: “Quando se é mulher, tudo fica vinte vezes mais difícil. Não apenas me castigam por tudo que fiz, mas também porque sou mulher e não suportam que eu tenha razão.”

“Como não podem me dar um golpe, fazem o que fizeram hoje em Comodoro Py”, acrescentou.

Kirchner recordou que a situação que atravessa “comparada ao que milhares e milhares de mulheres têm tido que enfrentar” em matéria de violência de gênero, não vê “isso como um sacrifício, mas como uma obrigação de alguém que tem um projeto de país”.

Antes da sentença: “Não vão me fazer calar”

“Saibam que, façam o que façam, não vão me fazer calar. Nunca fui e nem serei mascote do poder”, foi a expressão contundente da duas vezes ex-presidenta da Argentina Cristina Fernández de Kirchner, que divulgou na segunda-feira (11) uma carta nas redes sociais em meio a uma forte tensão política do julgamento na Câmara Federal de Cassação.

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“Desde muito jovem, milito no peronismo e trabalho para construir uma Argentina mais justa e humana, e uma Nação que construa a Pátria. E sabem de uma coisa? Pretendo continuar fazendo isso”, declarou a ex-mandatária. Ela também mencionou a “imparcialidade” dos juízes responsáveis pelo seu caso e os vinculou aos interesses de grandes veículos de comunicação, como La Nación e o Grupo Clarín, acusando-os de fazer parte de uma rede de poder em busca de sua proscrição política.

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Em sua mensagem, recordou a manchete do jornal Clarín sobre a tentativa de magnicídio da qual foi vítima em 1º de setembro de 2022, que dizia “A bala que não saiu e a sentença que sairá”, antecipando a decisão dos juízes ligados ao ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), que a condenaram sem provas cinco dias depois daquele episódio. A pergunta era: como o Clarín sabia que a sentença “não ia falhar”?

Falando na terça-feira (12) no sindicato dos Mecânicos e Afins do Transporte Automotor da Argentina (SMATA), Cristina Kirchner disse entender claramente por que a perseguem: “No peronismo, a perseguição não é novidade. Estamos acostumados a isso. Longe de nos amedrontar ou nos fazer retroceder, nos torna muito mais fortes”.

Nesta acusação de 2022, também foram condenados, sem provas, outros ex-funcionários do governo, em um escândalo do chamado Partido Judicial, que se instaurou durante o governo do ex-presidente de direita Macri, com assessoria da embaixada dos Estados Unidos.

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Fernández de Kirchner havia decidido não participar da audiência desta terça-feira, algo inédito, motivo pelo qual a ex-presidenta classificou a audiência como um “show”. Tampouco foram seus advogados, que tinham a opção de apresentar o caso à Corte Suprema da Nação.

Em 17 de novembro, a ex-presidenta assumirá a presidência do Partido Justicialista (peronista), em um ato do único partido relevante a nível nacional e de oposição existente no país.

Na segunda-feira, na sede do SMATA, Cristina também falou da necessidade urgente de “reconstruir uma rede social e política que finalmente faça o país retornar a suas melhores épocas.”

Em uma mensagem ao governo do suposto “libertário” de extrema-direita Javier Milei, que se autoproclama “pai da modernidade”, Cristina Kirchner afirmou: “não venham nos contar histórias. Estão contando aos argentinos uma história que não existe e isso sim é pura ficção.”

A ex-presidenta é até hoje a líder mais perseguida da história nacional, desde quando era senadora, nos tempos do governo do ex-peronista Carlos Saúl Menem (1989-1999), a quem enfrentou sozinha.

Depois, já no período em que o discurso de ódio começava a predominar, quando era vice-presidenta no governo de Alberto Fernández (2019-2023), sofreu uma tentativa de magnicídio que comoveu o mundo inteiro. A justiça, majoritariamente respondendo a interesses externos, ainda não julgou o episódio até hoje.

Alguns dos poderosos personagens que financiaram e orientaram esta tentativa de magnicídio, como a família Caputo e outros que acompanharam o governo Macri, agora estão na linha de frente da administração de Milei.

Na segunda-feira, o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, em conferência de imprensa, adiantou: “tudo o que será dito na quarta-feira (nos tribunais) nunca aconteceu, não existiu. Esses julgamentos (falsos) buscam gerar disciplinamento e perseguição” e defendeu Cristina Kirchner, afirmando que a acusação é um exemplo de “perseguição político-judicial” para proscrevê-la, somando-se às denúncias de vários líderes importantes.

Confira nossa seção especial: Eleições nos EUA

A acusação contra Fernández de Kirchner é “uma mistura inescrupulosa, ilegítima e ilegal de meios de comunicação concentrados, políticos e um pequeno, mas infelizmente muito poderoso, setor da justiça argentina que colocou o martelo sobre a cabeça da democracia”, disse por sua vez o ministro da Justiça e Direitos Humanos de Buenos Aires, Juan Martín Mena.

Frente a este novo e perigoso avanço de uma justiça abertamente comprometida com grupos concentrados de poder econômico e dos meios de comunicação de massa, foi denunciado na segunda-feira que a Câmara que decidiu o caso de Cristina Kirchner recebeu a visita de um grupo de altos funcionários do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Uma coincidência estranha.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Stella Calloni Atuou como correspondente de guerra em países da América Central e África do Norte. Já entrevistou diferentes chefes de Estado, como Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Rafael Correa, Daniel Ortega, Salvador Allende, etc.

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