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Toggle“A Constituinte é a chave para a construção do Chile independente e soberano”, afirma o renomado advogado e ex-deputado federal Hugo Gutiérrez, para quem as primeiras pedras do rico processo foram “lançadas no levante popular de novembro de 2019 contra o aumento do metrô, com o povo saindo às ruas e exigindo justiça social”.
Inicialmente o processo eleitoral da nova Carta Magna estava marcado para este domingo (11), mas devido ao agravamento da pandemia foi adiado para 15 e 16 de maio.
Defensor de presos políticos da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), perseguido pelo desgoverno de Sebastián Piñera, candidato à Assembleia Constituinte pelo Partido Comunista, Hugo acredita que a demanda da lei maior não estava inicialmente na agenda.
“Os manifestantes começaram rapidamente a identificar a manutenção da Constituição feita durante a ditadura com a fonte de desigualdade e injustiça. Viram que a legislação tinha como propósito blindar a própria existência do modelo econômico neoliberal”, assinala.
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Consequentemente, avalia o advogado, “isso foi sendo identificado pelos manifestantes como a necessidade de rebelião contra os abusos, houve um curto percurso na pedagogia social e uma veloz aprendizagem”.
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E qual foi a resposta de Piñera, questiono. “Inicialmente reprimir, colocando as Forças Armadas nas ruas. Posteriormente, com o calendário constituinte, cederam, procurando evitar que os manifestantes dessem o último passo e chegassem ao último degrau, superando o governo oligárquico”.
Leonardo Wexell Severo
O advogado e ex-deputado federal Hugo Gutiérrez
Papel estratégico
De acordo com Hugo, “precisamos partir da soberania popular” para que a Constituinte possa cumprir com o seu papel estratégico.
“O povo entendeu que o modelo neoliberal é a fonte dos mais perversos abusos. Quando alguém vai participar deste processo constituinte, parte da compreensão de que é necessário avançar. O que significa isso? Significa que a nova Constituição política necessita reconhecer direitos, porque todo homem e mulher tem dignidade e, portanto, direitos. Então é preciso reconhecer os tratados universais dos direitos humanos. Mas é óbvio que o reconhecimento não basta, é necessário que eles estejam legalizados e cumpridos”.
A existência de cortes internacionais se soma para respaldar esta cobrança e a sua execução, acrescenta.
“Pois como satisfazer o direito à moradia, à saúde, à educação, ao trabalho digno e decente, com um Estado precário? Porque o Estado neoliberal é militarmente potente para reprimir, mas economicamente precário para atender as demandas sociais”, denuncia Hugo.
Por isso, “o que se requer é a recuperabilidade do Estado, como depositário da soberania popular, capacitado para resolver a demanda de direitos”.
“Por meio de subterfúgios, recursos como o cobre e o lítio, mesmo sendo de propriedade dos chilenos e chilenas, estão hoje em mãos privadas, muitas transnacionais”
“Conforme a Constituição Política do Chile hoje vigente, o cobre é chileno, não necessita ser nacionalizado, da mesma forma que o lítio. O problema está em que muitos destes recursos naturais estratégicos foram entregues a grupos privados por meio de três subterfúgios, entre eles a chamada lei de concessões mineiras, que permitiu que tais riquezas, mesmo sendo de propriedade dos chilenos e chilenas, estejam hoje em mãos privadas, muitas delas transnacionais”.
No entendimento de Hugo, uma questão chave é a retomada do Estado como patrimônio público para o povo, o que “significa recuperar as empresas do Estado, vendidas a preço vil, como as empresas portuárias, elétrica, sanitária, aérea, de aço e carvão. Ou seja, recuperar todas as empresas entregues para que uma meia dúzia se enriquecesse”.
Outra questão a ser enfrentada, propõe, “é a recuperabilidade dos recursos naturais entregues ao setor privado”, o que necessitará da alteração da legislação vigente.
“O desafio da nova Constituição é que todas essas concessões terminem e que esses recursos naturais sejam recuperados como propriedade do povo do Chile”.
Outro ponto fundamental, argumentou o defensor dos direitos humanos, é a elaboração de uma nova estrutura tributária, onde os ricos paguem impostos e, eventualmente, se paguem royalties.
“É necessária uma reestruturação de impostos para que a tributação não continue recaindo sobre os pobres por meio do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). Atualmente são os pobres que mantêm funcionando o Estado do Chile, que é hoje um Estado pobre”.
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O advogado defende que, “tendo o Estado como protagonista da economia e não mais como subsidiário, será preciso pensar em que dimensão se dará esse protagonismo”.
“Há muito que sustentamos a necessidade de superar esse modelo extrativista-rentista, altamente excludente. O que temos atualmente é a extração de matérias-primas para serem enviadas ao exterior sem agregar valor. É óbvio que para o Estado ser protagonista necessita cumprir um papel chave no desenvolvimento, na investigação, na ciência e na tecnologia, a fim de fazer com que melhoremos nossa inserção no mercado internacional e que não sejamos mais uma peça descartável no mundo. Precisamos dizer como participaremos”, propõe.
“A realidade é que os privatistas entregaram as empresas e recursos naturais do Estado e ficaram só com a carga, com a sobrecarga”
Portanto, compreeende, uma das formas de recuperação do Estado chileno “para que possa garantir direitos” é o estabelecimento do royaltie mineiro.
“Porque de nada adianta aprovar direitos se não garantimos como vamos satisfazê-los”. Porque a realidade, denuncia, “é que os privatistas entregaram as empresas e os recursos naturais do Estado e ficaram só com a carga, com a sobrecarga”.
A situação é tão absurda, exemplifica, que a Corporação Nacional do Cobre (Codelco), que antes aportava 30%, hoje contribui somente 7% em termos de imposto.
“Falei de estatais, recursos naturais e de um novo sistema tributário, de impostos. Mas isso não basta. As Forças Armadas que hoje servem à oligarquia chilena precisam estar totalmente subordinadas ao poder popular. Porque se continuarmos atuando contra a democracia, tudo o que estamos falando é letra morta, e continuaremos sentindo na pele os abusos de todo tipo. Nós reconhecemos abusos econômicos, abusos sociais, mas há também os de direitos humanos”, pondera.
Além desta questão, Hugo quer ver incorporada na agenda o tema da democratização dos meios de comunicação e da valorização cultural.
“Precisamos da valorização da cultura popular, com um povo organizado e partícipe de toda nossa rica vida política e social”.
Especificamente em relação à democratização da mídia, Hugo entende que “é preciso permitir que a população se organize em emissoras de televisão populares, em rádios comunitárias, em jornais impressos e sites, mas, acima de tudo, é necessário que se expresse como poder popular, estruturado, a apontar o caminho e que tenha incidência para se contrapor ao poder que está em mãos da oligarquia e que não é confrontado”.
“A consciência da população não pode estar ao bel prazer da manipulação daqueles que têm o controle midiático. O povo organizado precisa ser capaz de gerar conteúdos que possam ser divulgados. Esta é a forma para chegar a ter um país soberano e independente. Sem darmos conta de cada um destes passos, voltaremos a uma política de submissão ao Estado neoliberal, que é o que queremos superar”, ressalta.
A pandemia que tem horrorizado o Chile nos últimos dias e que gera uma crise sanitária mundial, avalia, se insere dentro de duas graves crises em curso.
“Vivemos uma crise própria, do modelo de concentração de riqueza, que é o neoliberal, na América Latina muito evidente. E outra que toma uma identidade própria, do modelo de desenvolvimento econômico capitalista. A pandemia e o neoliberalismo apontam para o extermínio da humanidade. Por isso, mais do que nunca, nós nos alinhamos em defesa da união e da construção de um mundo novo, de solidariedade, justiça e paz”, conclui.
Leonardo Wexell Severo, jornalista e colaborador da Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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