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É inadmissível que indígenas morram por protegerem as florestas, diz Joenia Wapichana

Em entrevista na COP25, a única parlamentar indígena alerta que Brasil perdeu a liderança e governo Bolsonaro não tem credibilidade internacional
Anna Beatriz Anjos
Agência Pública
São Paulo (SP)

Tradução:

Joenia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar indígena do Congresso Nacional, estava em Madri acompanhando a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25), que se encerra nesta sexta-feira, 13. Integrante da comitiva oficial da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara designada para participar das discussões, ela respondeu a perguntas da Agência Pública sobre o que tem presenciado no encontro. “As pessoas estão descredibilizando o Brasil”, disse.

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Advogada de currículo pioneiro – foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008, ao defender a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, habitada também pelos Wapichana, seu povo –, ela acompanhou a decadência da reputação brasileira nesse período. “Sempre tivemos um posicionamento progressista, de reconhecer a importância do debate, mas também de contribuir, assumindo compromissos e liderando grupos”, destaca. “Hoje o Brasil não apresenta propostas, fica muito na defensiva, não aceita os dados científicos, principalmente os relacionados ao desmatamento na Amazônia.”

Segundo Joenia, o artigo 6 do Acordo de Paris – negociado na capital francesa em 2015 –, que trata sobre o mercado de carbono, tem marcado as negociações oficiais entre países. O assunto divide opiniões: há quem considere a comercialização de créditos de carbono uma alternativa para a queda de emissão de gases do efeito estufa, outros questionam sua efetividade. Mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já disse que atua para tornar “esse mercado uma realidade” no Brasil – em entrevista, ele revelou ter se reunido, na Espanha, com empresas estrangeiras para tratar da venda de créditos.

Já os indígenas querem garantir o uso da floresta pela comunidade em áreas que participam do mercado de carbono. “O Protocolo de Kyoto mencionou que haveria impactos negativos do comércio de emissões em algumas comunidades indígenas e locais, quando as florestas que ocupam e de que dependem para sua subsistência fossem designadas fora dos limites, como parte de uma troca de créditos de emissões. Então, muitos povos indígenas, suas organizações e seus países estão pressionando para que haja o reconhecimento explícito dos direitos humanos nessa regulamentação”, explica a deputada.

Em entrevista na COP25, a única parlamentar indígena alerta que Brasil perdeu a liderança e governo Bolsonaro não tem credibilidade internacional

Eric Marky Terena/Mídia Índia
Joenia Wapichana, única parlamentar indígena do Congresso Nacional, em protesto na COP25

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Pública – Na COP25, o Brasil foi um dos ganhadores do prêmio simbólico “Fóssil do Dia”. Segundo a sua percepção, qual a imagem do Brasil diante dos governos e ativistas de outros países?

Joenia Wapichana – O Brasil não só ganhou o primeiro prêmio “Fóssil do Dia” como também o segundo. O primeiro é justamente pela imagem que o Brasil tem construído diante dos governos, e o segundo, em relação a essa medida provisória anunciada, sobre a questão da grilagem da terra [na última terça-feira, 10, o presidente Bolsonaro assinou uma MP que muda as regras para regularização fundiária].

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O Brasil tem sido bastante questionado, houve protestos dos povos indígenas e ativistas ambientais em frente ao local onde ocorre a COP, teve muitas declarações de apoio aos povos indígenas que estão sendo assassinados – especialmente em relação aos últimos assassinatos no Maranhão. As pessoas não estão mais reconhecendo a legitimidade de liderança que o Brasil tinha antes, em outras COPs.

Sempre tivemos um posicionamento progressista, de reconhecer a importância do debate, mas também de contribuir, assumindo compromissos e liderando grupos. Hoje o Brasil não apresenta propostas, fica muito na defensiva, não aceita os dados científicos, principalmente os relacionados ao desmatamento na Amazônia. Ontem [terça-feira, 10], em seu pronunciamento, o ministro Ricardo Salles foi muito questionado por não ter admitido retrocessos nas políticas socioambientais – lógico que não vai reconhecer, está na defensiva. Também omitiu dados reais para fazer a imagem de um Brasil que conserva a sua biodiversidade e natureza, que, na verdade, estão sendo reduzidas cada vez mais. Isso está sendo observado, as pessoas estão descredibilizando o Brasil.

Parlamentares, ativistas e sociedade civil têm tido algum acesso a integrantes do governo? Como tem sido a interlocução com o ministro Ricardo Salles?

Quando cheguei, participei de um evento onde estava presente o ministro Ricardo Salles com parte de sua equipe, ONGs da sociedade civil e alguns parlamentares – inclusive, o próprio presidente do Congresso Nacional [Davi Alcolumbre] estava nesse evento. Salles fez seu pronunciamento, a sociedade civil também, mas ele saiu antes de ouvir a gente.

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Ontem também fui ouvi-lo na plenária, falei rapidamente com ele de uma forma não oficial, dizendo que era necessário dar uma resposta principalmente sobre a questão das invasões às terras indígenas, porque os povos indígenas estão fazendo seu papel, mas o Brasil tem responsabilidade, já que se trata de invasões de madeireiros. É inadmissível haver mortes de indígenas por estarem protegendo as suas florestas, as nossas florestas.

Na segunda-feira (9), lideranças indígenas, inclusive a senhora, protestaram em Madri contra os assassinatos de Raimundo Guajajara e Firmino Silvino Prexede Guajajara, no Maranhão. Na sua opinião, por que os Guajajara têm sido alvo de tantos ataques ultimamente?

Nós temos sérios retrocessos na questão da política socioambiental, há pouco esforço e efetividade para que as terras indígenas, unidades de conservação e outras áreas protegidas por lei sejam realmente protegidas.

Vemos o sucateamento da Funai, o enfraquecimento do Ibama e do ICMBio, as políticas que estão mudando e sendo mais flexibilizadas, a falta de investimentos na área de proteção e monitoramento, tudo isso somado à impunidade.

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O Brasil é o país onde mais ocorrem assassinatos de defensores de direitos ambientais e indígenas, e isso tem sido colocado nos principais relatórios de direitos humanos. O Brasil já deveria ter respondido através de medidas urgentes para mudar esse comportamento de não aceitar a realidade.

O que é necessário ser feito para conter a situação de violência contra os Guajajara? O envio da Força Nacional pelo ministro Sergio Moro é suficiente?

O envio da Força Nacional pelo ministro Moro foi questionado, não porque não é necessário –, é necessário, sim, tomar medidas para conter a violência, para garantir uma investigação séria e para que não haja mais mortes ali. Mas é preciso pensar numa ação que se torne mais permanente, também para atender as áreas que mais precisam.

O que a gente ouviu no noticiário é que ele enviou, mas não justamente para a área onde estava havendo o conflito [o ministro não enviou a Força Nacional à Terra Indígena Arariboia, que entre 2000 e 2019 registrou 12 assassinatos de indígenas em decorrência de conflitos com madeireiros].

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A ideia é que haja uma base permanente para conter invasões, tem que haver planejamento e fortalecer a Funai, aumentar seu quadro de servidores junto com o Ibama, fazer uma força-tarefa juntando Funai, Ibama e Polícia Federal e, se houver necessidade, [chamar] a Força Nacional para conter a violência, que está sendo sistemática.

No início da semana, em Madri, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre afirmou que o Congresso Nacional será uma trincheira para barrar retrocessos socioambientais. A senhora acha que é possível formar no Congresso uma frente de defesa do meio ambiente e dos povos da floresta, apesar da bancada ruralista?

O Congresso é imprescindível para ser o guardião dos direitos coletivos, socioambientais e para se colocar à frente da defesa dos povos indígenas e da floresta e do meio ambiente.

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A bancada ruralista tem que ter essa prerrogativa de defender os direitos constitucionais – ninguém está fazendo nada ilegal, estamos defendendo o que a lei determina. Tem que reforçar esse princípio dentro do Congresso Nacional: direitos são inegociáveis, não é uma questão ideológica nem política, é um posicionamento legal e constitucional.

Voltando à COP25, como a senhora avalia os trabalhos e diálogos até o momento? Quais têm sido os principais pontos de discussão?

Na última COP houve a discussão do Acordo de Paris, que estabeleceu algumas metas e estratégias para fazer avançar na prática os acordos entre países. Para essa COP, ficou um artigo que não foi fechado durante a COP em Paris, o artigo 6, que fala sobre a questão do comércio internacional de emissões, que as pessoas chamam de mercado de carbono. O artigo 6 tem vários itens: ele prevê negociações entre governos, pelas quais um país pode atingir a sua meta de redução pagando em parte outro país para fazer a redução extra. Estão estabelecendo regras e algumas delas têm sido questionadas – uma é a questão dos direitos humanos. Vários especialistas têm falado que essa regulamentação, se não for bem assegurada em salvaguardas, pode incentivar violações de direitos humanos.

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Outra questão é a de certificação de crédito de redução: demonstrar que as atividades em questão realmente não teriam acontecido [sem os créditos], ou seja, a adicionalidade [critério que mede se um projeto precisa de fato dos retornos dos créditos de carbono para ser realizado]. Há uma discussão de que isso é óbvio, na prática; por exemplo, à medida que o preço da energia renovável cai, os projetos que antes pareciam de ponta podem, de repente, ser eliminados – o crédito por ações extras não é mais garantido. Tem a discussão sobre as regras que permitem que as pessoas de fora avaliem o adicional e a questão, também, da transferência de crédito do Protocolo de Kyoto, um tema bastante discutido em outras COPs. O artigo 6 especifica ainda que, no mercado de emissões, deve haver um ajuste correspondente para que a mesma redução não possa ser contada simultaneamente para o cumprimento de dois países: por exemplo, o Brasil tem seu estoque, aí vem outro país e compra, mas tanto esse outro país como o Brasil contam o mesmo crédito. Isso, num primeiro olhar, parecia óbvio, mas em relação à negociação ainda se tem dúvida de como fazer. Também tem a mitigação geral das emissões gerais.

Há, no debate, algum ponto específico sobre povos indígenas?

O Protocolo de Kyoto mencionou que haveria impactos negativos do comércio de emissões em algumas comunidades indígenas e locais, quando as florestas que ocupam e de que dependem para sua subsistência fossem designadas fora dos limites, como parte de uma troca de créditos de emissões. Então, muitos povos indígenas, suas organizações e seus países estão pressionando para que haja o reconhecimento explícito dos direitos humanos nessa regulamentação. Isso está levando muito tempo, porque alguns países querem se comprometer, entendem e reconhecem, mas outros têm uma resistência muito grande.

A senhora sente que tem sido criada uma aliança de apoio global em torno dos povos da floresta do Brasil? Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e outros têm sido vistos, por atores internacionais, como guardiões da floresta?

Acho que sim. Os povos da floresta sempre têm tido esse apoio a nível global porque já se avançou muito no reconhecimento aos direitos indígenas e da importância das terras indígenas para a conservação da biodiversidade, até mesmo para isso ser considerado uma estratégia de combater os efeitos das mudanças climáticas.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Anna Beatriz Anjos

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