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ToggleA guerra permanente do Estado contra a Nação começou em 1500 e só tem se agravado e aperfeiçoado seus métodos ao longo dos séculos. Chegamos ao século XXI com a adoção das tecnologias de comunicação e informação. Somos vítimas de uma ciberguerra. A guerra é ciber, mas sem abandonar as práticas genocidas de sempre.
Só uma guerra é capaz de produzir as 64 mil mortes por violência havidas em 2017. Em 2018, baixou para mais de 57 mil. Diminuiu, mas é, de toda forma, um número inaceitável. São 27,5 por cada 100 mil habitantes. Roraima. Tocantins, Amapá e Pará são os estados que produzem mais mortes por violência.
Mortos por ação direta do Estado, em 2018, foram 6.200; 20% a mais do que em 2017, três vezes mais do que os 212 de 2013. No Rio de Janeiro, 1.534, sendo 65,4% negros, 78,5% jovens e 99% homens. Essa situação no estado se agravou após a intervenção federal decretada pelo governo interino de Michel Temer, o que não passou de uma ocupação militar pelas Forças Armadas
Ilustração: Latuff
A guerra é ciber, mas sem abandonar as práticas genocidas de sempre….
Milícia X Paramilitares
Nos perguntaram se as milícias que estão fazendo balbúrdia e cometendo assassinatos por esse Brasil afora já é uma instituição nacional. É, sem dúvida, mas há que fazer uma aclaração.
Me chamaram a atenção para o uso das palavras “milícia” e “miliciano” para os agrupamentos armados de ex-PMs e bandidos. Eles estão fazendo terrorismo: são bandidos e assassinos. Aceito a advertência e vamos corrigir. O termo correto é paramilitares.
Miliciano é do bem. Em Cuba e na Venezuela são os milicianos que fazem a defesa civil, por exemplo. São como um exército paralelo que se soma às Forças Armadas em defesa da soberania nacional. Já o Hezbollah, no Líbano, é uma milícia que luta contra o invasor estrangeiro que ocupa suas terras. Igualmente, no Irã, são os milicianos que, com o Exército garantem a integridade territorial do país.
O que temos no Brasil, de fato, são bandidos, criminosos armados e organizados. Isso se chama máfia. São quadrilheiros, jagunços a serviço dos poderosos, são tudo de ruim que há na terra menos milicianos.
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Caso Marielle
O Escritório do Crime, do Adriano da Nóbrega, é coisa típica de mafiosos. São assassinos de aluguel. Lá, você encomenda um assassinato e nem custa muito caro.
Esse Adriano estava sendo procurado pela Polícia para depor sobre o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco. Como já se está comprovando que o Escritório do Crime tinha relações estreitas com o clã Bolsonaro, seria muito perigoso que ele caísse nas mãos da Justiça e comprometesse a famiglia — assim se qualificam os mafiosos italianos. Adriano foi torturado e executado. Pura queima de arquivo.
A Origem
Como duvidar que a origem dessas quadrilhas seja as Polícias Militares estaduais?
Polícia Militar nem deveria existir. É uma excrescência herdada do tempo em que os donos de terra e das pessoas que estavam nela eram chamados de coronel, que tinham guarda pessoal. Eram jagunços, matadores de indígenas e de negros.
Os fazendeiros ganharam esse nome de coronel porque emprestavam essa força ao governo central para reprimir revoltas populares e, inclusive, como reforço nas guerras. Era a famosa Guarda Nacional e os coronéis eram coronéis dessa Guarda Nacional.
Com a República das Oligarquias agrárias, o processo quase vertiginoso de urbanização exigia reforço à segurança nos centros urbanos, por isso a Guarda Nacional sofreu adaptações e se transformou nas chamadas Forças Públicas do Estado.
As cidades cresceram, os estados ficaram ricos e poderosos e trataram de constituir uma boa força para proteger seus interesses. Assim, criaram as academias para treinar e equipar seus soldados. E contaram, inclusive, com assessoria dos Estados Unidos, que recrutava os melhores para os cursos na Escola das Américas, instituição que funcionava no enclave colonial da zona do Canal do Panamá.
Militares do bem
Em 1961, uma boa parte dessas forças estaduais eram profissionais a serviço do estado, encarregados da manutenção da ordem pública, obedientes à lei. Na crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, o alto comando militar achou por bem que era hora de assumir o poder por meio de um golpe de Estado. Puseram no governo uma junta militar com os comandantes das três armas.
Ocorreu, então, um dos episódios mais bonitos da história de nosso povo. Leonel Brizola, à época governador do Rio Grande do Sul, se rebelou contra o golpe e chamou a nação para defender a legalidade, o que significava dar posse ao vice-presidente eleito João Marques Goulart. Utilizando os microfones de uma rádio local, de pronto estava armada a Rede da Legalidade, com a maioria das emissoras de rádio do país.
Brizola teve o apoio explícito e em peso da Brigada Militar a qual se somou o Terceiro Exército. Na capital de São Paulo, os quartéis da Força Pública se colocaram às ordens do poder civil em defesa da legalidade, à revelia do governo estadual. Também as forças de Goiás e do Paraná, respectivamente governadas por Mauro Borges e por Ney Braga, ambos ex oficiais do Exército, defenderam a legalidade e derrotaram o golpe.
O Golpe só seria vitorioso em 1964. Uma das primeiras medidas da junta militar, após prender todas as lideranças civis e militares, foi transformar o que eram Forças Públicas em força auxiliar das Forças Armadas e as colocaram sob comando de oficiais do Exército.
A PM (Polícia Militar)
A partir de então, as Forças Públicas passaram a ser conhecidas como Polícia Militar. Mudou-se a estrutura, o tipo de treinamento e de ensino nas academias, passando a vigorar a mentalidade de Segurança Nacional, emanada da Escola Superior de Guerra sob tutela dos Estados Unidos.
Aumentam o número de egressos da Escola das Américas, de assessores militares e agentes de inteligência passam a circular à vontade pelos quartéis e demais dependências dos Organismos de Segurança. Até a emissão de passaportes era controlada pelos ianques.
Durante a vigência da rede de colaboração entre ditaduras, conhecida como Operação Condor, esses agentes fizeram curso de pós-graduação em técnicas de interrogatório por meio da tortura e criaram uma rede de repressão envolvendo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
As PMs passam a compor as forças de ocupação para garantir a nova ordem imposta pela ditadura do capital financeiro e do pensamento único. O equipamento de repressão é padronizado com as forças repressivas de boa parte do mundo, a maioria fornecido por Israel. Nas últimas décadas, a isso se soma a presença das denominações religiosas neopentecostais fundamentalistas.
O treinamento da PM se assemelha àquele da Escola das Américas. O inimigo é o povo. Marcham cantando frases que estimulam o ódio ao outro, a vontade de bater, massacrar. Bandido bom é bandido morto. Para ser bandido, basta ser pobre morador das periferias, se for preto ou indígenas, pior, matam mais depressa.
É o que explica cenas como a ocorrida numa escola pública de São Paulo, onde dois PMs entram armados, um deles espancou um adolescente imobilizado no solo, enquanto o outro apontou a arma aos jovens que se acercam para tentar impedir a morte do garoto. No dia seguinte, os jornais deram que os dois militares foram demitidos. Mais dois para engrossar as filas dos agrupamentos armados ilegais, as máfias armadas, os escritórios de crime.
Motim nacional
Em Sobral, no Ceará, um batalhão da PM se amotinou e passou a desafiar as autoridades com armas e vestindo capuz. Prova de que essa gente perdeu completamente as estribeiras: os amotinados receberam a autoridade do senador Cid Gomes (PDT-CE) a tiros. Ele foi ferido gravemente, mas não corre risco de morte.
Registre-se que os amotinados estavam recebendo apoio de funcionários do ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, comandado pela pastora Damares Alves.
O que explica esse apoio?
O que explica a presença de Eduardo Bolsonaro na Bahia, quando a PM executou Adriano?
O que explica as visitas de Flávio Bolsonaro a Adriano na prisão?
Quem são os mascarados e encapuzados nesse motim do Ceará?
Muita coisa ainda exige explicação.
Os PMs iniciaram um movimento que parece ser nacional reivindicando aumento salarial. Reivindicar aumento é legal. Amotinar-se para exigir aumento é crime. Esses homens são soldados que devem obediência irrestrita a hierarquia.
Em Belo Horizonte, o governador Romeu Zema (Novo) aprovou, em um ato populista, um aumento de 41% para o pessoal da PM. Um absurdo na conjuntura econômica e social do estado e do país.
O motim em Sobral com apoio da Damares tem essa mesma intenção e já se tem notícia de que em 12 estados os PMs estão ameaçando sublevar-se para obter aumento. Ocorre que nenhum estado tem condição de conceder reajuste tão elevado.
E agora, cara pálida? Tem gente que está achando que vai ter impeachment. Golpe já deram, somos governados por uma junta militar. O objetivo pode ser tumultuar, gerar o caos para impor pela força as reformas e as entregas que faltam para acabar com o Estado e a nação. E a culpa, vai ser dos comunistas, petistas, etc., porque, afinal, a máquina de fake news continua ativa e a todo vapor.
Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul
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