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Cannabrava | Panorama eleitoral mostra racismo na distribuição dos votos

Se se observa o mapa com a distribuição territorial dos votos, se vê perfeitamente dois Brasis, um branco e outro mestiço
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A direita deixou-se hegemonizar pela extrema direita, por achar que assim poderia derrotar a esquerda. Um tiro no pé de quem não conhece a esquerda e a natureza do regime, nem os planos dos militares e a própria história. 

Vargas projetou a governabilidade como fruto de uma aliança entre o PTB e o PSD, funcionava como uma aliança entre capital e trabalho, e os demais partidos atuavam ao sabor dessa aliança, incluía inclusive a UDN, até que passou a ser instrumento dos interesses dos Estados Unidos. 

Não é teoria conspiratória da história. É a história da eterna conspiração dos Estados Unidos contra qualquer projeto emancipatório nas jovens repúblicas ao sul do Rio Bravo. Está nas doutrinas de cada um dos chefes de Estado.

O pacto de Vargas tornava o país governável e os militares submissos, pois a ala nacionalista e desenvolvimentista compunha o pacto. 

A direita está esfrangalhada. PSDB, PMDB/MDB, partidos líderes, entre outros, têm que se refazer ou serão extintos. O PTB tem três deputados, um Roberto Jefferson e um falso padre Kelmon. Tem que ser extinto, é uma afronta à história.

Agora a direita terá que enfrentar não só a ultradireita como principalmente o Partido Militar. Ele não existe oficialmente, mas elegeu as maiores bancadas, disfarçado de PL ou de Republicanos, entre outros.

O Brasil não entrou na modernidade porque preferiu ficar na idade média escravagista e colonizada. A direita combateu os projetos de modernização desde o Brasil Império. Preferiu ser europeia que ser brasileira e se comportou como o europeu colonizador, predador, genocida, ecocida, racista e entreguista. A mesma mentalidade das levas de imigrantes que trouxe desde fins do século 19 e durante o século 20 com a intenção de branquear a nação.

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Rememoro esses fatos porque ajudam a entender o momento histórico eleitoral. 

Se se observa o mapa com a distribuição territorial dos votos, se vê perfeitamente dois Brasis, um branco e outro mestiço. Nos Estados do Sul (PR, SC, RS) onde se concentrou o projeto de ocupação através de colônias de imigrantes, o voto majoritário é na manutenção do status quo.

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São Paulo é emblemático. As levas de imigrantes europeus estenderam a fronteira agrícola para o Norte do Paraná, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais e Goiás. Novas fronteiras agrícolas foram estendidas, mais recentemente, por gaúchos, brancos, em Mato Grosso, Rondônia, Tocantins, Sul do Pará, zonas em que o voto foi em sua maioria para o partido do governo. Áreas de domínio de uma economia predadora, de monocultura, pastos e mineração sem controle.

Mapa produzido pelo G1 indica sobre o 1º turno: em escala de cor vermelha, os municípios onde Lula venceu, e em azul, os municípios onde Bolsonaro saiu vitorioso (Fonte: G1)

O discurso e a prática racista, misógina, dos que realizaram a operação de inteligência para captura do poder pelo voto em 2018 e que segue aperfeiçoado na eleição de 2022, combina com a índole dessa gente. Ou seja, o racismo está implícito e explícito no mapa eleitoral. 

É muito grave. Isto tem que ser motivo de reflexão para quem se preocupa com o futuro, para quem busca saídas para a crise econômica, para os que buscam a libertação nacional, a soberania e o desenvolvimento integrado em harmonia com a vida. 

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A direita, para sobreviver, tem que decidir a que país pertence primeiro. Segundo, tem que deixar de ser neoliberal e assumir um projeto desenvolvimentista, soberano.

O mapa do G1 mostra claramente a dominância do voto em Lula num Brasil indígena-negro-branco, ou negro-indígena-branco, e isso tem que ser objeto de reflexão. É o Brasil de hoje e o do amanhã, o Brasil que se impõe inexoravelmente. É o Brasil que conquistará a real e definitiva independência.

É preciso aprender a ser indígena para que se imponham projetos de preservação ambiental. Pra ser indígena não precisa andar pelado, basta amar a natureza e os outros, e tratar a floresta como eles a tratam. É preciso aprender a ser negro para que o coração pulse ao ritmo dos atabaques e berimbaus e conviva com todas as religiões do mundo.

Só com um projeto de Brasil a gente vence a crise civilizatória. 

Há que construir uma neo modernidade tardia a partir da descolonização. Assim de simples. Do contrário, o país estará condenado ao atraso, ao caos, à sanha saqueadora do imperialismo. 

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O branco que ainda não se assumiu como brasileiro tem que se assumir e construir a modernidade sem escravatura, sem racismo, sem misoginia. E tem muito branco de todas as cores que bate continência para Washington, que tem seu dinheiro nos paraísos fiscais, apartamento em Miami ou Paris, que enriquece explorando a mais valia do trabalhador.

Estamos em guerra. Guerra psicológica, cognitiva, ou melhor, guerra híbrida, porque abarca todas as guerras.

Se se observa o mapa com a distribuição territorial dos votos, se vê perfeitamente dois Brasis, um branco e outro mestiço

Rogério Trilhafavela – Pexels

Ser de direita é chique, me possibilita ganhar muito dinheiro e exercer o poder, o poder que humilha os outros e só serve aos ricos

Eles, os novos colonizadores, querem que você seja branco, não importa a cor – preto, marrom, amarelo, vermelho – tem que pensar como o branco colonizador, tem que rezar pela cartilha do neoliberalismo. 

Atuam com a vaidade das pessoas. Ser de direita é chique, me possibilita ganhar muito dinheiro e exercer o poder. O poder que humilha os outros. O poder que só serve aos ricos e aos interesses do imperialismo saqueador.

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A guerra levada ao campo religioso, ao simplificar a mensagem – o bem contra o mal, deus e o diabo –, aumenta a capacidade de produzir estragos cognitivos. São os alienados, de cabeça feita, só pensam naquilo, incapazes de ver um palmo adiante do nariz, guiados por falsos predicadores da fé, verdadeiros mercadores da fé, acumulam as maiores fortunas do mundo explorando a fé.

Líderes evangélicos, bispos e pastores, reunidos em Brasília entre os 12 a 15 de outubro, na 11ª Conferência Global 22, se colocaram na linha de frente dessa guerra. Sob o lema “um incrível mundo está surgindo!”, agitaram as bandeiras de Deus, Pátria, Família e Liberdade, contra a degradação dos lares supostamente promovida pelo PT e demais forças progressistas.

Essa Conferência é filial do movimento criado pelo pastor Virgil Kinccal, diretor mundial das Missões da Pentecostal Church of God, que prega que “em nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra, debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para Glória de Deus Pai”. 

O objetivo é a conquista do Estado para implantar uma teocracia evangélica, que só pode ser autoritária.

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Ou, como diz Carlos Russo, em artigo que publicamos na Diálogos do Sul, uma “Ditadura Teocrática Miliciana, tendo à frente o próprio messias, o capitão Jair Messias Bolsonaro, o eleito por deus e pelo povo, onde possam enriquecer ainda mais e espraiarem ainda mais seus dóceis rebanhos!”

É uma guerra de 5ª geração, que desarticula o raciocínio e enche sua mente do que parece ser lógico e de sua própria criação. O campo de atuação é a mente e busca a dissonância cognitiva. Como explicar que uma universidade inteira adote o pensamento único sistematizado pelo Consenso de Washington sem o menor senso crítico?

As operações de manipulação das mentes são as mesmas de sempre. O que muda são as novas tecnologias, a velocidade com que as coisas acontecem, a quantidade de informação disponível, e a incapacidade de se processar.

Essa elite branca endinheirada que está abandonando o barco que eles construíram para tentarem se salvar tem muito que refletir. Tem que reverter o que plantou através de uma guerra midiática e psicológica. Esse é um aspecto que se multiplica exponencialmente nas redes sociais do mundo cibernético. Sabe como fazer. Fará? Duvido. Alguns, talvez. 

Com as redes sociais nos obrigam a estar permanentemente conectados. Os memes anulam o raciocínio lógico. O inimigo mora dentro da gente, ocupam as nossas mentes, alinham a sua capacidade intelectual. 

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A guerra cognitiva levada a cabo pela Otan, por exemplo, impõe uma narrativa única de que estão ganhando a guerra contra uma Rússia que invadiu a Ucrânia. Uma guerra contra os estados totalitários travada por estados livres e democráticos. Os meios são fundamentais para a repetição constante que dará veracidade à narrativa.

É uma guerra total. Não há como estar fora pois se dá em todos os campos e só se vê o que querem que seja visto.

A cabeça feita por um sistema que já não funciona mais.

Até os bancos suíços estão quebrando. A Europa soçobra numa crise que é financeira, energética, alimentar, e insiste no mesmo. Greves parciais paralisam a economia na Inglaterra, na França, Alemanha; com a falta de gás, o setor industrial está desmoronando. Setores que demandam muita energia, como vidro, cimento, alumínio, aço, estão à beira do colapso. O inverno chegando… sem gás para o aquecimento. O povo toma as ruas pedindo comida e energia e nada ocorre? Até quando? 

Veja até onde vai a insensatez desses governantes. Dependem do gás russo e sabotam o gasoduto que trás esse gás mais barato. 

Não se pode ignorar o que ocorre na Europa porque os europeus são vítimas de uma mesma guerra cultural e cognitiva, a mesma guerra total de que somos vítimas.

Paulo Cannabrava Filho | Jornalista latino-americano e editor da Revista Diálogos do Sul.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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