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Governo de ocupação nega anistia a Dilma Rousseff e promove fim da Justiça de Transição

Em função de sua militância, Dilma foi presa, julgada, condenada, e sofreu todo tipo de humilhação e tortura no cárcere
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A Comissão de Legislação Participativa aprovou convocar audiência pública para ouvir o presidente da Comissão de Anistia, atualmente adstrita ao Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, para discutir o tratamento que vem sendo dado aos perseguidos políticos pela ditadura de 1964/85. Faz isso com quatro anos de atraso.  Essa é a realidade maior.

Congresso e Judiciário são tão responsáveis como o atual governo militar de ocupação pela Justiça de Transição que pretenderam os constituintes ao promulgar a Constituição de 1988, Constituição Cidadã. O deputado Ulysses Guimarães deve estar dando voltas na tumba, de raiva e frustração pelo quanto foi desfigurada a Carta Magna.

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O deputado Paulo Teixeira, do PT, tomou a iniciativa depois após a Comissão de Anistia ter se negado a anistiar Dilma Rousseff e o deputado Ivan Valente, no dia 28 de abril último. A ex-presidenta reivindicava uma pensão mensal de R$ 10 mil como reparação por ter sido afastada do emprego que tinha nos anos 1970. Em função de sua militância, Dilma foi presa, julgada, condenada, e sofreu todo tipo de humilhação e tortura no cárcere.

Na audiência, iniciativa do deputado Paulo Teixeira, dia 24 de maio, compareceram o advogado Victor Neiva, como ex-conselheiro da Comissão e membro da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap), Paulo Abrão Pires, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OEA e Enea de Almeida, professora da UNB.

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João Henrique Nascimento de Freitas, ligado ao clã Bolsonaro, atuando como assessor, foi quem em 2007 entrou com ação civil pedindo anulação da anistia ao capitão Carlos Lamarca, concedida pós-morte, à viúva e seus filhos. Queria o que foi pago de indenização de volta. Em 2015, um juiz do Rio de Janeiro concedeu. Paulo Abrão reagiu dizendo que a decisão colocava em risco o esforço de reconciliação e o progressivo tratamento construído ao longo de 30 anos por sucessivos governos democráticos.

Em função de sua militância, Dilma foi presa, julgada, condenada, e sofreu todo tipo de humilhação e tortura no cárcere

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Governo militar de ocupação nega anistia a Dilma Rousseff

Cabe deixar claro que é essa questão da Justiça de Transição e da Lei de Anistia que culmina com o absurdo da destruição da Comissão de Anistia.

Tivemos a Lei de Anistia de 1979, durante o governo do general Figueiredo, e promulgada pelo Congresso Nacional. A intenção dos militares era beneficiar apenas funcionários públicos. O congresso estabeleceu que seria para todos os que foram punidos por lutar contra a ditadura. Permitiu a libertação de presos políticos e a volta dos exilados. 

Depois disso, tivemos a Assembleia Constituinte que aprova a Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã. O Artigo 8º das Disposições Transitórias é o instrumento jurídico que determina a justiça de transição, o necessário para sair da ditadura e construir a democracia e realizar o programa de reparação. 

Levou 14 anos para que fosse regulamentado o Artigo 8º. 

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Fica claro o descaso das instituições, dos três poderes da República com relação a cumprir com a Constituição. Foram 14 anos de luta de parte da sociedade organizada, fundamentalmente as organizações de perseguidos políticos, até que, finalmente, foi aprovada a Lei 10.559/2002, e criada a Comissão de Anistia, adstrita ao Ministério da Justiça, mas, um órgão do Estado, de acordo com a Constituição. Essa luta está descrita em meu livro Resistência e Anistia, a história contada por seus protagonistas, editora Alameda.

De promulgada a Lei de Anistia já se foram outros 20 anos e não se concluiu a Justiça Restauração. Nesse lapso, tivemos 12 anos de governo integrado por ex-presos e perseguidos políticos, anistiados ou não, e não concluiu o processo.

A partir de 2016, o governo do ilegítimo Michel Temer, que se diz professor de direito constitucional, começa o descaminho da Comissão de Anistia e, a partir de 2018, com os militares no poder, a sentença de morte para a Justiça de Transição e a Comissão de Anistia.

Com Temer, que chegou a ter 13% de aprovação, e no governo de ocupação, que tem entre 20% e 21%, Damares Alves indeferiu 95%. Em 2021, 13 mil processos parados e 630 processos indeferidos. Nesse mesmo ano, a Comissão anulou 122 processos da Aeronáutica e, em seguida, outros 295 da FAB e foram indeferidos 1.521 processos. A intenção manifesta pela ministra Damares Alves é liquidar com a Comissão de Anistia até o fim do mandato. Igualmente a Comissão de Mortos e Desaparecidos, está já com data marcada para ser extinta, 28 de junho.

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Mentira dizer que há 25 mil anistiados que recebem acima do teto. Em agosto de 2021, eram 7.200 civis anistiados e a média das pensões foi de R$ 3.880. Entre os militares anistiados, 3.288, a média é de 12.500. Claro que tem alguns que ganham mais e outros menos, de acordo com a função e o cargo que exerciam. Mas ninguém acima do teto. Isto só ocorre com os juízes e com os militares no governo. A prestação única, limitada por Lei em 100 mil. Se trata de uma reparação, de caráter indenizatório, pelos danos sofridos. O que paga uma vida?

Que fique bem clara a falácia de dizer que houve acordo de não punir os algozes do povo, os militares golpistas e aqueles que comandaram e perpetraram todo tipo de desmandos, entrega da soberania do país, censura, prisões arbitrarias, tortura, morte e desaparecimento de pessoas sob a guarda do Estado. 

Acordo com quem, cara pálida?

A questão se resume em que há um antes e um depois da Constituição de 1988. Como a transição foi tutelada pelos militares, a democracia resultante é isso que temos, uma democracia de fancaria. E a própria Constituição foi mutilada para anular direitos e consolidar privilégios, além do pecado mortal mais grave que foi o estupro da soberania.

A luta tem que ser centrada no cumprimento da Lei. Exigir que se cumpra a Constituição. É também com base no cumprimento da Constituição que se poderá reverter as violações praticadas pelos ocupantes ilegais do governo.

Paulo Cannabrava Filho é jornalista e editor da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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