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ToggleO Congresso peruano aprovou uma lei de impunidade para os repressores acusados de crimes de lesa humanidade. A norma, que declara a prescrição desses crimes cometidos antes de julho de 2002 e qualificada como uma anistia disfarçada, foi aprovada nesta quinta-feira pelo Parlamento, apesar das advertências de organismos nacionais e internacionais sobre sua ilegalidade.
Dois dias antes de sua aprovação, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) emitiu uma resolução dizendo ao Estado peruano que se abstenha de aprová-la por ir contra o direito à justiça das vítimas e às normas internacionais. Esta decisão do Congresso é um novo desacato à Corte IDH. No final do ano passado, o governo indultou o ex-ditador Alberto Fujimori desacatando uma decisão deste tribunal internacional que declarara ilegal este indulto.
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Os promotores desta lei fizeram uma encarniçada defesa dos repressores e da impunidade. Estimulada pelas bancadas do fujimorismo e do partido de ultradireita Renovação Popular, a lei beneficiará Fujimori e centenas de repressores.
Boluarte não deve vetar a lei da impunidade
O Executivo poderia vetar a lei e devolvê-la ao Congresso, mas não se espera que isso ocorra. Um dia antes de sua aprovação, o primeiro-ministro, Gustavo Adrianzén, evitou referir-se à postura do Executivo frente a esta lei, mas atacou duramente a Corte IDH por sua resolução em que solicitou que a lei não seja aprovada. Disse estar “indignado” com esta resolução, que qualificou de “intolerável”. Concordou em seus ataques à Corte IDH com os defensores da lei da impunidade. Uma declaração que revela o caminho favorável a esta lei que adotará o Executivo.
A presidenta Dina Boluarte não se pronunciou sobre o tema. Seu governo, responsável pela morte de 49 pessoas na repressão às manifestações sociais e que indultou ilegalmente Fujimori, mantém uma aliança com a direita e a ultradireita parlamentar que aprovou a lei.
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A lei que beneficia os repressores foi aprovada em segunda votação na Comissão Permanente do Congresso e não em Plenário. Obteve luz verde com o voto favorável de 15 parlamentares; houve 12 votos contra. No início de junho fora aprovada em primeira votação no Plenário com 60 votos a favor, 36 contra, 11 abstenções e 23 ausências. As bancadas que controlam o Congresso aproveitaram o recesso parlamentar para levar a segunda votação à Comissão Permanente, que neste período assume as funções do Plenário.
Lei promove a impunidade de Fujimori
Com esta decisão garantiram um debate mais curto e com menos divulgação em um conclave bastante mais reduzido, do qual só participam os principais dirigentes dos partidos, com o que evitavam fissuras e possíveis posturas dissidentes em suas bancadas no momento de votar a lei que pudessem pôr em risco sua aprovação.
Estabelece-se nesta lei que a tipificação legal de crimes de lesa humanidade e a imprescritibilidade desses delitos não poderá ser aplicada para as graves violações aos direitos humanos cometidas antes de 1° de julho de 2002, por ser esta a data em que o Peru aderiu ao Estatuto de Roma. Argumentação questionada por importantes juristas e organismos nacionais e internacionais.
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Matanças de comunidades camponesas, assassinatos, desaparecimentos forçados, torturas, violações sexuais cometidas durante o conflito armado interno entre 1980 e 2000 – que enfrentou o Estado e o grupo maoísta Sendero Luminoso, deixando cerca de 70 mil mortos – já não poderão ser julgados por ter prescrito. Condenados por crimes de lesa humanidade cometidos naqueles anos poderiam pedir a nulidade das sentenças afirmando que seus crimes já tinham prescrito quando foram processados.
Fujimori poderá solicitar a anulação do processo que corre contra ele pelo sequestro, tortura e assassinato de seis camponeses em 1991, processo do qual o indulto que lhe permitiu sair da prisão em dezembro passado não o libera. De acordo com a Procuradoria da Nação, há cerca de 600 processos judiciais que se truncariam com esta lei ao ser declarada a prescrição dos delitos.
Lei da impunidade é “horrorosa”
Carlos Rivera, do Instituto de Defesa Legal, advogado de familiares de vítimas de violações dos direitos humanos, qualifica esta lei como “horrorosa, uma iniciativa tosca para gerar impunidade”. Indica que a comunidade internacional “reconhece há muitíssimos anos a tipificação de lesa humanidade como uma forma de qualificar delitos particularmente graves, horrendos, que não podem ser considerados crimes comuns e não prescrevem; não é verdade que isto exista só desde 2002 com o Estatuto de Roma. Há um desenvolvimento intenso na jurisprudência internacional e da Corte Suprema peruana nesse sentido”.
Adianta que promulgada esta lei recorrerão aos juízes para que não a apliquem por ir contra normas internacionais que o Peru se comprometeu a cumprir e por ser inconstitucional. “Minha impressão é que os juízes vão defender suas sentenças. Mas os acusados poderão recorrer ao Tribunal Constitucional, onde esperam ganhar porque agora esta instância é favorável a eles. Vem aí um litígio muito intenso”.
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Em 1995, Fujimori promulgou uma lei de anistia para os repressores que foi revogada depois da queda de sua ditadura no final do ano 2000. Em 2010 o ex-presidente Alan García promulgou uma lei similar a esta norma de impunidade recém aprovada, que pouco depois também foi derrogada e declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional de então. Agora o fujimorismo e seus aliados voltam a buscar a impunidade.