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A espiral de uma guerra sem fim entre Estados Unidos, Talibã e Afeganistão

O pretexto de Trump para cancelar as negociações de um acordo de paz parece pouco crível
Adriana Robreño
Prensa Latina
Cidade do México

Tradução:

Quando muitos pensavam que se aproximava o fim de quase duas décadas de guerra no Afeganistão, as esperanças se esfumaram com o aumento da violência após o fim dos diálogos entre os Estados Unidos e os talibãs.

Depois que o presidente estadunidense, Donald Trump, dera por “mortas” as conversações com o movimento insurgente, os fatos violentos sacodem essa nação com mais frequência que o habitual e diariamente as notícias dão conta de mortes em diversas províncias do país.

Por um lado, os rebeldes intensificaram as ofensivas para ocupar mais território e pressionar desde uma posição de maior poder, e por outro Washington aumenta as campanhas de bombardeios para reduzir a influência do grupo rebelde.

O resultado é uma espiral de violência que afeta a população civil, que – de acordo com cifras oficiais da Missão da ONU no Afeganistão (Unama) — sofreu até o mês de julho 363 baixas, entre elas 89 crianças.

Ademais, as Nações Unidas estimam que nos meses que vão de 2019, o número de vítimas causadas pelas tropas estrangeiras e pelas forças de segurança afegãs é superior às ocasionados pelos talibãs.

Exemplo disso é o bombardeio ocorrido em 19 de setembro, quando aviões dos Estados Unidos atacaram uma zona de Wazir-Tangi, província de Nangarhar, e causaram a morte de pelo menos 25 granjeiros e deixaram feridos outros vinte.

O pretexto de Trump para cancelar as negociações de um acordo de paz parece pouco crível

Wikimedia Commons
Guerra do Afeganistão

Negociações canceladas

O pretexto de Trump para cancelar as negociações de um acordo de paz com o movimento talibã, parece pouco crível quase duas décadas depois da invasão do Afeganistão em 7 de outubro de 2001. 

O mandatário manifestou em sua conta do Twitter que dava por finalizadas as conversações devido à morte de um soldado norte-americano em um atentado do grupo rebelde na capital afegã, que custou a vida a outras 11 pessoas. 

Após tantos anos de conflitos e meses de negociações, a explicação resulta simples e até oportunista, segundo analistas, porque na realidade trata de ocultar as verdadeiras razões para abandonar o rascunho de um pacto onde estava prevista a retirada de cinco mil militares do Pentágono.

Os termos do convênio também supunha o compromisso dos talibãs a não permitir que o país fosse usado para ataques contra Washington ou seus aliados.

Parece que o abrupto fim das conversações se deve a enfrentamentos internos no executivo de Trump, onde alguns se empenham em prosseguir a empantanada guerra -como o recém destituído assessor de Segurança Nacional, John Bolton- e outros se inclinam por terminar um conflito que consideram sem sentido. 

Não é a primeira vez que fracassa uma aproximação entre Washington e os talibãs que pudesse conduzir a finalizar a prolongada guerra no país centro-asiático, desatada como consequência de uma suposta cruzada contra o terrorismo promovida pela Administração de George W. Bush após os atentados de 11 de setembro de 2001. 

As estatísticas confirmam que essa guerra é a mais prolongada da história do país norte-americano fora de suas fronteiras e, embora publicamente Trump tenha expressado seus intenções de termina-la, ainda se encontram em solo afegão 14 mil efetivos do Pentágono e de seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

O diário The Washington Post publicou recentemente que a intervenção estadunidense no Afeganistão provocou a morte de uns 2.400 membros dos serviços armados norte-americanos, incluídos 16 em combate neste ano, enquanto mais de 20 mil foram feridos. 

Até agora as tropas estrangeiras fracassaram em seu empenho de implementar a proclamada Operação Liberdade Duradoura, com a qual levariam “democracia, pacificação, segurança e prosperidade” aos habitantes do país da Ásia Central, que só viram balas e bombas nas últimas décadas. 

Entretanto, fica no ar uma lista de 15 representantes do Executivo afegão, que conversariam pela primeira vez em forma direta com líderes do grupo insurgente em Oslo, com a mediação norueguesa, uma vez que sejam retirados os efetivos estadunidenses.

Eleições ameaçadas

Nesse contexto, o movimento talibã sabota o processo eleitoral no Afeganistão por considerar que potências estrangeiras manipulam as presidenciais que aconteceram no dia 28 de setembro.

Após um atentado que provocou mais de 20 mortos em um comício eleitoral de que participava o presidente afegão, Ashraf Ghani, aspirante à reeleição, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, pediu aos insurgentes que permitissem a realização dos sufrágios com segurança.

Os rebeldes recordaram que as eleições de 2014 estiveram marcadas pela interferência direta dos Estados Unidos,  e o então secretário de Estado norte-americano, John Kerry, negociou os resultados sem se importar com os votos do povo.

Nos Estados Unidos o ambiente eleitoral também influi na chamada guerra interminável, pois uma das promessas de campanha de Trump era tirar do território afegão as tropas do Pentágono, algo que não cumpriu e pode pesar em suas aspirações de reeleição. 

A necessidade de sair do Afeganistão sem dar a impressão de ser uma derrota, é fundamental de cara aos eleitores do magnata republicano, que tornou a prometer publicamente finalizar o conflito no país centro-asiático antes das eleições presidenciais de 2020.

Estudiosos opinam que os Estados Unidos não sabem como pôr fim à intervenção no Afeganistão sem que fique evidente o fracasso da aventura militar, e enquanto isso continua ali a espiral de violência. 

*Jornalista da Redação Internacional

**Tradução: Beatriz Cannabrava

***Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Adriana Robreño

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