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Onda fascista nos EUA: Seria este o último 4 de julho do país como república democrática?

Decisões da Suprema Corte nas últimas semanas representam o maior giro conservador desde 1931 e mais medidas podem estar a caminho
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Texto escrito por David Brooks, do La Jornada, na manhã deste domingo (4), antes dos tiroteios ocorridos em diversas localidades dos EUA.

Os Estados Unidos oficialmente nasceram em 4 de julho de 1776 de contradições fundamentais que não foram superadas durante quase dois séculos e meio. Por um lado, proclamaram sua existência com grandiosos princípios de liberdade e igualdade para todos seres humanos em sua Declaração de Independência e mais tarde em sua Constituição. Por outro, construíram seu país sobre a escravidão de africanos e seus descendentes e as terras roubadas de povos indígenas e depois ao México. Tampouco conseguiu resolver outro problema de origem: pode ser uma democracia um poder imperial? 

De quem é o 4 de julho? Frederick Douglass, o grande abolicionista, ex-escravo afro-estadunidense e editor do extraordinário periódico North Star, declarou em seu famoso discurso sobre o 4 de julho de 1852: “O que compartilho eu, ou os que represento, com a independência nacional de vocês? Aqueles grandes princípios de liberdade política e de justiça natural, encarnados nessa Declaração de Independência nos incluem? Este quatro de julho é de vocês, não meu… Estados Unidos são falsos ao passado, falsos ao presente, e solenemente se atam para serem falsos ao futuro… Por barbarismo repugnante e hipocrisia sem vergonha, Estados Unidos reinam sem rival.

4 de julho: com democracia contestada, independência dos Estados Unidos ainda está em disputa

Os avanços em direitos políticos e liberdades civis – direitos trabalhistas, igualdade racial, direitos das mulheres, dos imigrantes e da comunidade gay e mais – tudo fruto de movimentos sociais que foram e são as forças democratizadoras deste país – agora enfrentam uma desatada reação direitista que está pondo em dúvida a viabilidade da democracia estadunidense.  

Só nesta semana passada, uma série de decisões da Suprema Corte – anulando o direito constitucional ao aborto, reduzindo limitações sobre armas de fogo, erodindo a divisão entre Igreja e estado, e limitando a autoridade do governo para proteger o meio ambiente – marcou um giro conservador sem precedentes desde 1931 na máxima instância de “justiça”, e se promete mais do mesmo.

Isto é acompanhado pela incessante promoção de medidas estaduais para suprimir e manipular o voto, tentativas de proibir livros considerados anti-patrióticos por se atreverem a abordar episódios escuros da história do país ou por serem pró gay, enquanto legisladores estaduais e outros estão promovendo mais medidas para criminalizar mulheres que busquem um aborto, incluindo acusá-las de homicídio, tudo sob ameaças de violência política direitista.

Decisões da Suprema Corte nas últimas semanas representam o maior giro conservador desde 1931 e mais medidas podem estar a caminho

Wikimedia Commons
Resistência, expressada em múltiplas frentes e níveis, a toda esta ofensiva direitista, está comprometida com o resgate do país

Neste passado fim de semana, nas ruas de Boston, um dos berços da independência, dezenas de integrantes do Patriot Front, organização neofascista, marcharam com rostos cobertos e uniformes cor de café. Outra organização parecida, os Proud Boys, passearam, mascarados, pelo centro da Filadélfia, onde foi firmada a Declaração da Independência.  

A resistência, expressada em múltiplas frentes e níveis, a toda esta ofensiva direitista, está comprometida com o resgate do país, defendendo as conquistas progressistas das últimas décadas e uma parte buscando retomar a bandeira do reverendo Martin Luther King a favor de uma “revolução moral” pela justiça social, política e econômica e pela liberdade de expressão. O mosaico inteiro destas expressões coincide com o que se chama democracia nos Estados Unidos ante uma crise existencial. 

E ante a ressurreição da retórica da Guerra Fria na política exterior, velhas vozes antiguerra se somam a esta nova resistência: “recuso que meu governo me diga que tenho que odiar outro ser humano, e dizer-me que esta pessoa é meu inimigo… onde tenho que aplaudir quando as bombas caem e começam a matar civis… A quem devo odiar e quem é o inimigo?”, comenta Ron Kovic, o veterano do Vietnã cuja autobiografia se converteu no filme “Nascido em 4 de julho”. 

Agora a pergunta nesta segunda-feira é se os Estados Unidos estariam festejando seu Dia de Independência pela última vez como uma autoproclamada república democrática.

Bônus Musical | Bruce Springsteen – Born in the USA

David Brooks é correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução de Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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