Aquela famosa frase “todos os dias amanheço bonito, mas hoje… exagerei” pode ser aplicada agora ao grande exercício eleitoral mexicano, onde alguns observadores e meios de comunicação estadunidenses – ecoando suas contrapartes no México – se queixam de que a democracia agora está ameaçada porque os mexicanos exageraram no dia 2 de junho. Ou seja, ao que parece, democracia demais é nociva para a democracia (uma ideia de que não há contrapesos, etc.), segundo esses autoproclamados juízes da democracia que sabem quanta democracia é aceitável e quanta não.
Mas ainda mais absurdo é que os estadunidenses que se somam a essa narrativa de “too much democracy” no México vivem em um país onde o debate político gira em torno de uma “crise existencial” de sua própria democracia, e onde se adverte (desde o presidente até líderes políticos) que a próxima eleição pode levar não só a “too little democracy”, mas pode fundir o farol desta democracia.
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Em relação à eleição no México, o editorial do Washington Post foi intitulado “Como a eleição democrática do México poderia minar a democracia mexicana”. O Wall Street Journal, em seu editorial, expressou alarme diante de um triunfo tão avassalador da esquerda como algo que pode ameaçar a ordem constitucional, enquanto o influente analista político David Frum escreveu no The Atlantic, em um artigo intitulado “O Estado falido que vive ao lado”, que com os resultados de 2 de junho, Biden agora enfrenta sua próxima grande crise externa: um vizinho do sul que caminha para o autoritarismo e a instabilidade. Ou seja, segundo esses editoriais e comentários de especialistas em vários think tanks nos Estados Unidos, a expressão excessiva da vontade do povo é nociva para o demos.
É quase como se esses meios, a cerca de 50 anos do golpe no Chile, estivessem quase justificando aquela famosa frase de Kissinger após a eleição de Allende: “não sei por que temos que ficar parados e observar um país se tornar comunista pela irresponsabilidade de seu povo…”
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Mas agora esses comentários vêm de um país que pela primeira vez sofreu uma tentativa de golpe de Estado há cerca de quatro anos, onde a cúpula quase inteira de um dos dois principais partidos nacionais se submeteu ao seu chefe Trump para declarar que não se comprometerão a reconhecer o resultado da próxima eleição se perderem (ou seja, para que ter a eleição?). Ainda mais, o candidato é um criminoso condenado, um estuprador de mulheres, empresário culpado de fraude e que enfrenta mais de 50 acusações criminais adicionais, que promete abertamente que se for eleito usará as forças armadas para reprimir opositores, o Departamento de Justiça para perseguir seus inimigos e anulará direitos e liberdades civis.
Noam Chomsky, em uma entrevista em 2022, advertiu que embora Trump e seu “partido neofascista” tenham fracassado em seu golpe de Estado, prosseguiram com “um golpe de Estado suave para assegurar que na próxima vez seja bem-sucedido”.
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Ante tais ameaças “existenciais” à democracia estadunidense, talvez esses vizinhos do lado que exageram sua democracia poderiam prestar ajuda aos Estados Unidos oferecendo equipes de consultoria e especialistas em sistemas eleitorais, dar cursos sobre como funciona uma eleição, entre outras coisas que até recentemente os Estados Unidos ofereciam a países latino-americanos. Os mexicanos poderiam compartilhar experiências com eles sobre como lutar contra a corrupção e a manipulação eleitoral em todos os níveis, incluindo a Suprema Corte, como frear e tornar transparente o uso de dinheiro privado na compra de candidatos, e até sugerir reformas, incluindo o voto direto para presidente, e oferecer observadores eleitorais nesta próxima eleição.
Porque se há algo que os Estados Unidos necessitam agora é não só amanhecer um pouco mais democrático a cada dia, mas exagerar.
La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.