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Paraguai

Fernando Lugo: "Golpe do Paraguai foi contra integração da América Latina"

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Revista Diálogos do Sul

2018-06-25T13:33:13.000Z

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Eleito em 2008, o ex-bispo católico Fernando Lugo chegou à presidência do Paraguai rompendo com seis décadas do conservador Partido Colorado à frente do governo, sendo 35 anos de uma ditadura militar. Para alcançar a vitória, a Aliança Patriótica para a Mudança formou uma coligação entre setores populares e partidos políticos, inclusive o Partido Liberal.
Paola Estrada, no Brasil de Fato
Mudanças importantes ocorreram durante o governo de Lugo, como em relação à soberania energética e à saúde pública. Além disso, houve avanços na integração regional, com a participação ativa do país na Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e no Mercosul (Mercado Comum do Sul). Este era um momento de alianças entre os diversos governos progressistas da região: Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Venezuela e o próprio Paraguai. No entanto, o mandato de Lugo durou apenas três anos e dez meses, e foi interrompido bruscamente por um Golpe de Estado, camuflado por um processo de juício político (julgamento político), conduzido pelo Parlamento de maioria opositora, que o depôs em menos de 24 horas.
O ex-presidente paraguaio Fernando Lugo recebeu o Brasil de Fato em sua casa, em Assunção (Paraguai) / Foto: Paola Estrada
Personagem central desse processo, que completa seis anos neste 22 de junho, última sexta-feira, o atual senador reeleito pela Frente Guasú Fernando Lugo, com uma distância temporal em relação ao fato, analisa quais foram as forças envolvidas no golpe, os setores que mais foram afetados por ele, além dos erros e acertos das forças populares neste momento. "A oligarquia e a direita são sempre muito solidárias e bem coordenadas em nível regional e local quando estão em jogo os seus próprios interesses", afirma Lugo, citando multinacionais do setor do agronegócio como forças que impulsionaram o golpe paraguaio. Ao mesmo tempo, o ex-presidente aponta: "Temos que reconhecer que faltava uma grande organização popular que participasse da defesa do governo". O primeiro de outros golpes que viriam a acontecer na América Latina nessa virada de século, o Paraguai deixou lições para os setores progressistas da região, como explica Lugo. "Primeiro, ganhar eleições não é tudo", afirma, complementando que: "Outra grande lição é ter um projeto à longo prazo. Não podemos apenas responder às conjunturas temporais. Esse sonho tem que ir sendo alimentado cotidianamente". Confira a entrevista completa:

Paola Estrada: Em que contexto se deu a sua vitória como presidente do Paraguai em 2008?

Fernando Lugo: O triunfo de 2008, da  Aliança Patriótica para a Mudança no Paraguai se dá com um elemento importante que é o do contexto da região latino-americana, de governos progressistas, que marcaram a diferença com os governos de partidos tradicionais. Conformou-se um mapa político novo. E nós dizíamos que Paraguai não poderia destoar na região. Paraguai vinha de um governo de mais de 60 anos de um partido hegemônico, grande, que sabe ganhar eleições, que tinham entre seus membros que nunca acreditaram que poderiam ser derrotados, mas também um partido desgastado. Dentro disso, havia dívidas sociais históricas, que abriu para que movimentos sociais emergentes que confluíram em um projeto, que é o Aliança Patriótica para a Mudança. Um elemento importante foi a emergência de uma liderança diferente, fora da política e de uma linha progressista da Igreja, da Teologia da Libertação, marcado pela opção preferencial pelos pobres, o que é raro, e que soube aglutinar modelo, projeto e pessoas. O que conformou em uma ampla aliança contra o Partido Colorado [que governava até então]. E isso fez com que se elaborasse uma proposta com seis eixos programáticos e uma campanha eleitoral que nos deu a vitória em 2008.

Como se caracterizou o golpe de 22 de junho de 2012?

Nós classificamos como um golpe parlamentar, que se dá no contexto do Parlamento, utilizando uma figura jurídica constitucional, que é o julgamento político, mas de maneira muito grosseira, terminando em 17 horas. Um julgamento político, que não se dá em nenhum caso, nem com o pior criminoso. Não se faz um julgamento express, rápido, com uma pessoa que foi eleita democraticamente. Além disso, o golpe tem uma conotação política muito forte, que é a mudança de um governo, um modelo. E quem assume depois é alguém do Partido Liberal, que é um partido ultraconservador, representante da oligarquia nacional, que em pouco tempo destruiu tudo o que havíamos construído durante três anos e dez meses.
Paraguaios festejam vitória do candidato da Aliança Patriótica para a Mudança, Fernando Lugo| Foto: Wikicommons

Contra quem foi dado o golpe de 2012?

Os grupos mais vulneráveis, a quem nós privilegiamos. Em primeiro lugar, o grupo dos indígenas, dos povos originários. Em segundo lugar, aqueles que foram beneficiados pelas grandes políticas sociais do Estado, pessoas sem-teto, sem-terra, sem-saúde, sem-educação, sem-infraestrutura, aqueles marginalizados da sociedade. Em terceiro lugar, o golpe foi contra a integração da região e isso nós consideramos muito importante; foi um golpe contra o Mercosul, a Unasul e a Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]. Golpearam, nesse sentido, a integração que estávamos promovendo. Em 2009, 2010, com a participação do nosso governo na Unasul, faz com que nos somemos e não destoemos da política da região, como gostávamos de afirmar, e estávamos presentes promovendo uma integração não somente de protocolo, mas uma integração cultural, dos povos originários, teológica, eclesial, progressistas, dos sindicatos, do movimento operário, pondo um rosto humano na integração.

Quais as forças econômicas e políticas que dirigiram o golpe?

Os grupos econômicos de fora e de dentro [do país]. As grandes multinacionais tiveram uma participação muito forte em tudo isso. Principalmente do agronegócio, agroexportador, a Cargill, Dreifuss, ADM, Monsanto e outras que estavam vendo sua forma de investir e retirar os recursos naturais do país [serem ameaçadas]. E a oligarquia local associada a este grupo das multinacionais, dos pecuaristas, dos dedicados ao agronegócio, das pequenas indústrias, que tiveram como uma aliada também as corporações dos meios de comunicação. A oligarquia e a direita são sempre muito solidárias e bem coordenadas em nível regional e local quando estão em jogo os seus próprios interesses.

Entendemos que, no Brasil, uma coalizão formada por parcelas do Poder Judiciário, da Polícia Federal, do Ministério Público e dos grandes meios de comunicação dirigiu política e ideologicamente o golpe. Como foi no Paraguai a participação desses poderes?

Aqui se focou no Parlamento, só no Parlamento. Por isso o tipificamos como um golpe parlamentar. A Justiça estava quase escondida. Mas houve imputações [de crime], depois do fato de Curuguaty. Precisamente, fomos todos investigados e para declarar o papel de responsabilidade e de participação no fato desses cidadãos paraguaios. Várias pessoas foram condenadas injustamente, sem um processo transparente. Em Curuguaty só foram investigados os camponeses, ninguém investigou a morte dos camponeses, e também houve execuções extrajudiciais, recentemente comprovados. Mas essa linha de investigação não foi realizada pelo Ministério Público (Fiscalía).

Como foi a resistência em relação ao golpe?

Aí estão dois elementos. Uma parte dos cidadãos não acreditava que pudesse haver golpe, por conta das tentativas anteriores. Muitas pessoas acharam que era uma tentativa mais, das 20 que haviam acontecido anteriormente, e que isso não ia se concretizar. Em segundo lugar, temos que reconhecer que faltava uma grande organização popular, que participasse da defesa de um governo que correspondia aos grandes interesses dos setores populares. Isso é uma falha e uma autocrítica também. Porque, no momento, não havia grandes espaços de resistência, os que tinham não foram suficientes para ter um impacto e fazer retroceder o golpe parlamentar que se estava desenvolvendo de maneira rápida.

Quais são as diferenças das políticas praticadas em seu governo e aquelas do governo golpista?

Em primeiro lugar, uma das estrelas do nosso governo era a gratuidade da saúde. As pessoas se lembram até hoje. E foi um programa muito bem elaborado a partir da experiência do Brasil, de Porto Alegre. Este é o único projeto de governo bem elaborado, desenvolvido e implementado imediatamente dentro do Paraguai. Isso foi algo que retrocedeu. Outro retrocesso foi com as negociações de Itaipu, que vínhamos fazendo com os governos de Lula [no Brasil] e com o de Cristina [Kirchner, na Argentina]. Em terceiro lugar, as políticas sociais diminuíram consideravelmente, e emergiu um grande governo de corrupção, que foi uma mudança significativa também. E com o silêncio cúmplice das organizações midiáticas, que estiveram também envolvidas com isso. Na questão dos investimentos para os setores desprotegidos quase desapareceram.
Marcha em Assunção em 10 de dezembro de 2012 pedindo a restituição de Lugo e esclarecimento sobre o massacre de Curuguaty | Foto: Wikicommons

A questão da terra, a partir do Massacre de Curuguaty, foi crucial para o início do golpe no Paraguai, como você avalia esse tema?

Uma das questões que irritou muito [quem promoveu o golpe] foi iniciarmos, ainda que timidamente, uma discussão sobre a reforma agrária no Paraguai. Foi um elemento desencadeante para a oligarquia, os grandes proprietários rurais levantarem e dizer "cuidado com isso, porque pode iniciar outra Cuba, outra Venezuela". Eles se sentiram ameaçados pelas desapropriações, as fiscalizações de suas empresas. Esse foi um elemento que, com realidade e fantasia, eles manejavam em seus círculos e que em termos de realidade não havia muito, pois era um início de uma discussão apenas. Eu costumo afirmar que enquanto no Paraguai não houver um cadastro nacional de propriedades, enquanto não haja uma justa distribuição de terras, não haverá paz social no país. E isso continua, os sem-terra se transferiram do campo para a cidade, os grandes assentamentos camponeses voltaram a assentamentos urbanos hoje em dia. E isso vai seguir. Há um déficit habitacional ao redor de Assunção [capital do país] que quase chega a umas 500 mil, ou 1 milhão de moradias. E outro elemento muito importante é o cuidado com o meio ambiente e os recursos naturais, que também estão ameaçados, porque sempre os grupos privilegiados sempre se basearam na exploração dos recursos naturais.

Gostaria que o senhor fizesse uma comparação entre os golpes atuais e os golpes clássicos, como foi o de 1954 promovido pelo general Alfredo Stroessner, no Paraguai, ou de 1964 no Brasil.

Uma das maneiras de entender os golpes é em entender com os grandes interesses do poder. A teoria clássica dos golpes das décadas de 50, 60 e 70, tudo se gestava dentro dos quartéis militares, que tinham seus interesses econômicos, políticos, sociais, de recursos naturais e que respondiam a um modelo determinado. E com a relevante participação, às vezes aberta, às vezes solapada, de elementos internacionais. Quando o golpe do Paraguai, pela mesma Constituição do Paraguai, o poder estava focado no Parlamento. E diminui muito o poder do Executivo, dos militares e se centralizava no Parlamento, por isso um golpe parlamentar. A partir do centro do poder que é o Parlamento, aí se focaliza, realiza e gestiona o golpe. E todo o golpe é uma ruptura de um processo. E esses [novos] golpes são muito mais elaborados, são jurídico-midiáticos, como foi o da companheira Dilma, das corporações midiáticas, que alimentam, dão insumo com falsas verdades, atacando a pessoa em sua moral, como fazem com Lula, por exemplo, e com os demais atores progressistas. Mas há uma perfeita harmonia entre a questão midiática e a da Justiça. Com o golpe do Paraguai, se utiliza de uma instituição democrática, como o Parlamento, também no golpe do Brasil se utiliza de uma instituição tão importante como é a Justiça, que tem que ser independente, mas é usada, manipulada por interesses que a partir de setores mais escondidos estão participando. Mas o resultado é o mesmo: a mudança de um modelo, dos interesses, sobretudo econômicos, a mudança para um grupo oligárquico que prepara, elabora, e que aflora. Como nos casos de Lula, [da presidenta do PT e senadora] Gleisi Hoffmann, se vê que a Justiça está meramente manipulada por interesses econômicos, políticos e de outros setores.

Como o senhor avalia esse processo de novos golpes na América Latina, a que fatores se deve?

Creio que é um ponto muito importante, porque os golpes que foram aplicados em Honduras, Paraguai e Brasil não são golpes isolados. A América Latina, com as ditaduras militares, e depois com as pseudodemocracias, sempre foi um território colonial dominado pela política exterior norte-americana. Nenhum país pode negar que foi tutelado. E este esforço de governos progressistas de que pudessem pensar por si próprios um modelo diferente, falar de uma segunda independência, de soberania em termos políticos mais fortes, é muito difícil acontecer diante da ingerência de governos internacionais e das multinacionais, de governos poderosos como os do norte, que tem tanta influência nos países do sul. Eu sempre digo que, possivelmente, os Estados Unidos se descuidaram um pouco e daí surgiram muitos governos progressistas ao mesmo tempo. E isso nos permitiu crescer. Para fazer uma paralelo, há cinquenta anos atrás, o processo revolucionário cubano foi cercado pelos estadunidenses para que não se pudesse estender essa experiência revolucionária de 59. E o mesmo aconteceu aqui: não podiam se dar ao luxo de que os governos progressistas se estendessem. E pegaram poucos países, como Peru e Colômbia, que eram centros de operações para que estes governos progressistas não se ampliassem. O mapa político de governos progressistas abarcava quase dez ou doze países em uma década e isso iria crescendo para a América Central, para as Antilhas, para o Caribe, haviam governos progressistas solidários com os povos que teciam novas redes de solidariedade e demarcavam sua soberania e independência. E eles não podiam permitir que isso seguisse crescendo. Então eu creio que em contraposição vem esta onda de golpes, em Honduras, Paraguai, Brasil, em alguma medida na Argentina, tentativas de golpe como na Bolívia e no Equador, que fracassaram e o que está muito vigente é essa campanha de romper os governos progressistas que poderiam crescer.

Quais são as lições do golpe para a esquerda paraguaia?

Primeiro, que ganhar eleições não é tudo. Podem-se ganhar eleições, mas a um preço muito alto. E esse preço é não ter governabilidade. É não ter como preencher as expectativas dos setores populares. E aí estão os acordos políticos, creio que muito inteligentemente o Lula fez com setores da direita, mas com responsabilidade social. Aqui, nós fizemos essa aliança com um partido tradicional da direita - o que é um experimento estranho, de água e óleo -, no qual havia uma grande incompatibilidade de princípios e opções. Nós entramos para competir em um campo hostil, que são os sistemas eleitorais dominados pelas mãos da direita. E aí vencemos. Inquestionavelmente. Foi a vitória da Aliança Patriótica para a Mudança em 2008. A segunda lição é que quanto à governabilidade, acho que a euforia, muitas vezes, nos dá confiança demais. E não é assim. Temos que trabalhar com alianças duradouras, não somente conjunturais, e eu creio que de alguma maneira aqui confiamos demais em nossos aliados, que foram os primeiros que conspiraram contra um projeto diferente. Em terceiro lugar, outra grande lição é ter um projeto à longo prazo. Não podemos apenas responder às conjunturas temporais. Esse sonho tem que ir sendo alimentado cotidianamente. Em quarto lugar, outra grande lição, é que não tínhamos quadros suficientes para tomar o poder. As lideranças não se criam da noite para o dia. Temos que aceitar que houve um grande acúmulo de experiências, de vitórias e derrotas de setores populares no Paraguai, mas não foi suficiente. Não tínhamos quadros para as grandes instituições, então, por exemplo, o sistema bancário paraguaio se manteve intacto. E eu sempre uso uma figura bíblica de que nós colocamos vinho novo em velhas garrafas, quer dizer, colocamos novas ideias, novas pessoas, mas em estruturas velhas. E a estrutura carcome e traga as novas pessoas. Fomos prisioneiros de uma burocracia muito antiga. De um sistema orçamentário muito tradicional - e que e persiste até agora. Acho que temos muitas lições aprendidas. E isso faz com que hoje em dia os movimentos, e os partidos progressistas que estão na linha de frente tenham uma visão mais clara do que é a questão eleitoral, o poder, administrar o poder, e o que é governabilidade com os acordos mais justos que se possam fazer para chegar ao futuro.

Você acredita que seria possível evitar o golpe?

Sim. Mas o preço seria muito alto. Podíamos ter evitado se entrássemos na maquinaria da corrupção. E preferimos sair limpos. Porque aqui a consciência, o Parlamento, os votos, também são regidos pela lógica de mercado. Eu não sei quanto custaria, mas me disseram, não sei se é verdade, que se tivéssemos 8 milhões de dólares, esse golpe poderia ter sido evitado. A derrota, em termos democráticos, foi catastrófica. Foram 39 contra dois. Nunca um Parlamento tão bem coordenado e organizado, na mão da direita, esteve tão bem alinhado. Eram as mesmas forças que foram nossos aliados, aquelas que conspiravam desde o princípio para saquear o Estado e depois administrá-lo à seu gosto.

O golpe no Brasil não tinha somente o interesse de tirar Dilma do governo, mas atendia a interesses maiores, e, inclusive, está em curso até hoje. O golpe no Paraguai também segue em curso até hoje?

Sem dúvida. Os golpes foram parte de um processo amplo. O golpe mesmo, o forte, se dá em um momento conjuntural, como ficou marcado naquele 22 de junho de 2012. Evidentemente que as consequências do golpe vêm depois, e ele vai sendo fortalecido ao longo do tempo. Mas também é importante dizer que as pessoas tem uma consciência e lembram e valorizam o governo que aconteceu entre 2008 e 2012. Está na memória de grande parte da cidadania. E lembram do golpe como um feito, como um processo, que até agora não pode ser enterrado. É como eu dizia: quando caiu o Lugo, caíram também os camponeses, trabalhadores, indígenas e estudantes. Mas, como se diz, nos enterraram mas no enterro havia uma grande semente que ressurgiu, com mais força, e hoje tem mais espaço de poder inclusive do que podíamos ter conquistado nas eleições. O processo é lento, porque o golpe foi forte, e há novas estratégias, muito mais sofisticadas, para os dois lados, que fazem com que o golpe siga em frente. Por exemplo, a questão dos espaços de poderes que são permitidos, a questão da financeirização da política, hoje para os partidos da direita chovem ofertas de ajuda e nós nos endividamos, e aquilo que eles compram, nós temos que conquistar com suor cotidiano. Mas estamos saindo disso, e eu sou otimista, e acho que somos vitoriosos e estamos nos recompondo depois de 2012.

Edição: Vivian Neves Fernandes

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Saúde

Consequência de equívocos na logística, Brasil vive escassez de imunizantes contra Covid-19

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Para Eder Frois, mestrando de engenharia na Unicamp, não comprar com antecedência foi erro grave. "Deveria ter ocorrido o planejamento”

Deborah Moreira

SEESP / Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo SEESP / Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo

São Paulo (SP) (Brasil)
2021-03-05T21:29:00.000Z

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O Brasil vive neste momento uma escassez de imunizantes para o novo coronavírus, consequência de equívocos em logística que têm comprometido a vacinação.

O primeiro desses erros foi ter apostado todas as fichas numa única vacina, a do Laboratório AstraZeneca, da Universidade de Oxford, que acabou atrasando a importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Faltou planejamento integrado, que teria antecipado todos os cenários possíveis, inclusive os mais catastróficos, o que daria ao País um leque de possibilidades para contornar a crise atual. É o que apontam especialistas ao Jornal do Engenheiro.

Atuando há 15 anos nesse segmento, sendo os últimos seis como gerente no setor farmacêutico, Eder Frois explica: “Existem quatro grandes macroprocessos na logística: compra, produção, distribuição e logística reversa. Um quinto processo integra todos esses, que é o planejamento integrado.”


Para Eder Frois, não comprar com antecedência foi erro grave. Mestrando do Programa de Engenharia de Produção e Manufatura da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele considera um “erro grave” o Brasil não ter efetivado a compra das vacinas no momento em que os fabricantes sinalizaram com resultados positivos nas primeira e segunda fases de testes clínicos, entre julho e agosto de 2020.

“Tão importante quanto o desenvolvimento da vacina é fazer com que ela chegue à população. Antes da parte operacional, deveria ter ocorrido o planejamento”, reforça o especialista em análise de processos logísticos.

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ratifica que assumir o compromisso de aquisição naquele momento era um risco necessário. “Ninguém comprou vacina sem no mínimo saber como estavam os primeiros resultados. Em geral, quando as fases 1 e 2 dão certo, já é um indicativo que a fase 3 também dará”, aponta ele, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

No Brasil, Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), respectivamente dos governos estadual e federal, correram esse risco ao assinarem acordos de compra de IFA e de troca de tecnologia, prevendo envase do insumo e produção local. O primeiro apostou na Coronavac, do laboratório chinês Sinovac Biotech, e o segundo, na do Laboratório AstraZeneca, da Inglaterra. 

Atraso e desorganização

 No País, estão sendo vacinadas em média 250 a 300 mil pessoas por dia. Número inexpressivo, se comparado a campanhas nacionais. Em 2010, na imunização contra o vírus H1N1, foram 100 milhões de pessoas em três meses. Em 2020, vacinaram-se quase 80 milhões contra a gripe, também em um trimestre. Uma média de 1 milhão ao dia.

 Agravante em meio à pandemia são os adiamentos e recusas feitos pelo Ministério da Saúde (MS). Seu Plano Nacional de Imunização de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em 16 de dezembro último, já está na quarta edição, sofrendo diversas modificações. A principal delas diz respeito à disponibilização das vacinas, espinha dorsal do plano.

 Isso porque o Ministério segue em negociação com diversas farmacêuticas, sendo elas Janssen, Moderna, Gamaleya, Pfizer, Sputnik V, dentre outras. Ainda assim, a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19 teve início no dia 18 de janeiro de 2021.

 No plano, o MS prevê obter 350 milhões de doses para o ano, sendo 102,4 milhões até julho próximo e mais 110 milhões (já em produção nacional) entre agosto e dezembro da vacina proveniente da parceria da Fiocruz com o laboratório de Oxford. Também conta com 46 milhões de doses da Coronavac no primeiro semestre deste ano e 54 milhões no segundo semestre.

 Na primeira versão do plano havia previsão de que o Brasil receberia 70 milhões de doses da Pfizer-BioNTech, cujo registro definitivo foi dado somente em 23 de fevereiro pela Anvisa, a qual estendeu a autorização para importação às clínicas privadas. Na atual situação emergencial, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve usar inclusive as que não forem adquiridas diretamente pelo governo, de acordo com a Constituição Federal.

 Naquele momento inicial, o governo brasileiro recusou a remessa, alegando falta de garantias. A Pfizer fez uma segunda oferta de 2 milhões de doses. No entanto, o MS divulgou nota em 23 de janeiro afirmando ter novamente recusado, desta vez por ser pouca quantidade, o que "causaria frustração em todos os brasileiros". O total, porém, é exatamente o mesmo que foi importado da AstraZeneca.

 Devido à falta de vacinas, o Brasil precisou recorrer ao Covax Facility, consórcio de nações ricas, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para ajudar países em situação de vulnerabilidade econômica e social como Nigéria, Congo e Haiti. Segundo o governo federal, serão disponibilizadas 42,5 milhões de doses, sendo 10 milhões até julho. Mais 20 milhões foram negociadas para obtenção da Covaxin, da Precisa Medicamentos, em parceria com o laboratório indiano Barat Biotech.

 O governo brasileiro também recusou lotes maiores que foram ofertados pelo Butantan no ano passado. O primeiro ofício encaminhado à pasta, em 30 de julho de 2020, propunha 60 milhões de doses de vacinas prontas para entrega ainda em 2020 e 100 milhões para 2021, conforme afirmado pelo diretor do instituto, Dimas Covas, em coletiva de imprensa no dia 19 de fevereiro último.

Mau uso do sistema

“Nesse ritmo atual, vamos levar mais de quatro anos para vacinar toda a população alvo da campanha. Temos um sistema eficiente na cadeia logística da imunização, reconhecido internacionalmente, poderíamos ter feito melhor uso”, diz Frois, referindo-se ao Programa Nacional de Imunização (PNI), criado pelo governo federal em 1973.

Até agora, as vacinas só podem ser aplicadas em pessoas maiores de 18 anos, já que não foram feitos testes em crianças, adolescentes e gestantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse grupo soma 159,1 milhões de brasileiros.

O PNI viabiliza a logística de aproximadamente 300 milhões de doses dos 47 imunobiológicos distribuídos anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde. A rede conta com uma central nacional, 27 estaduais, 273 regionais e aproximadamente 3.342 municipais, além de 38 mil salas de imunização, que podem se ampliar para 50 mil, e 52 Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie).

Alguns desses centros nas capitais teriam capacidade de se estruturar rapidamente para receber por exemplo a da Pfizer-BioNTech, que exige um armazenamento a menos 70 graus celsius. É o que afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI de 2011 a 2019.

Além disso, a fabricante desenvolveu um contêiner pequeno que mantém a vacina por até 30 dias com gelo seco, que precisa ser reposto. Depois desse período, a vacina pode ficar em uma geladeira comum, de dois a oito graus celsius, por até cinco dias. Com isso, os grandes centros urbanos poderiam usar as vacinas da Pfizer. As da AstraZeneca e Coronavac, armazenadas em geladeira comum, seriam enviadas para regiões afastadas.

Outra medida que poderia ter dado agilidade e confiabilidade neste momento seria um pré-cadastro bem feito, que coibiria os fura-filas e evitaria o desperdício, como vem ocorrendo em cidades como Rio de Janeiro, que, por falta de um planejamento diário na convocação do público-alvo, perdeu doses da vacina da AstraZeneca, que vem numa ampola de 10ml e só pode ser aplicada até seis horas após aberta.

As vacinas em geral possuem duas doses, têm tempos de intervalo diferentes e não são intercambiáveis. Ou seja, é preciso ainda ter o cuidado de fazer o registro nominal para garantir que a pessoa, quando retornar ao posto, tome a mesma vacina. Uma medida simples que facilitaria esse controle teria sido o envio de doses de um mesmo fabricante.

Outras estratégias

Domingues é categórica: “Para ter celeridade diante dessa situação pandêmica, precisaríamos vacinar entre 1,5 milhão e 2 milhões por dia.”


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