Esta quarta-feira (7) foi um dia particularmente complicado no Peru. Em poucas horas, a ultradireita alcançou parcialmente sua intenção: derrubar o governo de Pedro Castillo e abrir passagem a um novo cenário na vida nacional, no qual pode preservar seus privilégios e recuperar suas posições de poder, de alguma maneira questionadas pelo regime instaurado a partir de 28 de julho do ano passado.
Após algumas horas de tensão, se instalou na chefia do Estado Dina Boluarte, a vice-presidenta da República que formulou um apelo à “unidade de todos os peruanos”.
Este desenlace foi de alguma maneira inesperado. E se precipitou porque o próprio Castillo deu o que bem se poderia denominar um salto ao vazio. Sem coordenação com ninguém, sem conquistar o respaldo das organizações sociais e de massas, sem contar com o apoio das Forças Armadas nem dos coletivos políticos de posições progressistas e avançadas, resolveu instaurar um Governo de Emergência dissolvendo os outros Poderes do Estado.
Isto surpreendeu à cidadania e ao movimento popular em seu conjunto, e foi respondido pelos setores mais reacionários da vida nacional.
O Congresso da República, que devia discutir ontem a vacância da Presidência da República, para cujo efeito não conseguia contar com os 87 votos requeridos, viu facilitada sua tarefa. No novo cenário, somaram-se à proposta 101 congressistas, com só 6 votos contra e 9 abstenções.
Reprodução/Twitter
Castillo é mostra de que não é possível liderar um processo de mudanças sem forjar a unidade do movimento popular
Existia a possibilidade de que a reação pressionasse Dina Boluarte a renunciar ao seu cargo de Vice-Presidenta, em cujo caso o poder passaria de imediato ao Presidente do Congresso, o ex-general José Williams Zapata. Esta pressão não existiu e, em algumas horas, à tarde, se produziu o juramento da primeira mulher que exercerá a Presidência da República.
Dina Boluarte formulou um apelo à “unidade nacional”, entendida como a soma de todas as forças políticas atuantes no cenário peruano. Veremos qual será a composição de seu primeiro Gabinete Ministerial.
Por ora, a ultradireita peruana cantou vitória. É evidente que conseguiu se livrar de um mandatário que detestava e que queria derrubar desde o início da sua gestão. Não conseguiu, no entanto, impor-se plenamente. Embora Dina Boluarte não seja tampouco “militante da esquerda”, não se pode equipará-la a Jannine Añez, a boliviana que substituiu Evo Morales em La Paz.
Não é previsível, no entanto, que siga o roteiro de Castillo, nem que se empenhe em nenhuma batalha de corte popular. Tratará de “seguir sobre a onda” até 2026 procurando não ser devorada pela máfia à espreita.
Deste cúmulo de circunstâncias, podem-se deduzir algumas lições. Vejamos:
Castillo representou um governo popular, democrático e progressista. Não se podia considerá-lo, por certo, nem de esquerda, nem revolucionário, nem socialista. Não era indispensável que a esquerda o apoiasse em termos de adesão pessoal, mas sim que o ajudasse em sua gestão para o cumprimento de seu Programa de Unidade, subscrito por todas as forças do movimento popular, que lhe deram a vitória em junho de 2021.
Liderou um governo débil, precário e em boa medida inconsistente. Na verdade, não conseguiu governar desde o primeiro dia, se vendo assediado por uma intensa campanha de ódio desatada contra ele pelos núcleos oligárquicos tradicionais. Não contou nunca com a colaboração real da esquerda – à qual buscou muito pouco – e se rodeou de um grupo de “assessores” muito discutível que finalmente ficou em evidência por sua inépcia e sua corrupção. Pelas ações deles, viu-se severamente comprometido.
Aleatoriamente, Castillo reagiu tardiamente ante a campanha do inimigo. Ao fazê-lo, optou pela via do “tratamento direto” entre eles e as populações do interior do país, obviando vínculos naturais criados pelo próprio movimento popular. Além disso, seus “colaboradores” agiram à margem das massas porque não procediam tampouco das entranhas do povo.
Por isso não pôde perceber a situação real, nem perceber seu isolamento político. Pensou que apoiando-se em pessoas que pudessem “assustar” seus inimigos, poderia neutralizá-los, e isso não ocorreu.
Deste modo, se confirmou que não é possível liderar um processo de mudanças sem forjar a unidade do movimento popular, sem organizar as massas nem as politizar. Tampouco, dando as costas às suas lutas.
O futuro do país está em risco. No interior, sem dúvida, se produzirão mobilizações em respaldo ao presidente deposto. O medo em relação a eles foi o que induziu a reação ultradireitista a não assumir diretamente o poder, mas sim aceitar como “mediadora” Dina Boluarte. Mas ela não tem tampouco partido, nem força organizada que a respalde. É previsível que tenha maiores dificuldades ainda que Castillo.
Da nova administração, é previsível que se registrem mudanças negativas. Os meios de comunicação, que clamavam por estar à beira da falência ao não receber subsídios do Estado, conseguirão suculentas compensações. E isso ocorrerá também com os empresários. Mas uns e outros não mudarão sua atitude. Seguirão na briga contra o povo, de modo que são previstas dificuldades maiores no curto prazo.
Em matéria de política exterior, isto também se fará sentir. É previsível um “esfriamento” dos vínculos com alguns países irmãos, sobretudo México, Venezuela, Nicarágua, ou inclusive Cuba, porque a ultradireita seguirá sua campanha contra eles.
Em outras palavras, a batalha dos peruanos será mais dura e difícil, mas terá que enfrentá-la.
Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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