Pesquisar
Pesquisar

Peru: golpe reacionário se consolida, ultradireita comemora e quem paga é o povo peruano

O agora ex-presidente pensou que, apoiando-se em pessoas que pudessem “assustar” seus inimigos, poderia neutralizá-los, e isso não ocorreu
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Esta quarta-feira (7) foi um dia particularmente complicado no Peru. Em poucas horas, a ultradireita alcançou parcialmente sua intenção: derrubar o governo de Pedro Castillo e abrir passagem a um novo cenário na vida nacional, no qual pode preservar seus privilégios e recuperar suas posições de poder, de alguma maneira questionadas pelo regime instaurado a partir de 28 de julho do ano passado.

Após algumas horas de tensão, se instalou na chefia do Estado Dina Boluarte, a vice-presidenta da República que formulou um apelo à “unidade de todos os peruanos”. 

Este desenlace foi de alguma maneira inesperado. E se precipitou porque o próprio Castillo deu o que bem se poderia denominar um salto ao vazio. Sem coordenação com ninguém, sem conquistar o respaldo das organizações sociais e de massas, sem contar com o apoio das Forças Armadas nem dos coletivos políticos de posições progressistas e avançadas, resolveu instaurar um Governo de Emergência dissolvendo os outros Poderes do Estado. 

Isto surpreendeu à cidadania e ao movimento popular em seu conjunto, e foi respondido pelos setores mais reacionários da vida nacional. 

O Congresso da República, que devia discutir ontem a vacância da Presidência da República, para cujo efeito não conseguia contar com os 87 votos requeridos, viu facilitada sua tarefa. No novo cenário, somaram-se à proposta 101 congressistas, com só 6 votos contra e 9 abstenções.

O agora ex-presidente pensou que, apoiando-se em pessoas que pudessem “assustar” seus inimigos, poderia neutralizá-los, e isso não ocorreu

Reprodução/Twitter
Castillo é mostra de que não é possível liderar um processo de mudanças sem forjar a unidade do movimento popular

Existia a possibilidade de que a reação pressionasse Dina Boluarte a renunciar ao seu cargo de Vice-Presidenta, em cujo caso o poder passaria de imediato ao Presidente do Congresso, o ex-general José Williams Zapata. Esta pressão não existiu e, em algumas horas, à tarde, se produziu o juramento da primeira mulher que exercerá a Presidência da República. 

Dina Boluarte formulou um apelo à “unidade nacional”, entendida como a soma de todas as forças políticas atuantes no cenário peruano. Veremos qual será a composição de seu primeiro Gabinete Ministerial.

Por ora, a ultradireita peruana cantou vitória. É evidente que conseguiu se livrar de um mandatário que detestava e que queria derrubar desde o início da sua gestão. Não conseguiu, no entanto, impor-se plenamente. Embora Dina Boluarte não seja tampouco “militante da esquerda”, não se pode equipará-la a Jannine Añez, a boliviana que substituiu Evo Morales em La Paz. 

Não é previsível, no entanto, que siga o roteiro de Castillo, nem que se empenhe em nenhuma batalha de corte popular. Tratará de “seguir sobre a onda” até 2026 procurando não ser devorada pela máfia à espreita. 

Deste cúmulo de circunstâncias, podem-se deduzir algumas lições. Vejamos:  

Castillo representou um governo popular, democrático e progressista. Não se podia considerá-lo, por certo, nem de esquerda, nem revolucionário, nem socialista. Não era indispensável que a esquerda o apoiasse em termos de adesão pessoal, mas sim que o ajudasse em sua gestão para o cumprimento de seu Programa de Unidade, subscrito por todas as forças do movimento popular, que lhe deram a vitória em junho de 2021. 

Liderou um governo débil, precário e em boa medida inconsistente. Na verdade, não conseguiu governar desde o primeiro dia, se vendo assediado por uma intensa campanha de ódio desatada contra ele pelos núcleos oligárquicos tradicionais. Não contou nunca com a colaboração real da esquerda – à qual buscou muito pouco – e se rodeou de um grupo de “assessores” muito discutível que finalmente ficou em evidência por sua inépcia e sua corrupção. Pelas ações deles, viu-se severamente comprometido. 

Aleatoriamente, Castillo reagiu tardiamente ante a campanha do inimigo. Ao fazê-lo, optou pela via do “tratamento direto” entre eles e as populações do interior do país, obviando vínculos naturais criados pelo próprio movimento popular. Além disso, seus “colaboradores” agiram à margem das massas porque não procediam tampouco das entranhas do povo. 

Por isso não pôde perceber a situação real, nem perceber seu isolamento político. Pensou que apoiando-se em pessoas que pudessem “assustar” seus inimigos, poderia neutralizá-los, e isso não ocorreu. 

Deste modo, se confirmou que não é possível liderar um processo de mudanças sem forjar a unidade do movimento popular, sem organizar as massas nem as politizar. Tampouco, dando as costas às suas lutas.

O futuro do país está em risco. No interior, sem dúvida, se produzirão mobilizações em respaldo ao presidente deposto. O medo em relação a eles foi o que induziu a reação ultradireitista a não assumir diretamente o poder, mas sim aceitar como “mediadora” Dina Boluarte. Mas ela não tem tampouco partido, nem força organizada que a respalde. É previsível que tenha maiores dificuldades ainda que Castillo. 

Da nova administração, é previsível que se registrem mudanças negativas. Os meios de comunicação, que clamavam por estar à beira da falência ao não receber subsídios do Estado, conseguirão suculentas compensações. E isso ocorrerá também com os empresários. Mas uns e outros não mudarão sua atitude. Seguirão na briga contra o povo, de modo que são previstas dificuldades maiores no curto prazo. 

Em matéria de política exterior, isto também se fará sentir. É previsível um “esfriamento” dos vínculos com alguns países irmãos, sobretudo México, Venezuela, Nicarágua, ou inclusive Cuba, porque a ultradireita seguirá sua campanha contra eles. 

Em outras palavras, a batalha dos peruanos será mais dura e difícil, mas terá que enfrentá-la.

Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

LEIA tAMBÉM

Genocídio e genocidas um tema do presente, passado e futuro
Genocídio e genocidas: um tema do presente, passado e futuro
Dina Boluarte - desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Dina Boluarte: desqualificada para governar, expert em obstruir a justiça
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Chile processa general que “facilitou” crimes de policiais durante protestos de 2019
Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemoria, afirma historiador
“Espanha deve pedir perdão ao México e abandonar desmemória”, afirma historiador