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Foto: X de Conselho Nacional Eleitoral do Equador

Plebiscito no Equador: povo rechaça modelo “ultraliberal” proposto por Noboa

Equatorianos foram consultados sobre três temas: militarização e reforma penal, flexibilização trabalhista e resolução de conflitos com empresas transnacionais
Orlando Pérez
La Jornada
Quito

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O domingo (21) eleitoral equatoriano teve de tudo: cortes de energia, assassinatos, motim carcerário, deslizamentos, pontes caídas e uma série de incidentes que, no entanto, não impediram a participação cidadã de 72% dos inscritos para o Referendo e Referendo Popular propostos pelo presidente Daniel Noboa.

Este plebiscito continha três temas: militarização e reforma penal, flexibilização trabalhista e resolução de conflitos com empresas transnacionais. E se nas duas últimas Noboa perdeu, os analistas consideram que a derrota política foi para o governo. Embora a reação do mandatário andino, via Instagram, tenha sido lacônica: “Defendemos o país, agora teremos mais ferramentas para lutar contra o crime e devolver a paz às famílias equatorianas”.

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Embora ainda não tenham sido concretizadas mudanças em seu gabinete, ontem Noboa transferiu sua ministra do Interior, a mexicana de origem Mónica Palencia, para o Ministério do Interior e em seu lugar colocou o atual chefe de Inteligência, Michele Sensi Contugi. Fontes da Presidência indicaram que esta semana haveria outras mudanças em sua equipe, que poderiam ser nas áreas de Trabalho e Comunicação.

Não ao ultraliberalismo

Os resultados das pesquisas de opinião até sábado (20) passado já alertavam: nas duas questões principais, dentro do esquema “ultraliberal“, os eleitores disseram NÃO. Segundo os resultados oficiais preliminares, na pergunta D (“Você concorda que o Estado equatoriano reconheça a arbitragem internacional como método para resolver controvérsias em matéria de investimentos, contratuais ou comerciais?”), a negativa superou os 63%, em comparação com os 37% pelo Sim.

Da mesma forma, na pergunta E, que estabelecia se “Você concorda em emendar a Constituição da República e reformar o Código do Trabalho para o contrato de trabalho a prazo fixo e por horas, quando celebrado pela primeira vez entre o mesmo empregador e trabalhador, sem afetar os direitos adquiridos dos trabalhadores”, o NÃO teria superado os 66%, enquanto o Sim teria alcançado 34%.

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Nas outras perguntas, o Sim ganhou sem a distância anunciada por algumas empresas de pesquisa de opinião. Vale lembrar que eram 11 perguntas. Uma de reforma parcial da Constituição, quatro de referendo à Constituição (das quais o Governo teve um revés nas duas anteriormente mencionadas) e seis de consulta popular.

Com isso, segundo especialistas em questões trabalhistas e de arbitragem internacional para divergências sobre investimentos estrangeiros, o povo equatoriano rejeitou um desejo dos setores empresariais e das elites oligárquicas. Na verdade, a adoção de um sistema de trabalho por horas teria sido um evento único na América Latina. A advogada em questões trabalhistas, Silvia Bonilla, disse ao La Jornada que com isso se freia a precarização para os trabalhadores, mas principalmente diz ao governo que não aceita a regressão de direitos garantidos na Constituição aprovada em 2008.

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Por sua vez, o especialista em tratados bilaterais de investimento, Christian Pino, celebrou a decisão da cidadania, pois se a arbitragem internacional tivesse sido aprovada, os únicos beneficiados teriam sido os empresários equatorianos que têm seus negócios em paraísos fiscais e no exterior, além das grandes transnacionais, como a Chevron Texaco, que têm processos contra o Equador e que teriam significado pagamentos de 10 bilhões de dólares.

Noboa não tem mais desculpas

E os dois principais promotores do NÃO neste evento eleitoral, o ex-presidente Rafael Correa e o líder da Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), Leonidas Iza, concordaram que as perguntas relacionadas a maiores garantias aos militares para a luta contra o crime não tinham razão de ser e com a decisão da cidadania agora Noboa deve demonstrar se essa era realmente sua verdadeira preocupação nesta Consulta, pois “não tem mais desculpas” para lutar contra o crime organizado.

Até mesmo no discurso de inauguração do processo eleitoral, percebeu-se a desolação de Noboa. Seu tom de voz e suas referências aos temas mais polêmicos evidenciaram pouco entusiasmo com o resultado. Às 06:30 ele disse: “Hoje enterraremos o velho país de violência, angústia e pobreza. Vamos olhar de frente para um novo Equador”.

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E num tom mais conciliador, muito diferente de tudo o que foi expresso nas duas últimas semanas, Noboa instou a deixar de lado as bandeiras políticas e o ódio ao destacar: “É preciso deixar de lado as diferenças de ideias ou rixas e nos cobrir com a bandeira do Equador“. E ao conhecer os resultados, diluiu seu tom triunfalista: “Agora teremos mais ferramentas para lutar contra o crime“, mas não disse nada sobre as duas em que perdeu.

Razões para a baixa participação

No balanço geral, dois dados relevantes ficaram evidentes: baixa participação. Com o voto obrigatório, apenas 72% dos inscritos foram às urnas, nove pontos a menos do que na Consulta de fevereiro de 2023 e, por enquanto, é a terceira menor presença na história eleitoral do Equador. Mas também caiu o percentual de apoio às perguntas relacionadas à segurança, uma vez que a aposta era superar os 80% e, em média, ficou abaixo de 70%.

A presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Diana Atamaint, considerou que a baixa afluência pode ter ocorrido devido às inclemências do clima que afetaram quase todas as províncias costeiras, parte da Serra Central, bem como aos cortes de energia em certas localidades. Mas também há quem destaque, como os prefeitos e prefeitas e os governadores das áreas afetadas pelas chuvas torrenciais, a impossibilidade de se locomoverem devido aos cortes de estradas, até mesmo a uma ponte que se partiu ao meio na província de Guayas, entre outras razões.

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O que também pode ter afastado alguns eleitores na província de Manabí foi o assassinato de Damián Parrales Merchán, diretor da prisão de El Rodeo. Ele foi baleado várias vezes na cabeça enquanto almoçava com sua família em um restaurante na cidade de Jipijapa. E, por outro lado, também houve um motim na prisão na província de Los Ríos (com quatro feridos graves), que alertou os moradores, em previsão de uma investida policial, como aconteceu em outras ocasiões, gerando pânico e obrigando os moradores a se refugiarem em suas casas.

“Apagões”, violência e assassinatos

O assassinato do prefeito da cidade de Portovelo, Jorge Maldonado, na manhã de sexta-feira (9), em um ataque armado, reeditou o temor cidadão de ir às urnas, em meio a sobressalto, como nas presidenciais de 2023. A isso se soma que até este sábado foram programados cortes de luz. O homicídio contra Maldonado ocorreu dois dias depois que, em Camilo Ponce Enríquez, província de Azuay, o prefeito José Sánchez, também morreu em um atentado. As duas povoações (Portovelo e Camilo Ponce) estão fincadas em zonas mineradoras, onde opera o bando delituoso de Los Lobos.

No que vai deste ano, três prefeitos foram assassinados. Neste grupo se inclui Brigitte García, prefeita de San Vicente, província de Manabí, que morreu no dia 14 de março. E no processo eleitoral do ano anterior foram assassinados dois prefeitos e o candidato presidencial Fernando Villavicencio.

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Neste panorama, além dos “apagões”, perturbou a Consulta Popular: o protesto cidadão que se intensifica pela falta de planejamento frente a uma estiagem prevista desde outubro passado; as implicações na produção, nos serviços e nas próprias moradias, com cortes de energia que em algumas zonas superaram as 12 horas diárias.

Multa por ausência é de 46 dólares

Ao redor de 13 milhões de equatorianos deveriam ir às urnas no domingo (21) desde às 07:00 e até às 17:00. Se não houvesse apagões, a concorrência poderia ser normal, em um país no qual o voto é obrigatório. Do contrário, a lei contempla uma multa que corresponde a 10% do Salário Básico Unificado (SBU), isso é, 46 dólares.

O fato particular desta Consulta Popular é que ocorreu em meio a uma declaração de “Conflito Armado Interno” que rege desde o passado 9 de janeiro, após vários fatos violentos. Assim, o controle das ruas e das prisões também contou com a presença ativa dos militares, que normalmente participam das eleições em qualidade de apoio, mas nesta ocasião foram pertmitidos a agir como gendarmes da ordem, deter e responder com suas armas de fogo, se fosse o caso.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Orlando Pérez Correspondente do La Jornada em Quito.

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