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O pulso ainda pulsa: existe uma ala nacionalista no exército do Brasil. Onde estão? O que pensam?

Em entrevista, professor André Martin, que há 10 anos mantém contato com militares, destaca que os setores nacionalistas estão acuados, vigiados e reprimidos sob o bolsonarismo
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Eles usam armas compradas com o “suor do sangue” do povo para impor sua versão dos fatos. A sociedade se arma com ciência e dignidade para enfrentar o “Partido Militar”. 

Seduzidos por cargos públicos e aumento de soldo — entre incontáveis regalias — os adesistas não estão a sós neste tabuleiro, felizmente. Patriotismo e nacional desenvolvimentismo sobrevivem nos quartéis, como se constata a partir daqui.

André Roberto Martin é professor titular de Geografia Política na Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

Há mais de 10 anos ele mantém contato com os militares, principalmente em torno da geopolítica. É testemunha do interesse dos fardados neste ramo do conhecimento. Golbery do Couto e Silva, aliás, que o diga. 

Mesmo assim, André ressalta não ser especialista na instituição militar. A comunicação constante, todavia, permitiu o aprofundamento na análise sobre a forma pela qual o exército valoriza o estudo da questão do espaço geográfico dos eventos políticos e seus efeitos futuros. Para começo de conversa, o catedrático faz questão de deixar de evidenciar: 

“Imaginar a instituição militar como se ela fosse um monólito do ponto de vista político/ideológico é um erro. Ela não é monolítica. Lá estão representadas todas as tendências políticas, como acontece com o resto da sociedade. O problema é que as posições nacionalistas de verdade — não este engodo que se vê por aí — não estão tendo espaço nos quartéis desde 1964.” 

É forçoso reconhecer, constata o estudioso, que as forças político-partidárias nacionalistas de verdade não tem tido espaço político no Brasil desde a derrota de Brizola, no primeiro turno, em 1989, e de Lula, no segundo, quando perderam para o consórcio Collor Tv Globo. Ali foi a última oportunidade de termos uma agenda patriótica e desenvolvimentista.

Em entrevista, professor André Martin, que há 10 anos mantém contato com militares, destaca que os setores nacionalistas estão acuados, vigiados e reprimidos sob o bolsonarismo

EBC
Jair e os generais

Diálogos do Sul: E os governos do PT?

André Roberto Martin: O fato é que de lá para cá, jamais tivemos quem pregasse o nacionalismo desenvolvimentista numa eleição presidencial. Ninguém defendeu as estatais, por exemplo. O PT não acionou o tema da soberania nacional e da luta anti-imperialista ao longo de todo seu período de governo, mesmo executando uma política econômica que elevou as condições de consumo da parte de baixo da pirâmide social. 

Aliás, o PT não aceita o conceito de imperialismo. Faz parte da doutrina petista excluir o conceito de imperialismo. Na verdade, o PT acredita que imperialismo é coisa de comunistas. Então, se a gente pensar bem, agora mesmo que se discuta a sucessão de Bolsonaro: não existe qualquer menção ao nacionalismo econômico. 

Eis o problema: o PT acredita que o anti-imperialismo é um conceito antiquado do velho Partidão.

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O pior é que o PDT está na mão do senhor Carlos Lupi, que tem se submetido a Ciro Gomes, em busca de espaço na mídia…

O fato é que no momento de se discutir a sucessão de Bolsonaro não existe uma proposta nacionalista, anti-imperialista. Ela simplesmente não está colocada! A maioria do povo brasileiro é nacionalista. Isto foi registrado em estatísticas na eleição presidencial passada. Ficou demonstrado que 3⁄4 do povo brasileiro era contra as privatizações e esta mesma proporção não queria nem Bolsonaro, nem Lula.

Vai sobrar quem, PSOL, PCO?

Eis o grande paradoxo da polarização brasileira: um lado não quer o outro e vice-versa. Um não aceita o outro e fim de papo. E a maioria do povo, no fim das contas, não quer nem um, nem outro. Esta posição representa mais de 70% da opinião pública nacional. E ela não se apresenta para o eleitorado. 

Voltemos aos “abacates do governo”: há milicos patriotas? 

Sim. Só que eles estão se sentindo muito acuados no momento, muito vigiados e reprimidos. E isso vem desde 1964. Foi a partir daí que se procurou eliminar a esquerda nos quartéis. E ser nacionalista, num país submetido ao imperialismo é ser de esquerda. Portanto, os nacional-desenvolvimentistas, mesmo não sendo necessariamente comunistas, são tomados como tais. 

Nós não podemos esquecer que o socialismo no Brasil entra forte com o tenentismo nos anos 1920. Não podemos esquecer a Coluna Prestes, a Revolução de 24, em São Paulo. E está tomada pela consciência da questão social dos jovens tenentes. A revolta de Isidoro Dias Lopes contra o governo central, foi uma rebelião dos militares de esquerda. Depois, com a repressão que veio do Rio de Janeiro, eles se refugiaram pelo interior de São Paulo. Depois, foram se encontrar com a Coluna Prestes. Juntos eles fizeram o histórico percurso pelo país.

Ou seja, os paulistas cultuam a revolução errada: idolatram a falsa Revolução Constitucionalista que serviu aos cafeicultores e ignoram a insurgência dos libertários liderados por Isidoro Lopes.

Eles apoiaram também Getúlio em 1930. Getúlio Dornelles Vargas conquista o poder com forte apoio de militares de esquerda, só que estavam ali misturados a outros grupos mais conservadores. 

Destaco um militar direitista importante nesta época: Góes Monteiro. Depois da Intentona Comunista, em 1935, a direita ganha espaço no exército. Foi a partir de então que se desenvolveu essa ideia do “Partido dos Militares“. Foi de Góes Monteiro a criação de um dos grandes dogmas do militar brasileiro, sob o lema: “Façamos a Política do exército. Não no exército”. Casualmente, o oposto do que o capitão presidente faz hoje, ao tentar transformar o Exército Nacional em “Sua Milícia”. 

Eles negam fazer política entre muros…

Esta frase é muito importante porque até hoje os militares do país acreditam muito nessa ideia. Trata-se de um raciocínio equivocado, hipócrita. Não é verdade que a política deixe de acontecer dentro dos quartéis. Conversa ‘para boi dormir’. A questão é estabelecer como esta política deva ser feita. Não pode ocorrer o contrário: o exército se tornar um partido, o velho Partido Militar. E a partir do golpe militar de 1964, crescentemente o exército vem adquirindo características de um partido de direita. Com Bolsonaro esta coisa escancarou com ele procurando levá-los para a extrema-direita.

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E a nossa esquerda de farda, ficou com medinho?

Existem oficiais — soldados, eu nem vou falar porque eles estão muito despreparados, intelectual e ideologicamente —, mas o alto oficialato é mais preparado, tem elementos nacionalistas e até de esquerda. 

Agora, como esta gente vive dentro dos quartéis? Acuada, isolada. Mas não propriamente imobilizada, estão esperando um momento melhor. A turma do Bolsonaro esperou desde 1976, quando Geisel rompeu o acordo militar com os EUA, para poder dar o troco. Agora é o grupo do Geisel que está recuado.

Vão assistir a tudo impassíveis?

Eles estão constrangidos, calados, mas isso está acontecendo com os patriotas em geral na sociedade brasileira. Temos um espectro de esquerda grande. Pena que ele não abrigue, como central, a força política nacionalista, em favor da soberania nacional, pelo desenvolvimento industrial do país e contra a imperialismo. 

Existe alguma alternativa para a sociedade civil interferir nas Forças Armadas? Afinal, elas existem para servir à nação, têm obrigação de zelar pelo bem da coletividade. E só fazem o mal desde a posse do presidente. O exército negou-se a ceder leitos ociosos em hospitais militares enquanto civis morriam de norte a sul. A sociedade não tem o direito de exigir seu direito?

Não só o direito, mas o dever de dizer qual exército ela quer. Isso é o contrário do que acontece, pois, o exército diz qual sociedade ele quer. Esta é uma contradição muito séria que contrapõe civis e militares. E há uma arrogância histórica entre os militares, que os faz sentirem-se superiores aos civis. Eles se acham mais honestos, mais patriotas, mais competentes do que os civis. E estão mostrando exatamente o contrário.

Mas como se dá a relação deles intramuros? 

Temos três posições hegemônicas nos quartéis: uma extremista fascista, que deu base ao bolsonarismo; outra facção de direita, mas não fascista — o vice Mourão é seu grande representante. Ele está à esquerda de Bolsonaro, num espectro relativo, tanto que acaba de dar uma declaração forte contra o presidente, reclamando de não estar participando de reuniões ministeriais. Já deu inúmeras opiniões frontais ao atual presidente — este sim, herdeiro do finado general Sílvio Frota, expressão do primeiro grupo; finalmente, existe esse  terceiro grupo, que na época venceu o Sílvio Frota, e que é conhecido como o grupo Geisel. Esse grupo foi derrotado internamente pelos bolsonaristas graças à aliança com o grupo representado por Mourão — da velha guarda maçônica. Portanto, está consumada a vingança dos frotistas, entre os quais o general Heleno, que foi seu ajudante de ordens, se destaca.

Por que aconteceu isso? 

Porque as 3 forças internas no exército se uniram contra o PT.  Esta é a questão desta história: a ala Geisel, nacionalista, está no mato sem cachorro. Lembre-se que eles apoiaram o golpe contra o PT e “engoliram” a fábula vendida pelo general Villas Boas, segundo a qual o exército iria controlar Bolsonaro. Como é público, esta estratégia não deu certo e agora os militares não sabem como se livrar da família presidencial.

Tem 1 expressão que diz “mais perdido do que cusco (cão) em procissão”. Em sua opinião, o grande problema do exército brasileiro é que ele está 100% perdido do ponto de vista doutrinário?

O EB [Exército Brasileiro] não sabe bem o que quer, portanto, não sabe o que fazer com o Frankenstein que ajudou a criar. Não sabe que ‘projeto de país’ nós devemos ter. Tem dificuldade de interpretar, inclusive, a evolução do sistema internacional. 

A maioria permanece prisioneira da “Doutrina Truman”, de 1948, quando sim, o Brasil era muito dependente dos EUA e alinhou-se ao “grande irmão do Norte” contra a União Soviética na guerra-fria. Há uma dificuldade muito grande de nosso oficialato em aceitar as transformações das últimas décadas, sobretudo o fato de a China ter se tornado nosso maior parceiro comercial.

Como enfrentar essa fragilidade do poder armado?

Muito mais importante do que reabrir feridas da ditadura — como fez o PT com a Comissão da Verdade — seria chamar os militares para uma revisão muito séria de suas orientações ideológicas e dos currículos das escolas militares. 

Era preciso chamar as Forças Armadas para discutir o futuro do país. A verdade é que não se pode marginalizar o poder militar. Desde 1985 eles ficaram muito distanciados do Poder e isso é ilusório. Uma coisa é as Forças Armadas estarem submetidas à Constituição — portanto, não poderem se politizar pela lei magna. Outra é imaginar que o alto oficialato do país não se interessa por política. O que me parece estar no substrato da briga com o STF [Supremo Tribunal Federal] é essa incompatibilidade entre o lema de Góes Monteiro e a Constituição.  

O Brasil é o único país na América Latina que não prendeu assassinos e torturadores. Eles têm o poder e as armas para se manter. Como a sociedade pode intervir? 

O exército brasileiro, por outro lado, é o único da América Latina que pode ser um exército de verdade. A questão é que nossa burguesia não tem nacionalismo nenhum. Ela recruta o exército para reprimir o povo. Então a culpa não é do exército em si. É muito mais das nossas classes dominantes que sempre convocam o exército para fazer o papel sujo de proteger os interesses desses grupos — como fazem o capital financeiro e o agronegócio, em detrimento dos interesses da grande maioria do povo.

Mas é possível estabelecer este diálogo na atual conjuntura?

Há uma lacuna teórica e ideológica muito grande no interior das Forças Armadas. E não há um consenso sobre para onde deveríamos orientar tanto o Brasil quanto elas próprias. As indefinições sobre o tipo de armamento que o país deve usar, por exemplo, são imensas. E eles não vão conseguir resolver isso discutindo só entre eles. 

A sociedade brasileira tem direito de dizer, por exemplo, se nós queremos ou não ser uma potência nuclear. Isso não pode ser uma discussão só de militares. Isso quem tem de decidir é a sociedade brasileira. Falo em relação à bomba atômica e ao submarino nuclear. Ser ou não ser potência nuclear não pode ser assunto exclusivo de militares. Isso quem tem de decidir é a sociedade brasileira.

O Brasil deveria fazer sua bomba atômica?

Tem muita gente que acha importante o Brasil ter bomba atômica. Pessoalmente, acho que não. Mas defendo que deveríamos estar preparados para produzi-la, caso seja necessário. Por outro lado, creio que o submarino nuclear deveria ser a primeira prioridade de nossa política de Defesa. Afinal, a ameaça à soberania nacional só pode vir pelo mar, portanto, por uma potência aeronaval. Nossa vizinhança terrestre jamais terá condições de invadir o Brasil. Aí nos deparamos com um problema muito sério: nossa doutrina de defesa se tornou anacrônica, ela ainda ecoa os tempos em que as ameaças vinham da Argentina. Quem tem a missão de defender o Brasil daqui em diante é a Marinha.

Então esse é o ponto vital: como discutir isso abertamente com os militares? 

Existe uma entidade da sociedade civil, a Associação Brasileira de Estudos de Defesa, ABED, que reúne, há vários anos, a intelectualidade civil e militar, justamente para discutir temas de segurança, geopolítica e a relação entre militares e civis, entre outros temas.

É uma iniciativa muito positiva que não deve ser abandonada. Qual a função social das forças armadas? Que tipo de armamentos precisa? Qual a projeção de Poder Militar que o país quer exercer? Que tipo de Forças Armadas a gente precisa ter? Todas estas questões vinham sendo debatidas conjuntamente e criando um clima amistoso entre Universidade e Forças Armadas, infelizmente truncado pelo episódio disruptivo que foi a ascensão de Bolsonaro ao poder.

Por falar nisso, o que tens a dizer do próprio?

Lembro algo bem importante. A primeira vez que ouvi falar nessa pessoa foi através de um cabo fuzileiro naval que me levou do aeroporto de Brasília até a Escola Superior de Guerra, ESG, onde eu ia dar uma conferência, um ano antes de sua candidatura, isto é, em 2016. 

Não sabia quem era o tal “mito”. Saí me perguntando quem seria essa pessoa. Pois bem, no mesmo dia, almoçando com oficiais, ouvi muitas reservas a seu nome, justamente por querer trazer a política partidária para dentro dos quartéis. O segredo que temos de desvendar é como o ‘bolsonarismo’ conseguiu capturar a simpatia das Forças Armadas. Esta é a questão central. 

Existe algum diálogo com os fardados?

Eles ouviam bastante a gente, agora menos. Continuam nos chamando, ainda há posições mais democráticas. O problema é que cada vez mais eles estão sendo acuados pelo “bolsonarismo”. 

Acho que se trabalharmos com cuidado, podemos conseguir quebrar um pouco essa aparente unanimidade da direita extremada no exército. Porque não é todo contingente que é dessa forma, sobretudo na questão da indústria bélica e do desenvolvimento científico e tecnológico. 

O alto oficialato sabe perfeitamente que daqui em diante, soberania será igual a desenvolvimento científico e tecnológico. Tem muita gente preocupada com isso, ao ver o Brasil engatar a marcha à ré dia após dia. Este pode ser um caminho de ruptura interna lá dentro. Mas vai ser complicado esse processo. O antipetismo os uniu. Esta é a questão.

O alto comando é ortodoxo no antipetismo…

Há sim, uma postura muito arraigada, elitista entre oficiais das forças armadas, altamente reacionária, que jamais admitiu, jamais leu uma linha do que seja marxismo. Eles pura e simplesmente repelem sem saber do que se trata. 

Os militares estão presos ao lema de Góis Monteiro, que justifica excluir pessoas que tenham ideias esquerdistas na instituição, o que transforma o exército em um partido de direita. Isso é o que não pode segundo Constituição Federal. Bolsonaro quer formar um partido de extrema-direita nazifascista mesmo. Desde o início ele vem jogando com o exército no sentido de controlá-lo.

Teus estudos sobre a relação de Hitler com o exército alemão ajudam a desvendar o segredo deste grotesco presidente eleito pelas urnas…

Himmler é de uma qualidade extraordinária. Não acredito que...

 Não importa onde estamos lutando; não importa contra quem...

Quando Bolsonaro surgiu, procurei estudar melhor a forma pela qual Hitler dominou o “Wermacht“. É muito parecido. O oficialato prussiano era da elite, gente bem nascida e formada, como os oficiais brasileiros. Eram nacionalistas e patriotas. 

Como o inventor do nazismo enquadrou a elite em seus quadros?

Justamente com o anticomunismo. Então, a insistência de Hitler em colocar os comunistas como demônio foi o que levou o exército alemão a, no fundo, se dividir. Isso ao ponto de criar a SS, outro exército dentro do exército, a milícia hitlerista, ou seja, um exército para chamar de seu. Que, na verdade, acabará competindo com o próprio exército. Ele vai recrutar os oficiais da SS no rebotalho da sociedade, no lumpesinato, para torná-los todos oficiais. No final da guerra, a SS tinha mais soldados do que o exército alemão. Como é que o Hitler conseguiu isso? Batendo sempre no anticomunismo.

Onde está o busílis?

A semelhança não é mera coincidência, aí está a chave da questão. Porque insistindo nessa onda anticomunista — eles acham que até  o FHC é comuna — criam um discurso de que a defesa da pátria é igual à perseguição aos comunistas. Neste momento, FHC está contra Bolsonaro, mas votou nele. Agora se arrependeu, afinal o presidente chegou a propor matá-lo

FHC é um dos grandes responsáveis por esta postura anti patriótica do exército, retrógrada — porque foi ele quem botou os oficiais para ‘fazer escola nos EUA’. Na Escola Getúlio Vargas havia cursos de “especialização” para doutrinar a elite da farda, tudo para converter os militares em neoliberais. Ao mesmo tempo, ele tratou a pão e água os militares.

A relação do PT com o exército foi boa, aparentemente…

Lula entrou e tentou recuperar tanto soldos quanto equipamentos e aí está o paradoxo: porque houve encontros entre militares e civis e prova disso é a publicação do “Livro Branco da Defesa”. Essa aproximação com militares, porém, não foi suficiente. É que, mesmo tentando reequipar as Forças Armadas, Lula e Dilma não foram capazes de eliminar o antipetismo radical do exército. Eles não perceberam o que estava rolando no interior dos quartéis. Os militares ficaram muito isolados. Isso foi um erro tanto de FHC quanto no período do PT. Teria de se buscar um diálogo mais intenso. O que vai ser feito das Forças Armadas é decisão da sociedade civil. Mas para isso tem de ter um diálogo com os militares. 

O exército é mantido pelo cidadão para garantir ordem e segurança…

A absolvição de Pazuello rompeu um limite muito importante na hierarquia militar e representou, ademais, a desmoralização absoluta da Lava-jato que apregoava um novo tempo no país, onde “ninguém estaria mais acima da Lei”. Então generais da ativa poderão subir no palanque de Lula?

O sr. acredita que possa haver alguma forma de insurgência militar?

Acho que no momento eles estão bastante divididos. Veja: eles sempre insistem em dizer que seguem a Constituição… Essa ideia de que seguem a ordem está colocada em xeque-mate. O governo Bolsonaro é uma contradição ininterrupta dos preceitos militares. 

As Forças Armadas brasileiras só vão recuperar o mínimo de respeitabilidade perante o povo brasileiro se conseguirem tirar Bolsonaro do poder ou pelo menos mostrarem-se a favor disso. Não sabemos qual será exatamente a reação deles pela ausência de um levantamento minucioso para saber como estão as opiniões e sentimentos nos quartéis. 

Isso é muito difícil de auscultar, eles são muito fechados. Mas tenho a sensação de que a contradição de apoiar Bolsonaro junto com todo este “entreguismo” é absoluta. Fico me perguntando como um exército nacional pode apoiar alguém que entrega todas as riquezas do país impunemente.

Como foi armada a “eleição” do capitão reformado?

Na verdade, a Operação Lava-jato foi comandada pelo Departamento de Justiça americano e órgãos de Inteligência desse país. Até a mídia hegemônica vivia anunciando viagens regulares de Moro aos EUA. Desde o começo, quem tinha olhos de ver percebia que ele era pau-mandado de norte-americanos e ingleses para derrubar o Brasil, que estava crescendo muito. 

O País estava passando a Inglaterra como potência econômica. Caso o governo usasse o dinheiro do Pré-Sal para desenvolver Educação e Saúde — como ocorria no governo Dilma — e também investisse nas Forças Armadas e na infraestrutura, nós iríamos deslanchar. O que os incomodados fizeram? Escolheram exatamente o ponto nevrálgico para atacar: o Pré Sal. Aliás, lembremos que a Lava-jato começou com o nome de Petrolão, claramente para atingir a Petrobrás.

Serra faz lobby pela abertura total do pré-sal | SindiPetro-LP

 

Nada é por acaso nesta história. Visando beneficiar a Chevron e a Shell, José Serra foi o autor da lei para modificar a partilha do Pré-Sal. A Dilma não permitiu que as empresas estrangeiras entrassem. A verdade é que o governo civil deveria ter enquadrado melhor as forças armadas antes do golpe. Desde 1949 com a fundação da ESG no país, ensina-se a doutrina modelo norte-americano de difundir sua ideologia a partir do oficialato. 

E como isso desembocou no golpe de 2016?

O país havia investido em tecnologia na indústria bélica e isso é ceifado como? Serra consegue aprovar a entrega do Pré Sal à Chevron. O processo é interrompido e aí veio o golpe contra a presidente Dilma. E o espantoso é isso: será que nas Forças Armadas não se percebeu qual era o objetivo? Ponto complicado, pois em grande medida, a postura do PT — em particular de Dilma em favor da Comissão da Verdade — foi o elemento detonador da postura militar de apoiar o golpe. Assim como da exclusão do PT da vida nacional.

Debite-se o fato do Brasil não punir nenhum ditador nazifascista. À época Comissão da Verdade era clamor popular, além de ela ter sido torturada…

Desde o começo, os militares rejeitavam o diálogo. “Revanchismo não” virou jargão de programa humorístico. Infelizmente isso continua até hoje. 

O PT também falhou ao não entender que sua postura estava favorecendo justamente a ala mais reacionária da caserna. Chegamos a um impasse outra vez. A maioria dos militares não aceita o PT e eu não sei o que eles vão fazer. Não sei o que os militares vão fazer. Tenho um pouco de receio, sim.

Algum risco de convulsão social, rebelião?

Ruptura política em um país tão grande como somos?  Sou da opinião de que a Revolução Brasileira vai ser mais impactante para o fim do capitalismo do que a própria revolução chinesa. Se o Brasil fizer uma revolução no sentido da Nova Sociedade, aí acabou o capitalismo de uma vez.  Porque este é o território que deu início ao capitalismo. A exploração do nosso povo e suas riquezas é o que sustenta o capitalismo. Claro. Não só permitiu a acumulação primitiva do capital desde 1.500; o Brasil é um maná. O País é explorado há 500 anos e ainda tem muito o que explorar. Precisamos desenvolver uma mentalidade patriótica — que faz falta não só nas Forças Armadas, mas na sociedade inteira. Principalmente o empresariado, que não tem patriotismo nenhum.

Falam que hoje já não existe país neste mundo, só marcas… 

Mas a gente está vendo que não. Com a pandemia ficou escancarado que o Estado Nacional é o último recurso dos povos. Não é o capital internacional. Está muito claro isso, são muitas as contradições que terão de ser superadas em pouco tempo. Por isso, defendo que em 2022 tenhamos uma candidatura de centro-esquerda, nacionalista, democrática e anti-imperialista.

Qual é o projeto ianque em relação ao Brasil?

Tornar o exército cada vez mais parecido com a polícia. E a polícia cada vez mais parecida com o exército. Então a polícia se arma cada vez mais e as Forças Armadas não se armam. É fácil conferir: veja-se o dinheiro que Bolsonaro pôs no projeto do submarino nuclear. Ele cortou dinheiro disso aí. Não quer submarino nuclear, assim como Moro não queria desde o começo. 

Tanto é que prenderam o almirante Othon Pereira, um grande herói nacional. Esse sim, é um patriota. Ele é o responsável pelo projeto do submarino nuclear brasileiro. Ele construiu uma equipe que foi buscar tecnologia na França e na Alemanha Oriental, valendo-se do serviço de espiões brasileiros. E quando eles retornaram, conseguiram desenvolver o processo de enriquecimento de urânio mais avançado do mundo. Por isso Othon deveria ser considerado herói nacional. Quem prendeu ele? Sérgio Moro, o representante do imperialismo ianque. Ele jamais queria admitir que o país pudesse ter um submarino nuclear. Esta é a principal questão. 

Jornal do Nassif - Jornal GGN: A prisão do pai do programa nuclear  brasileiro, por Luis Nassif

 Sórdido…

O almirante tem até uma frase engraçada: diz que militar brasileiro não gosta de armas. É verdade, arma pra valer [para eles] é submarino nuclear, isso é arma pra valer. Não revolverzinho como os de Bolsonaro. Isso é arma contra o povo, não para defender o país. Infelizmente esta mentalidade retrógrada e antipatriótica está dominando as Forças Armadas. Mas como o próprio exemplo do almirante Othon prova, nem todos são entreguistas. 

O que fazer neste tabuleiro?

O que falta é uma força política, um partido que seja capaz de atrair esses membros das Forças Armadas patriotas — para que eles tenham onde expressar isso. Não há um canal onde tal postura possa ser expressa. Trata-se de um problema não só dos militares. A intelectualidade civil tem o dever também de apontar um caminho para eles. Por isso, tenho insistido em manter  um diálogo com militares, não podemos romper.

O meio empresarial/industrial não têm nacional- desenvolvimentistas?

Aí entra a questão do mercado interno e o externo. Nosso empresariado deveria defender pelo menos o mercado interno. Eles não fazem nem isso, estão dominados pelo neoliberalismo, o problema ideológico. Portanto, eles não vêm sentido no desenvolvimento nacional com investimento estatal. Este é o maior problema, ainda mais que os militares compraram esta ideologia. Nosso problema é esse: como sair deste imbróglio se não existe outra ideologia no mercado? Ah, temos o comunismo. Isto é repelido frontalmente.

E o nacional desenvolvimentismo?

Ai nós temos de atualizá-lo e buscar uma representação. Precisaria criar esta alternativa agora para 2022, que coincide com os 200 anos da independência, com a retomada da independência. Ou teremos um recuo para o poder colonial, subserviente. Nós vamos ficar muito mal. Precisamos construir esta terceira força.

Já que o PDT foi “encampado” por Ciro Gomes — repetindo Ivete Vargas, que roubou o histórico PTB graças à ditadura militar — seria preciso construir um Novo PTB?

Temos um problema muito sério pela frente porque o terror de Estado para defender o neoliberalismo em decadência é algo que vai aumentar. É um processo muito perigoso. 

Tem como combatê-lo? 

Tem. E a prova maior são as manifestações contra Bolsonaro. Quanto mais a gente conseguir unir forças diferentes melhor pode ser.

Teve gente que perdeu a visão com balas de borracha da PM pernambucana. A PM entrou nessa barca…

Claramente aquilo foi um grupo de bolsonaristas infiltrados na PM que não respeitou a ordem do governador. Estamos sendo acostumados a tais agressões. Foi assim na época da eleição presidencial. Quando a comitiva do PT foi alvejada e ficou tudo sem ser investigado…

Uma hora isso vai ter de mudar. Alguma punição exemplar vai ter de acontecer. [Por ora], o simbolismo está no fato de Pazuello não ter sido punido. 

Amaro Dornelles, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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