Os Estados Unidos usaram a Lava Jato para atingir um “objetivo da política externa, que era se livrar de Lula e Dilma Rousseff e avançar um pouco mais no processo de “demolir” a independência dos países latino-americanos que não estão alinhados com o governo norte-americano. É o que avalia o economista e pesquisador norte-americano Mark Weisbrot.
Em entrevista a André Neves Sampaio, colaborador do GGN nos Estados Unidos, Weisbrot falou sobre as relações do Departamento de Justiça norte-americano com a Lava Jato, os interesses geopolíticos por trás da operação, a participação de Sergio Moro no processo e do alinhamento de Jair Bolsonaro ao governo Trump.
Segundo ele, há evidências claras de que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está “envolvido nesse crime” [uso da Lava Jato para fins geopolíticos], inclusive convergindo com os interesses políticos “do seu amigo [Sergio] Moro”.
De acordo com Weisbrot, a meta principal dos EUA na América Latina sempre foi a de ter países alinhados à sua política externa. “É com isso que eles mais se preocupam agora.”
Com o golpe em Dilma e a condenação, e inviabilidade eleitoral de Lula – ações patrocinadas por Moro e Lava Jato – os EUA progrediram um pouco mais com o plano de “demolir” a independência na região. “Acho que é disso que eles mais queriam se livrar.”
Brasil 247 / Montagem reprodução
De acordo com Weisbrot, a meta principal dos EUA na América Latina sempre foi a de ter países alinhados à sua política externa.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista que faz parte da série “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance.”
André Sampaio: Você acha que o Departamento de Justiça dos EUA tem alguma influência na Lava Jato?
Mark Weisbrot: Sim, não há dúvida de que o Departamento de Justiça – como sabemos por seus próprios discursos e documentos – está pesadamente envolvido nessa investigação. Eu acho que pode até ter tido alguma influência política também.
Um número de membros do Congresso dos EUA e da Casa de Representantes, um mês atrás, escreveu ao Departamento de Justiça e fez várias perguntas, e expressou preocupação. Eles escreveram uma carta, liderados por Hank Johnson, que é membro do Comitê Judiciário, que tem papel de supervisionar o Departamento de Justiça, que terá de responder essas perguntas.
Eles dizem na carta que estão muito preocupados com as notícias de ações em conluio entre o ex-juiz Moro e os procuradores do caso, que se basearam em evidências fracas. Que as crenças dos procuradores eram insuficientes para uma condenação, e que Lula não teve um julgamento imparcial. Isso deveria ser uma preocupação para o Departamento de Justiça.
E eles [parlamentes] perguntam o que eles [Departamento de Justiça] realmente sabem disso. Se eles [DOJ] sabiam desse conluio. Qual foi seu papel. Perguntam detalhes do que eles fizeram. Então, espero que em breve teremos mais informações sobre o que o Departamento de Justiça fez. Mas me parece que, esmagadoramente, foi politizado, exatamente como a operação em si.
Depois do impeachment de Dilma, Aloísio Nunes, na época em que ele era presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, viajou aos EUA para uma reunião com Tom Shannon. E no mesmo período, houve uma coletiva de imprensa com José Serra e John Kerry, no Brasil, durante o impeachment. E Serra disse nessa coletiva que estava buscando melhor relacionamento com os EUA. Você acha que os EUA também influenciaram o processo democrático no Brasil?
Sim, os EUA tiveram um papel muito importante em legitimar e apoiar o golpe contra Dilma. E todo o caminho até a prisão de Lula, eles estavam apoiando através do Departamento de Justiça e outras agências dos EUA. Mas o golpe, em si, foi muito apoiado.
Um dos grandes sinais foi quando, um ou dois dias depois que o Congresso votou pelo impeachment de Dilma, o senador Aloysio Nunes, que comandava a comissão de Relações Exteriores no Senado, veio para os EUA e se encontrou com Tom Shannon, que era o número 3 do Departamento de Estado na época, e alguém que se envolveu em muitas atividades terríveis ao longo de sua carreira. Ele se aposentou alguns meses atrás.
Este encontro foi um meio dos EUA demostrarem de maneira muito clara, para aqueles que estavam prestando atenção, que o País estava apoiando o golpe. Porque a votação do impeachment no domingo antes de Nunes encontrar com Shannon foi vista ao redor do mundo como um espetáculo. Na verdade, foi uma vergonha, que afetou a cobertura da imprensa aqui, que era majoritariamente a favor do processo de impeachment, mas começou a hesitar depois que viu o que os senadores estavam dizendo.
Shannon teve um papel crucial. Todo mundo sabe quem ele é. É um ex-embaixador no Brasil e, como disse, o terceiro no comando do Departamento de Estado na época. Ele se encontrar com Nunes, quando não precisava se encontrar, foi uma tentativa de mostrar o apoio dos Estados Unidos ao golpe. E foi muito inteligente, porque a maioria da mídia ignorou, mas todos no Brasil, toda a classe política no mundo, todos que entendem de diplomacia sabiam que isso era uma maneira de mostrar apoio ao golpe.
E como se não fosse suficiente, em agosto, John Kerry foi ao Brasil e falou em frente da embaixada dos Estados Unidos com José Serra – que na época era o ministro das Relações Exteriores do governo golpista, se assim quiser chamar – e deu todo o apoio ao novo governo. Disseram que iriam trabalhar juntos. Pouco antes disso, o Senado estava votando e preferiram não condenar Dilma [à perda dos direitos político]. Foi sem erro uma demonstração do apoio dos EUA não só ao impeachment, mas para se livrar de Dilma. Todo mundo que prestou atenção entendeu, embora tenha sido ignorado pela mídia.
Como você analisa o relacionamento entre Bolsonaro e Trump, considerando que durante o governo Lula, o Brasil teve outro tipo de relacionamento com os EUA, tentando estreitar o bloco econômico na América do Sul e também se posicionamento contra a guerra no Iraque, por exemplo, e agora Bolsonaro parece fazer tudo o que Trump quer. Como você vê esse relacionamento?
Não há nenhuma dúvida de que o governo Trump está muito feliz com Bolsonaro e o apoia fortemente ou vai tentar apoiá-lo de toda maneira que puder. Isto é porque eles unificaram a política externa. É por esse motivo também que os EUA quiseram se livrar do antigo governo brasileiro, assim como outros governos de esquerda que foram eleitos no século XXI. Não há diferença, e eles tiveram sucesso em se livrar de alguns deles. Mas eles contribuíram, claro, como disse, para se livrar de Dilma e Lula, e agora eles podem ter o que querem. Especialmente Trump. Porque ele é um extremista e eles [Trump e Bolsonaro] compartilham muita ideologia em comum. Você ainda tem nos Estados Unidos toda uma política externa, um establishment – que inclui arma de indução de pânico, o Departamento de Estado, Conselho de Segurança Nacional, as comissões de relações exteriores do Congresso, e o departamento de Defesa. Todos eles têm uma estratégia em comum, e essa estratégia é não ter governos independentes na América Latina. E se livrar daqueles que foram eleitos e das instituições que eles construíram para a independência regional, como, por exemplo, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] ou CELAC [Comunidade das Nações Latino-Americanas e Caribe]. Eles realmente não querem nenhuma dessas coisas. A transformação da América Latina no século XXI foi a primeira vez em 500 anos que a região teve tanta independência. E, desde o começo do século, a estratégia tem sido de limitar e reverter [o crescimento], mais ou menos como na Guerra Fria contra a União Soviética. Mas eles realmente querem se livrar. E agora eles têm o que querem. De novo: Trump e Bolsonaro têm uma conexão ainda mais especial por sua ideologia racista e de extrema-direita.
Qual é a importância do Brasil, como o maior País da América do Sul, para a política externa dos Estados Unidos?
O Brasil tem sido o grande prêmio para eles. Eles perderam o Brasil depois de 2002 até 2016. Não tinham o País no bolso. O Brasil é mais difícil do que estes outros países [da América do Sul] para os EUA conseguirem se aproximar, porque ele tem uma longa tradição de independência – mesmo na ditadura militar, que foi relativamente independente dos Estados Unidos, ou mais independente do que os Estados Unidos esperavam quando apoiaram o golpe.
Quando essa história for finalmente escrita, eu acho que o golpe contra Dilma, Lula e o PT será visto como um dos mais importantes apoios dos Estados Unidos, em grande escala, a um golpe na América Latina.
Como você vê o juiz Sergio Moro? Ele foi o cara que primeiro condenou Lula e agora é ministro de Justiça de Jair Bolsonaro.
Moro é claramente um líder disso. Ele tinha os olhos o tempo todo em cima do golpe. Ele teve de pedir desculpas à Suprema Corte por grampear Lula, sua esposa e Dilma, e criou esse grande espetáculo prendendo Lula com todos esses policiais, quando Lula se voluntariou para responder perguntas. Então ele fez todas essas coisas, e claro, fez coisas que descobrimos depois, como colaborar com os procuradores, que é antiético e ilegal.
E ele era muito próximo dos Estados Unidos. Ele já veio aqui, ele tinha contatos aqui. Na verdade, esteve aqui recentemente com Jair Bolsonaro e teve encontros em uma desses centros de fusão dos Estados Unidos.
Então acho que ele teve um papel chave. Ele fez tudo ser tão óbvio ao se tornar ministro da Justiça depois de ter entregado a eleição para Bolsonaro prendendo Lula, que teria vencido a eleição de acordo com todas as pesquisas. Acho que esse foi o papel dele e como ele será lembrado.
Você acha que a trama principal da Lava Jato era finalmente tirar Lula da eleição? Acha que Lula na prisão era o principal objetivo dessa operação?
Essa era praticamente a única evidência que eles tinham, porque Lula nunca comprou esse apartamento, nunca ficou nele. Não havia nada além desse cara e sua delação. Então, estava muito claro o que eles queriam fazer: tirar Lula do jogo. E eles fizeram tudo, até mesmo de maneira subsequente, para assegurar que isso aconteceria.
O que você acha que a Operação Lava Jato significa para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos?
Isso realmente esclarece para todos que estão olhando que o Departamento de Justiça tinha um papel importante, e um papel político. Estava perseguindo um objetivo da política externa, que era se livrar do governo do Partido dos Trabalhadores. Claro, estou dizendo isso com base nas evidências que existem agora, a maioria circunstancial, mas espero que teremos evidências mais fortes.
Esse é um dos problemas da mídia aqui, é que eles tem esse padrão. Sempre que os Estados Unidos fazem algo em outro País que é imoral ou ilegal, eles usam o que chamamos de estratégia de cortina de fumaça. Sabe? No sistema judicial, no sistema criminal, nós temos esse padrão que chamamos de evidências “além da dúvida razoável”, ou nos casos civis chamamos de “preponderâncias das evidências”.
A cortina de fumaça é algo que a mídia só parece usar para coisas que os Estados Unidos fizeram, mesmo sabendo que é obvio para qualquer observador. Mesmo os depoimentos que o Departamento de Justiça, oficialmente, já fez sobre esse caso, [mostram que] havia elementos, havia motivação, havia oportunidade, e eles estavam envolvidos nesse crime de um jeito que estava diretamente voltado para os mesmos fins políticos que seu amigo Moro estava direcionado.
Por que os Estados Unidos e Departamento de Justiça quiseram se livrar de Lula e seu partido político?
Toda a operação por parte dos Estados Unidos, toda a operação contra Lula e seu partido político… A propósito, não foi a primeira vez, devo dizer. Em 2006, temos documentos, há um artigo na Folha de S. Paulo sobre isso, mostrando que os Estados Unidos intervieram para tentar enfraquecer o PT naquela época. Eles estavam pressionando por uma legislação que poderia enfraquecer o PT e o governo naquela época. Eles sempre quiseram se livrar desse governo. Por que isso?
A meta principal na América Latina, desde sempre, foi ter países alinhados completamente, ou pelo menos alinhados à política externa dos Estados Unidos. É com isso que eles mais se preocupam agora. Talvez, 30 anos atrás, eles se preocupassem mais com interesses corporativos. Mas agora, na última década ou duas, a preocupação tem sido a política externa. Eles derrubaram o governo do Haiti duas vezes desde 1991. O que o Haiti tem? Nada. Eles fizeram isso porque as pessoas elegeram alguém que não estava alinhada com a política externa. E é um país pequeno. Pense no Brasil.
Brasil quis contrariar a política externa dos Estados Unidos, quis negociar com Irã, Turquia, Rússia por um acordo de troca de combustível nuclear, por exemplo, em 2010. Isso, como vimos na mídia, foi como um ponto de virada. E outra coisa que fizeram, obviamente como líder do movimento de independência da América do Sul, do século XXI, ajudaram a estabelecer a Unasur, CELAC, todos esses outros governos de esquerda, na Bolívia, Equador, Venezuela, Uruguai, Paraguai, Honduras, até o governo dos Estados Unidos vetar estes governos.
Então foi um preço alto [pago pelo Brasil] que sempre esteve presente. Obviamente, é o maior País da região e a maior economia. Eles queriam demolir essa mudança institucional que ocorreu no século XXI e deu à América Latina uma voz independente no cenário mundial. Acho que é disso que eles mais queriam se livrar.