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Tortura e tráfico de drogas: 10 fatos sobre o caso dos 43 estudantes de Ayotzinapa

Completando 7 anos, Ayotzinapa é, sem dúvida, um dos casos de desaparecimento forçado mais emblemáticos dos últimos anos
Alícia Lobato
Cidade do México

Tradução:

A sete anos do desaparecimento dos 43 estudantes da Escola Normal Rural “Raúl Isidro Burgos”, apresentamos algumas chaves para entender como o caso evoluiu, desde a “verdade histórica” da então Procuradoria Geral da República até a identificação de três dos normalistas desaparecidos de maneira forçada, da instalação de uma Comissão para a Verdade e o Acesso à Justiça e os obstáculos que a investigação enfrentou.

Ayotzinapa é, sem dúvida, um dos casos de desaparecimento forçado mais emblemáticos dos últimos anos. Um ponto de inflexão na forma como se entende a violência no México, a cumplicidade do Estado no cometimento de delitos graves e como operam os mecanismos da impunidade para encobrir a verdade. É também uma dolorosa ferida aberta.

Nos últimos sete anos, foi sendo desmontada a versão oficial dos fatos, apresentada na época pelo titular da Procuradoria Geral da República (PGR), Jesús Murillo Karam, que assegurava que na noite de 26 de setembro de 2014 os 43 estudantes da Normal Rural “Raúl Isidro Burgos” de Ayotzinapa, Guerrero, tinham sido privados da liberdade e incinerados em um lixão próximo a Iguala. As irregularidades da investigação, o encobrimento da participação do Exército e da Polícia Federal, e o choque de evidências científicas reforçaram a ideia de que se tratou de uma operação do Estado para ocultar a verdade e manter os estudantes desaparecidos.

Por isso foram exoneradas —por terem sido torturados e sujeitos a outras violações dos direitos humanos— todas as pessoas que foram apresentadas pela PGR como autores materiais; outras 21 pessoas vinculadas ao caso, – segundo informou-se recentemente – morreram ou foram assassinadas.

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Com a chegada da atual administração federal em 2018, as investigações tomaram um novo impulso, tendo sido criada uma Unidade Especial dentro da hoje chamada Procuradoria Geral da República e uma Comissão para a Verdade e o Acesso à Justiça. Foram executadas 40 de 89 ordens de detenção contra servidores públicos do estado de Guerrero e da PGR, policiais federais e ministeriais e até um militar aposentado; no entanto —segundo denunciaram os advogados dos estudantes—, ainda é visível a reticência para perseguir os elementos do Exército que estiveram envolvidos no circuito do desaparecimento. 

Sobre os trabalhos de busca, basta dizer que foram identificados os restos ósseos de três normalistas: Alexander Mora Venancio, Christian Rodríguez Telumbre e Jhosivani Guerrero de la Cruz. A insistência das autoridades em construir uma narrativa, desprezando indícios e ocultando descobertas em pontos diferentes dos da “verdade histórica”, teve como consequência que muitos dos fragmentos encontrados nos últimos anos já não possam ser analisados.

Estas são 10 chaves para entender o que aconteceu no caso Ayotzinapa até este 26 de setembro de 2021, quando ocorre o sétimo aniversário do desaparecimento dos 43 normalistas: Abel, Aberlardo, Adán, Alexander, Antonio, Benjamín, Bernardo, Carlos Iván, Carlos Lorenzo, César, Christian Alfonso, Christian Tomás, Cutberto, Dorian, Emiliano, Everardo, Felipe, Giovanni, Israel Caballero, Israel Jacinto, Jesús, Jhosivani, Jonás, Jorge Álvarez, Jorge Aníbal, Jorge Antonio, Jorge Luis, José Ángel Campos, José Ángel Navarrete, José Eduardo, José Luis, Julio César, Leonel, Luis Ángel Abarca, Luis Ángel Francisco, Madgaleno, Marcial, Marco, Martín, Mauricio, Miguel Ángel Hernández, Miguel Ángel Mendoza e Saúl.

Completando 7 anos, Ayotzinapa é, sem dúvida, um dos casos de desaparecimento forçado mais emblemáticos dos últimos anos

Desinformémonos
Ayotzinapa é, sem dúvida, um dos casos de desaparecimento forçado mais emblemáticos dos últimos anos.

1. A noite de Iguala

Na noite de 26 e madrugada de 27 de setembro de 2014, durante o mandato de Enrique Peña Nieto, 43 estudantes da Normal Rural “Raúl Isidro Burgos”, de Ayotzinapa, foram desaparecidos de maneira coordenada por agentes municipais e estatais e integrantes do crime organizado -sob as vistas do Exército- ao sair de Iguala, Guerrero. Os jovens, entre 17 e 25 anos, iam para a Cidade do México para participar, como a cada ano, da comemoração do massacre de 2 de outubro de 1968. 

A noite de Iguala encerrou-se com 43 dos normalistas desaparecidos, seis pessoas executadas —inclusive três estudantes, um com sinais brutais de tortura—, pelo menos 40 pessoas feridas e dois estudantes com danos graves e permanentes à saúde. Segundo o Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez, cerca de 700 pessoas foram afetadas indiretamente, considerando os familiares dos atingidos.

2. A “verdade histórica”

Em 27 de janeiro de 2015, o então procurador Jesús Murillo Karam apresentou as conclusões da investigação depois que a Procuradoria Geral de Justiça de Guerrero declinou de sua competência. Segundo esta versão, que qualificou como “verdade histórica dos fatos”, os 43 estudantes, depois de serem “privados da liberdade” por policiais municipais, foram “privados da vida” por membros do cartel Guerreros Unidos. Seus corpos, segundo esta versão, foram incinerados no lixão de Cocula, a uns vinte quilômetros de Iguala, e suas cinzas lançadas no rio San Juan.

Naquele momento, o procurador acusou o prefeito perredista de Iguala, José Luis Abarca, e sua esposa, María de los Ángeles Pineda, de serem os autores intelectuais do crime. Também afirmou que os estudantes foram confundidos pelos sicários de Guerreros Unidos com membros de um cartel rival com quem disputavam o espaço, e que isso explicava porque foram executados e incinerados.

Jesús Murillo Karam, procurador geral da República (2012-2015)

Crédito: Presidência Enrique Peña Nieto

3. O primeiro informe do GIEI

Em novembro de 2014, devido à pressão exercida pelos familiares dos 43 diante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o governo mexicano assinou um acordo para receber assistência técnica internacional no caso. Em 6 de setembro de 2015, o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI), integrado por Alejandro Valencia, Ángela María Buitrago, Claudia Paz y Paz, Francisco Cox e Carlos Martín Beristain, apresentou seu primeiro informe.

Entre outras coisas, o GIEI concluiu -com apoio da Equipe Argentina de Antropologia Forense- que não existia evidência alguma que confirmasse a versão oficial sobre o incêndio no lixão de Cocula, pois um fogo com a magnitude necessária para a cremação em massa geraria “danos generalizados visíveis na vegetação e no lixo”. Os especialistas também confirmaram a existência de um quinto ônibus, informação chave que fora omitida na investigação da PGR ao construir a “verdade histórica”.

A reação violenta e coordenada contra os estudantes, sugeriram, estaria relacionada com o tráfico de heroína, cocaína e dinheiro que fluía entre Iguala e Chicago, nos Estados Unidos, pois é em compartimentos especiais nos ônibus que costuma ocorrer o transporte, de acordo com uma declaração jurada por um agente da DEA e escutas telefônicas, fruto de uma investigação da Procuradoria Federal para o Estado de Illinois.

O ataque suspenso contra outro ônibus de passageiros —que transportava a equipe de futebol Los Avispones—, antes que encontrassem e detivessem o quinto ônibus, reforçou a ideia de que naquela noite, os criminosos receberam a instrução de deter as cinco unidades tomadas pelos estudantes, possivelmente para garantir um carregamento. 

Naquele primeiro informe, o GIEI recomendou às autoridades nacionais investigar outras condutas delituosas que tampouco tinham sido perseguidas judicialmente, como tortura — no caso do estudante assassinado e esfolado Julio César Mondíagón Fontes—, tentativas de homicídio, encobrimento, obstrução da justiça e abuso de autoridade, uso não adequado da força, lesões e ameaças. Seus integrantes deixaram constante, por exemplo, que as lesões sofridas por 77% das 80 pessoas detidas até esse momento poderiam constituir atos de tortura. 

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Por outro lado, confirmaram a presença de elementos do 27º Batalhão de Infantaria no lugar dos fatos, os quais tinham informação restrita do C4 (centro de comando, controle, comunicações e cômputo); inteiraram-se de que a Polícia Municipal de Iguala detivera os estudantes e até corroboraram que estes não se encontravam na delegacia. Também documentaram sua chegada à clínica Cristina, onde um grupo de normalistas buscava atenção médica. “Aguentem porque vocês procuraram”, lhes disseram, segundo um dos testemunhos obtidos. 

O Grupo de Especialistas, em seu segundo e último informe, aprofundou estas linhas de investigação e trouxe novos elementos: além das polícias de Cocula e Iguala, esteve envolvida a polícia de Huitzuco; os celulares dos estudantes desaparecidos estiveram ativos horas —até dias— depois dos fatos; foi destruído um vídeo feito pela câmera do Palácio de Justiça —evidência chave no desaparecimento de entre 15 e 20 estudantes—, que tinha sido remetido ao Tribunal Superior de Justiça de Guerrero; e, em 28 de outubro, um dia antes que mergulhadores da Marinha resgatassem um saco preto com restos ósseos —que mais tarde permitiram a identificação de um dos estudantes—, a PGR conduziu uma diligência da que não existia prova alguma. 

Contrariando o desejo dos familiares dos normalistas desaparecidos, o governo encabeçado por Enrique Peña Nieto decidiu não estender este primeiro mandato do GIEI, que terminou em abril de 2016. A dois dias de concluir seu mandato e no mesmo dia em que era apresentado o Informe Final do Mecanismo Especial de Seguimento do Assunto Ayotzinapa (MESA) da CIDH, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) emitiu a recomendação 15VG/2018, que de acordo com os pais e mães dos estudantes, com a Equipe Argentina de Antropologia Forense, com Ángela Buitrago (ex integrante do GIEI) e com o Centro Prodh, reavivou parte da versão oficial que já fora descartada com evidência científica.

Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes 

Crédito: Daniel Cima/CIDH

4. A Comissão para a Verdade

Três dias depois de assumir o cargo como presidente da República, Andrés Manuel López Obrador anunciou a criação de uma comissão especial, que foi instalada em 15 de janeiro de 2019.  

Uma das primeiras ações da Comissão para a Verdade e Acesso à Justiça no caso Ayotzinapa, integrada pelas secretarias de Governo, Relações Exteriores, Fazenda e Crédito Público, assim como por familiares dos 43 estudantes desaparecidos e organizações da sociedade civil, foi a reinstalação do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes.

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Em 26 de setembro de 2020, o subsecretário de Governo e presidente da Comissão, Alejandro Encinas Rodríguez, informou que, entre outros avanços, foi implementada junto com a PGR a criação de uma Unidade Especial de Investigação e Litígio para o caso Ayotzinapa (UILCA), encabeçada por Omar Gómez Trejo, ex secretário executivo do GIEI.  

Também confirmou que, de março a setembro deste ano tinham sido liberadas 70 ordens de detenção —de 83 solicitadas— contra integrantes do cartel Guerreros Unidos, policiais federais ministeriais, agentes do Ministério Público Federal, ex policiais federais e policiais municipais; e que no momento existiam 80 pessoas detidas. 

López Obrador, em sua intervenção, ofereceu desculpas públicas em nome do Estado mexicano. “Estamos diante de uma grande injustiça cometida pelo Estado”, disse, aludindo não apenas aos fatos de 26 e 27 de setembro, como à intenção das autoridades mexicanas de fazer desaparecer novamente os estudantes, por meio de uma verdade construída.

Instalação da Comissão para a Verdade e Acesso à Justiça no caso Ayotzinapa. 

Crédito: Secretaría de Governo

5. Ainda desaparecidos, 40 estudantes

Até esta data, só foi possível identificar os restos ósseos de três dos estudantes desaparecidos: Alexander Mora Venancio, Christian Rodríguez Telumbre e Jhosivani Guerrero de la Cruz. 

Os restos dos últimos dois foram encontrados em novembro de 2019 em um lugar conhecido como Barranca de la Carnicería, a mais de 800 metros do aterro de Cocula; selecionados para estudo pelos Serviços Periciais da Procuradoria Geral da República e da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF); e identificados pelo instituto de medicina legal da Universidade de Innsbruck, na Áustria, em junho de 2020 e junho de 2021. 

Os restos de Alexander e Joshivani já tinham sido identificados durante a administração passada, mas, no caso de Joshivani, a análise de DNA mitocondrial que a procuradora Arely Gómez deu como válido em setembro de 2015, oferecia apenas 17 por cento de coincidência; em troca, a última identificação, realizada a partir de DNA nuclear, ofereceu  99,99%.

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Alexander, por sua vez, foi identificado em dezembro de 2014 —ainda com Murillo Karam à frente da PGR—, mas se presume que o saco encontrado na margem do rio San Juan, de onde foram tirados os restos dos dois estudantes, foi “plantado” para apoiar a “verdade histórica”, como ficou documentado em um vídeo. Agora se sabe que a agente do Ministério Público que assinou e deu fé dessa diligência nem sequer estava no lugar dos fatos, e sim  na Cidade do México.

Um lugar também conhecido como a Barranca de la Carnicería, a uns 400 metros das últimas descobertas, foi inspecionado pela PGR em dezembro de 2014, mas os restos encontrados nunca foram enviados ao estrangeiro para análise e a descoberta não veio a público, segundo o jornal El País. Os fragmentos ósseos, revelou por outro lado Animal Político, deambularam durante anos por diversas agências ministeriais a ponto de, quando finalmente foram encontrados, seu estado já não permitia realizar estudo algum. 

Algo similar ocorreu com os 180 restos ósseos encontrados no segundo barranco em 2019, pois só 22 foram selecionados para identificação. Muitos dos fragmentos, confirmou a Unidade Especial da PGR nesta sexta-feira, não apresentaram sinais de exposição a fogo, mas sim atemperismo (exposição às intempéries). “Estes restos sempre estiveram ali e deixaram que se deteriorassem”, disse o procurador García, que na terça-feira passada assegurou que nos primeiros dias de outubro de 2014, várias corporações de segurança estiveram cuidando da entrada do prédio. 

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Em seu segundo informe, de abril de 2016, o GIEI documentou que a Equipe Argentina de Antropologia Forense solicitou uma diligência na primeira Barranca de la Carnicería. As horas e a data da presença ministerial foram apagadas e a PGR se limitou a informar que a investigação que al se realizava fazia parte de uma averiguação prévia distinta do caso dos estudantes. Em reiteradas ocasiões, o GIEI solicitou as ações ministeriais e periciais que nunca lhe foram entregues; a EAAF, por sua vez, tampouco foi verificar o lugar. 

Em 6 de setembro de 2015, no mesmo dia em que foi apresentado o primeiro informe do Grupo de Especialistas, um criminalista da coordenação de serviços periciais da PGR remeteu uma ordem à Subprocuradoria Especializada em Investigação de Delinquência Organizada (SEIDO), onde explicitou a localização exata deste lugar (18º 12´43.5” N; 99º 36´40.6” W), como chegar a ele e algumas de suas características. O perito, designado para a tarefa três dias antes, descreveu uma superfície irregular, manchada de cor preta, com restos ósseos “parecendo de origem humana, acompanhados de cinzas”.

Barranca de la Carnicería. 

Crédito: Obturador MX

6. Os responsáveis

Entre 26 de setembro de 2014 e 30 de agosto de 2018, foram indiciadas 169 pessoas por sua suposta participação nos fatos que derivaram no desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa (55 policiais de Iguala, 20 policiais de Cocula e 67 civis). Foram detidas 142 destas pessoas e a então PGR processou 70 delas pelo delito de sequestro, não por desaparecimento forçado. 

Em 4 de setembro de 2019, não obstante, já haviam sido liberados 53 supostos responsáveis, depois que 63 das 107 provas recolhidas em diferentes averiguações prévias foram descartadas por um Tribunal Colegiado de Circuito com sede em Reynosa, Tamaulipas; isto devido a uma série de violações ao devido processo, à integridade pessoal e à liberdade, incluindo 29 casos de tortura e/ou tratos cruéis, inumanos ou degradantes. 

Em datas recentes, a Unidade Especial da PGR assegurou que todas as pessoas que em determinado momento foram apresentadas pela PGR como autores materiais do desaparecimento foram exoneradas; e confirmou a existência de mais de 40 vídeos que mostram atos de tortura física e psicológica por parte de funcionários públicos.

O próprio Tomás Zerón de Lucio, ex diretor da Agência de Investigação Criminal da PGR e encarregado direto das investigações do caso Ayotzinapa, foi acusado dos delitos de sequestro, tortura e manipulação de evidências; em um vídeo amplamente divulgado é visto interrogando em tom ameaçador um suposto responsável — que tirou ilegalmente da cadeia—, com os ombros descobertos e a cabeça tapada.

Em 30 de junho de 2020, o Procurador Geral Alejandro Gertz Manero assegurou, em conferência de imprensa, que tinham sido solicitadas 46 novas ordens de detenção contra servidores públicos de diversos municípios de Guerrero, por delinquência organizada e desaparecimento forçado. Estas ordens se somavam às já obtidas, em março do mesmo ano, contra ex funcionários da PGR, incluindo uma contra Tomás Zerón, que continua foragido e com ficha vermelha na Interpol. 

O ex funcionário reside há dois anos em Israel, país que não se pronunciou em relação à solicitação de extradição contra ele; López Obrador enviou uma carta ao primeiro ministro, Naftali Bennett, para uma aproximação mais diplomática. Se for detido, e devido a uma suspensão definitiva outorgada por um juiz em maio deste ano, Zerón de Lucio não poderá ser posto em prisão preventiva, mas terá que apresentar-se ao juiz da causa. 

Durante a conferência de imprensa de junho de 2020, onde também foi anunciada a captura de “El Mochomo” —líder de Guerreros Unidos, falecido em 25 de julho último, de COVID-19—, Gertz Manero indicou que a PGR cometeu diversas irregularidades enquanto investigava o caso: acusações parciais, violações dos direitos humanos —como tortura—, e ocultação de provas que poderiam ter ajudado na busca imediata dos estudantes desaparecidos. 

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No que diz respeito à detenção de funcionários federais, constam as de Carlos Gómez Arrieta, chefe da Polícia Federal Ministerial; Luis Antonio Dorantes Macías, chefe do departamento da Polícia Federal em Iguala; Blanca Castillo, ministério público da unidade de sequestros da Subprocuradoria Especializada em Delinquência Organizada (SEIDO), e o capitão da reserva do Exército, José Martín Crespo, primeiro militar processado pelo caso Ayotzinapa.

Na última sexta-feira, no contexto do sétimo aniversário do desaparecimento dos estudantes, o subsecretário Encinas informou que, desde 2014, 21 pessoas vinculadas ao caso perderam a vida ou foram executadas, silenciadas. Omar Gómez Trejo, procurador especial para o caso Ayotzinapa, confirmou que desde julho de 2019, são 89 as ordens de detenção emitidas, tanto pelos fatos da chamada noite de Iguala, como pela manipulação da investigação; destas, ainda restam 40 ordens por executar: 30 pelo desaparecimento dos estudantes e 10 pelas irregularidades. 

Nesse sentido, reiterou que os processos de judicialização já não se concentram exclusivamente nos responsáveis pela detenção e posterior desaparecimento dos estudantes; também naqueles que participaram da manipulação e tergiversação do caso com o objetivo de manter a narrativa da “verdade histórica”.

Sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Crédito: Daniel Cima/CIDH

7. As armas dos assassinos

O caso Ayotzinapa cruza com outro grande tema que atraiu os refletores recentemente: o comércio irresponsável de armas e seu tráfico ilegal, motivo que levou a administração de López Obrador a processar, nos tribunais de Boston, Massachusetts, 11 empresas que fabricam e vendem armas nos Estados Unidos. 

Em fevereiro de 2019, a Audiência Provincial de Stuttgart, na Alemanha, condenou a empresa Heckler & Koch (H&K) pelo desvio ilegal de armas que foram vendidas ao governo mexicano —especificamente à Secretaria da Defesa Nacional (Sedena)—, com a condição de não serem utilizadas em zonas de conflito.

Apesar de um bloqueio inicial por parte do Ministério de Assuntos Exteriores da Alemanha, a H&K vendeu ao México, entre 2006 e 2009, de 9.472 a 9.652 fuzis, metralhadoras e munições por um valor de mais de 13 milhões de euros. Destes, entre 4.702 e 5.003 armas longas foram parar em corporações policiais de Chihuahua, Jalisco, Chiapas e Guerrero, estados que compraram fuzis modelos G36V, G36KV e G36C1 —que podem emitir mais de 800 munições por minuto—, segundo documentos oficiais.

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No estado de Guerrero foram parar 1.924 destas armas, enquanto quatro metralhadoras MP5 e 56 fuzis G36V terminaram em mãos da Polícia Municipal de Iguala, uma das corporações implicadas no caso Ayotzinapa. Faturas da Sedena, notas de agradecimento expedidas por outras agências de segurança, petições de redirecionamento dos lugares de destino e as evidências fotográficas e periciais dos eventos de 26 e 27 de setembro dão conta do que foi dito.

Uma arma fabricada por esta empresa, como revelaram em determinado momento as investigações do caso, foi a responsável por ferir Aldo Gutiérrez Solano, normalista que continua em estado mínimo de consciência. Tinha 19 anos no momento do ataque coordenado entre agentes do Estado e grupos do crime organizado. 

Embora a família de Aldo tenha solicitado participar do processo, a petição lhes foi negada com o argumento de que este se levava a cabo por violações a leis mercantis e não por situações relativas aos direitos humanos. A empresa foi multada em 3,7 milhões de euros e dois de seus empregados obrigados a cumprir menos de dois anos de liberdade condicional, uma multa de 80 mil euros e 250 horas de trabalho comunitário; outros três acusados foram absolvidos. 

Leonel Gutiérrez, irmão de Aldo

Crédito: Centro Prodh

8. A morte e as doenças golpeiam mães e pais

Depois de sete anos exigindo a localização de seus filhos, infelizmente, dois pais e uma mãe dos 43 normalistas perderam a vida e se foram sem saber o paradeiro de seus filhos. 

Bernardo Campos Santos “Don Berna”, pai de José Ángel Campos Cantor, e Saúl Bruno Rosario, pai de Saúl Bruno García, faleceram em agosto e setembro deste ano; em fevereiro de 2018 faleceu Minerva Bello, mãe de Everardo Rodríguez Bello.  

No entanto, segundo os próprios pais e mães —em diversas entrevistas para meios de comunicação—, as sequelas perseguem também os vivos: diabetes, hipertensão, insuficiência renal, problemas na pele, cataratas e mesmo fraturas em extremidades inferiores; sem contar os problemas econômicos que isto lhes acarreta. Daí que para alguns deles fique cada vez mais difícil participar das reuniões e manifestações realizadas longe de seus lugares de origem. 

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Em um informe sobre os impactos psicossociais do caso Ayotzinapa, o Fundar, Centro de Análises e Investigação, explica que o desaparecimento de seus filhos e a cumplicidade do Estado no ocultamento da verdade teve como consequência impactos traumáticos diferenciados (transtornos de sono, fantasias de vexames e de maus tratos a seus filhos) que, além disso, se desencadeiam por diversos fatores: a versão oficial — a cada  tanto reavivada —, a criminalização e estigmatização dos normalistas ou a descoberta de fossas onde poderiam estar alguns deles. 

“A sete anos da tragédia, a saúde de nossos familiares se desgasta por não haver avanço nas investigações. A dor, a raiva e a indignação continuam a nos consumir”, publicaram em sua página no Facebook pais e mães de Ayotzinapa, por ocasião da morte de Saúl Bruno.

Bernabé Campos Santos “Don Berna” (direita)

Crédito: Facebook Pais e Mães de Ayotzinapa

9. O Exército se nega a cooperar; a PGR, amarrada

Enquanto o general Luis Cresencio Sandoval, secretário da Defesa Nacional, assegura repetidas vezes que sua dependência mudou a maneira de atender o caso, familiares dos 43 normalistas e seus advogados, ainda em janeiro deste ano, afirmaram que o Exército esteve “dosificando” a informação que compartilha com as autoridades ministeriais, mesmo quando se sabe desde o primeiro momento, pelos testemunhos dos sobreviventes, os informes do Grupo de Especialistas e outras investigações jornalísticas, que o 27º Batalhão de Infantaria esteve envolvido nos fatos.

A falta de cooperação da Sedena, assegurou em entrevista para SinEmbargo o advogado Vidulfo Rosales, do Centro de Direitos Humanos da Montaña Tlachinollan, é o calcanhar de Aquiles da investigação. “Na hora de fazer as coisas, de concretizar os atos de investigação, vemos obstáculos, vemos reticências, vemos que as coisas não avançam”, disse, lembrando que em diferentes ocasiões, o presidente López Obrador comprometeu-se a que as Forças Armadas —das quais é comandante supremo— colaborem em tudo o que for necessário. 

Rosales também sugeriu que a PGR está comprometida, já que ainda persistem alguns elementos da PGR que participaram da construção da “verdade histórica”; disse que se tratava de pelo menos quatro pessoas que trabalham em diferentes subprocuradorias, coordenando assessores do procurador e até de uma pessoa muito próxima a ele. Daí que não surpreenda, explicou, a filtração de informação processual e até a fuga de Tomás Zerón de Lucio.

Em relação à participação do Exército, o representante jurídico das famílias recordou que se conta com elementos de prova suficientes para acreditar no envolvimento do 27º Batalhão de Infantaria na noite de 26 e madrugada de 27 de setembro: além da presença de militares em diversas cenas do crime —tal como documentou o GIEI—, o Exército monitorou os normalistas desde que chegaram a Iguala e do C4 em tempo real. 

Uma testemunha protegida identificada como “Juan” garante que 25 estudantes entraram no 27º Batalhão, foram interrogados e vários assassinados, uma hipótese que foi desdenhada pelas autoridades a cargo do caso mas não pelos pais e mães dos normalistas, que em reiteradas ocasiões tentaram o acesso às instalações. Em julho de 2019, realizaram uma visita em companhia de seus advogados. 

Uns 40 militares de diferentes patentes, confirmou o subsecretário Encinas sexta-feira passada, compareceram até o momento diante da PGR. O procurador especial para o caso Ayotzinapa, Omar García, assegurou que a participação do Exército é uma línha de investigação que se está trabalhando “fortemente”, e da qual é coadjuvante o GIEI. 

Segundo Vidulfo Rosales, foi o Exército mexicano que “encabeçou” a operação coordenada com a Polícia Ministerial, a Polícia Estatal, a Polícia Municipal e o cartel Guerreros Unidos. “Deveríamos estar fechando o cerco ao Exército […] Os pais de família necessitam saber: sim ou não, o Exército mexicano participou, e em que nível?”.

Reunião com pais e mães de Ayotzinapa; no fundo, o secretário da Defesa.

Crédito: Presidência

10. Ausente, nova mecânica dos fatos

Em 21 de setembro último, na segunda Barranca de la Carnicería, o procurador Gómez e o subsecretário Encinas insistiram em que “avançaram muito na controvertida verdade histórica”; que as evidências encontradas ali —os ossos espalhados em sacos que ainda estão sendo analisados—, os trechos do barranco que continuam investigando, os novos cenários e testemunhos obtidos —sem incorrer em ilícitos, como fez a PGR—, eliminavam a montagem do lixão de Cocula e do rio San Juan.  

No entanto, quando lhes foi perguntado, segundo as investigações do atual governo, o que aconteceu então com os 43 estudantes a partir da noite de 26 de setembro, para onde os levaram, o que lhes fizeram, a quantos deles e aonde, disseram que ainda falta tempo para ter uma explicação. Em meados do mandato de López Obrador, essas perguntas ainda não tem resposta.

* Marcos Nucamendi (@makonucamendi) é parte do projeto A dónde van los desaparecidos. Trabalhou como jornalista e professor universitário –nas áreas de Relações Internacionais e Ciências Políticas–, na cidade de Puebla. Atualmente faz seus estudos de mestrado em Cooperação Internacional no Instituto Mora.

** www.adondevanlosdesaparecidos.org é um site de investigação e memória sobre as lógicas do desaparecimento no México. Este material pode ser livremente reproduzido, desde que respeitado o crédito da pessoa autora e de Aonde estão os desaparecidos.


*** (@DesaparecerEnMx). Foto de capa: Ginnette Riquelme/CIDH com licença CC BY 2.0


**** Publicado originalmente em A dónde van los desaparecidos


***** Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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