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ToggleA crise energética nos últimos dois anos alcançou uma nova dimensão devido às sanções ilegais impostas à Rússia pelo Ocidente. Este fato não só acelerou a incerteza quanto ao fornecimento energético como intensificou a fratura nas relações geopolíticas que mantêm o fluxo dos hidrocarbonetos russos para a Europa.
O gás natural, que durante décadas fluiu como o pulsar constante de uma cooperação benéfica entre o país eslavo e os Estados europeus, agora, sob o sistema de agressão financeira ocidental, transformou-se em uma corda atada pelos próprios membros da União Europeia (UE).
Na medida em que as decisões contra a Rússia se mantêm, as rotas alternativas para o envio dos hidrocarbonetos ganharam mais relevância. Atualmente, o fornecimento de gás russo para a Europa está limitado a duas vias principais: o projeto TurkStream, que envia este recurso da Federação para a Turquia, e depois para a Europa Central, e a rota pela Ucrânia, pela entrada de Sudzha.
Eslováquia como ponto de redistribuição
Em uma viagem recente, o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, anunciou em 7 de outubro de 2024 a seu homólogo eslovaco, Robert Fico, que Kiev não estenderá o acordo de trânsito de gás com a Rússia quando este expirar no final do ano. A decisão tem implicações geopolíticas e energéticas que vão além de um simples acordo bilateral.
Shmyhal expressou no encontro que, embora entenda a aguda dependência de alguns Estados — inclusive a Eslováquia — do abastecimento de gás russo, o objetivo estratégico da Ucrânia é privar o Kremlin dos lucros da venda de hidrocarbonetos. Não obstante, assegurou que “a eventual diversificação das entregas superará estes problemas”.
Ora, a cooperação entre Eslováquia e Rússia foi, historicamente, estreita. No contexto das tensões geopolíticas atuais, a Eslováquia manteve uma relação pragmática com Moscou, consciente de sua dependência para satisfazer as necessidades energéticas de sua economia. O operador do sistema de transporte de gás eslovaco Eustream e o maior comercializador de energia eslovaco SPP obtêm lucros de até 1,5 bilhões de dólares anuais em operações com gás russo.
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Inclusive, em 2022, depois do anúncio de Ursula von der Leyen de sua intenção de proibir as exportações energéticas da Rússia, Eslováquia e Tchéquia pediram um adiamento da medida, o que conseguiram para abastecerem-se pelo oleoduto Druzhba até o fim de 2023. De acordo com os registros, este ano a Eslováquia importou da Rússia aproximadamente 89% de suas necessidades de gás natural, o que constitui um sinal claro de dependência tanto do fornecimento como da redistribuição dos hidrocarbonetos da Federação para outros países.
O país centro-europeu é membro da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), espaços onde o primeiro-ministro eslovaco foi um firme opositor ao ingresso da Ucrânia na aliança militar atlântica porque isso criaria as bases para uma “Terceira Guerra Mundial”. Por outro lado, para fazer uma mediação nas pressões ucranianas, mostrou um maior apoio à ideia de que se una à UE: “Não poremos obstáculos à adesão da Ucrânia à UE”, afirmou Fico há alguns dias.
Para a administração de Zelenski, a Eslováquia é um vizinho importante em sua busca de apoio diplomático e militar, assim como em suas aspirações de ingressar nas organizações mencionadas. Portanto, a decisão de Shmyhal de não estender o acordo de trânsito de gás russo pelo território eslovaco parece estar destinada a forçar as aspirações de adesão a estas plataformas e, evidentemente, para cercear a Rússia destes mercados.
Dependência contínua
Antes da crise ucraniana, a rede de gasodutos russos era uma coluna vertebral para a Europa Central e Oriental. Em 2021 transitaram por estas zonas até 150 bilhões de metros cúbicos de gás, o que proporcionava uma fonte confiável de energia para grande parte do continente.
Para ilustrar esta grandeza, segundo informes da UE, no total os países membros consomem mais de 350 bilhões de metros cúbicos de gás, cujo uso principal é a geração de eletricidade, a calefação doméstica e os processos industriais. O consumo de gás russo significava um pouco mais de 40% do total.
A Europa poderia ter tido uma oportunidade de ouro para mitigar sua crise nesse item se aderisse ao Nord Stream 2, porque o projeto foi feito para assegurar o fornecimento contínuo de gás ao continente.
A infraestrutura, que teria duplicado a capacidade de envio à região europeia, foi sabotada em diferentes frentes, sacrificada para beneficiar os EUA, o que pôs a Europa em uma posição extremamente vulnerável.
Mera coincidência?
Em 2023, os EUA foram os maiores fornecedores de gás natural liquefeito (GNL) da UE, com quase 50% do total das importações. Não é coincidência. Tratou-se de uma estratégia de monopolização do mercado de gás europeu. Só em 2023, em comparação com 2021, as importações procedentes dos Estados Unidos quase triplicaram.
Definitivamente, a decisão do governo de Zelenski de não renovar o acordo de trânsito de gás com a Rússia não é senão uma tentativa de empurrar a Europa para uma exacerbação de seu quadro de crise energética.
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Enquanto a Rússia continua sendo o ator chave na segurança energética desta região, a Ucrânia optou por utilizar o gás como arma política, o que pôs em risco a estabilidade do mercado e, sobretudo, a segurança do resto dos países.
Com a redução ou o corte total deste fornecimento, os países da Europa Central se verão forçados a recorrer a fornecedores mais caros ou menos estáveis, o que gerará maiores preços para os consumidores e uma muito possível redução da economia, afetando assim a competitividade de suas indústrias.
A dependência da Europa do gás russo continua sendo uma realidade inegável, e qualquer tentativa de desviar a narrativa para uma ruptura definitiva com Moscou só agravará a situação.
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