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Ultradireita do Chile cria nova Constituição pior que de Pinochet, mas aprovação é improvável

Segundo analistas, a direita "moderada" é arrastada pelos extremistas pelos resultados eleitorais crescentes que obtiveram
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

Enquanto o negacionismo e a regressão com respeito à ditadura se impõe na direita chilena, ao ponto de ter desistido de participar da comemoração em memória das vítimas no 50º Aniversário do golpe militar de 1973, essa “restauração conservadora” se estende ao controle absoluto do processo constitucional. O texto, advertem, no entanto, já aponta para um segundo e definitivo fracasso.

Recorde-se que em novembro de 2022 um projeto de nova constituição redigido por uma maioria esquerdista foi rechaçado esmagadoramente por 62% do eleitorado.

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Isso acontece porque a maioria absoluta – 33 de 50 – dos responsáveis por redigir o carta magna no Conselho Constitucional são representantes da direita “clássica”, que se unem aos ultraconservadores do Partido Republicano.

Segundo analistas, a direita “moderada” é arrastada pelos extremistas pelos resultados eleitorais crescentes que obtiveram, tanto na eleição presidencial de 2021, em que seu candidato José Antonio Kast ganhou no primeiro turno com 27,9% dos votos; como em março de 2023, quando na eleição de conselheiros constitucionais obtiveram 35% dos sufrágios.

Isso fez com que os ultradireitistas somassem 23 conselheiros, enquanto que o Chile Vamos (UDI, RN e Ecopoli), 11.

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Câmara de deputados do Chile
Novo texto da ultradireita coloca em risco direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluindo o aborto, hoje permitido em 3 casos

Movimento à direita

Temerosa de que republicanos sigam perfurando sua base eleitoral – nas presidenciais de 2021 chegou em quarta posição com 12,79% dos sufrágios e em terceira na de conselheiros em maio de 2023 –, os partidos do Chile Vamos se movem à direita “camuflando-se”.

Assim, no Conselho Constitucional, onde o centro dispõe de 16 representantes, a somatória de ambas as direitas se impôs sem contrapeso, e tudo o que foi proposto pelo oficialismo não foi considerado. 

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O impulso regressivo de republicanos logra inclusive que o Chile Vamos aceite a modificação substantiva do projeto de texto que obteve um consenso de uma “comissão especialista” de 24 integrantes – designados por quotas segundo a representação partidária no Parlamento – que, em teoria, representaria a diversidade do país. As modificações acabaram com o consenso dos “especialistas” e estão agora inclinadas para a direita referendando uma articulação retrógrada. 

Por exemplo, na semana passada a somatória de republicanos e do Chile Vamos fez coisas como constitucionalizar a existência das administradoras de Fundos de aposentadoria, as desprestigiadas AFPs e das seguradoras de saúde, conhecidas como Isapres (instituições de saúde provisória); e substituíram um artigo sobre o direito à água que dizia: “prevalecerá seu uso para o consumo humano e para o uso doméstico suficientes”. O trecho foi substituído por outro que fala do “direito ao acesso”, isto é, não garante sua disponibilidade.

Direitos das mulheres

Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – entre eles o aborto, por três causas (violação, inviabilidade do feto e risco de morte para a mãe), agora existente – correm risco, porque os Republicanos buscam impor o “direito à vida” a partir da perspectiva religiosa, da mesma forma que “a família como núcleo fundamental da sociedade”.

A centro-esquerda denuncia a nula disposição de levar acordos à frente. “O Partido Republicano e o Chile Vamos converteram a Constituição em uma coisa sinistra. Este processo tomou um rumo preocupante, a possibilidade de menos direitos e menos liberdades é muito alta”, afirma o conselheiro Yerko Ljubetic.

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“Há um franco retrocesso na possibilidade de acordar bases mínimas. Aqui se impôs uma maioria circunstancial convertendo um projeto em algo à medida de alguns, sem considerar que a Constituição é algo em que todas e todos temos que caber, portanto, o que está hoje é algo que possivelmente a maioria do país não aprovaria”, agregou. 

Miguel Littin, conselheiro socialista, afirmou que “não é democrático que se repita uma e outra vez a mesma mecânica”, dizendo que há “uma simulação de democracia”.

Um novo “rechaço”

De acordo com pesquisas, o rechaço à proposta constitucional entregue pelo Conselho Constitucional está em alta e já soma 41%, enquanto a aprovação ao órgão redator se situa em apenas 14%. Segundo o presidente, é evidente que, a partir da direita, existe um retrocesso na valoração da democracia. 

A regressão conservadora se estende ao cotidiano. Há alguns dias, quando o presidente Gabriel Boric acabava de oficializar a comissão para buscar os detidos desaparecidos e nas redes sociais, foi divulgado que grupos ultradireitistas aportaram em poucas horas 100 milhões de pesos, quase 120 mil dólares, para financiar a defesa de um capitão de polícia, afastado e condenado a 12 anos de prisão por disparar uma bomba lacrimogênea diretamente no rosto da senadora Fabiola Campillai durante os protestos de 2019.

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Ao mesmo tempo que aquilo acontecia, no Parlamento se aprovava uma lei que permite a legítima defesa privilegiada, isto é, disparar contra quem ocupa a propriedade de um terceiro.

Condenados por crimes de lesa humanidade reconhecem seus delitos

27 ex-militares com cargo de oficiais, que cumprem condenações por delitos que violam os direitos humanos praticados entre 1973 e 1990, durante a ditadura de Augusto Pinochet, divulgaram uma carta admitindo seus crimes e questionando seus superiores hierárquicos que, afirmam, foram quem os ordenou. 

“Reconhecemos que, no cumprimento de nossos deveres e na forma como entendemos na época, muitas de nossas ações produziram violações aos direitos humanos com graves consequências. Não resta dúvida que isso foi reflexo de uma formação que dava mais importância à obediência que ao respeito por aqueles considerados adversários”, afirmaram. 

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Os criminosos, que se autodefinem como “oficiais subalternos a antanho”, disseram ter esperado 33 anos para que seus superiores assumissem a responsabilidade por suas ordens. “A partir disso, viemos hoje para assumir a responsabilidade de seus atos, como consequência do pávido silêncio daqueles que, investidos de seus graus e cargos, não tiveram a grandeza de assumirem as ordens que deram aos seus subordinados”.

Aludindo a “seus subordinados”, disseram expressar “tristeza por aqueles que, sendo o degrau mais baixo e mais fraco da cadeia de comando – nos referimos aos suboficiais, soldados conscritos e funcionários civis – hoje têm como único futuro terminar seus dias na prisão por cumprir as ordens de seus comandos”.

Quem assina

Os que firmam são parte de um total de 134 agentes do Estados que cumprem condenações no presídio de Punta Peuco, 43 quilômetros a noroeste de Santiago. 

Entre aqueles que assinam estão Carlos Herrera Jiménez, ex-oficial do Exército condenado à prisão perpétua e a outras penas como crimes diversos; Iván Quiroz Ruiz, ex-oficial de Carabineiros, sentenciado a duas penas de dez anos e um dia e a outra de sete anos; Daniel Guimpert Corvalán, ex-oficial da Armada, condenado a 20 anos de prisão por associação ilícita e sequestro qualificado; Hernán Ramírez Hald, ex-general de Exército, condenado a 10 anos; Manuel Carevic Cubillos, ex-oficial do Exército, condenado a 10 anos e um dia, por sequestro; Manuel Provis Carrasco, ex-brigadeiro general do Exército, com condenações a 10 anos e 15 anos; Arturo Silva Valdés, ex-oficial do Exército, escolta de Augusto Pinochet e chefe de segurança de Agustín Edwards, proprietário do diário El Mercurio; Christoph Willeke Flöel, ex-brigadeiro general, condenado a 17 anos pela “Operação Condor” e a 15 anos e um dia pelo homicídio de Carlos Prats, ex-comandante em Chefe do Exército e sua esposa, em 1974; José Zara Holger, ex-oficial do Exército, condenado a 15 anos pelo assassinado de Prats e sua esposa.

Em outra ordem de coisas, Carabineiros informaram que, entre 10 e 11 de setembro de 1973, houve 254 “eventos” no nível do país, com 108 pessoas detidas, 77 delas em Santiago. Desses, 37 passaram ao Ministério Público por desordem, roubos ou saques. 

Houve 14 carabineiros e oito civis feridos, oito ataques a quartéis e sete veículos queimados.

Aldo Anfossi | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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