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Foto: Francia Márquez / Facebook

O que se sabe sobre atentado contra pai de Francia Márquez, vice-presidenta da Colômbia

"Me dói o coração que tenham atentado contra meu pai", afirmou a líder colombiana, convocando o país a somar "esforços para conduzir sociedade à paz"
Jorge Enrique Botero
La Jornada
Bogotá

Tradução:

Beatriz Cannabrava

* Atualizado em 19/06/2024 às 11h27.

Sigifredo Márquez, pai da vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, foi vítima de um atentado quando se deslocava em uma caminhonete blindada por estradas do departamento do Cauca, informaram no último domingo (16) autoridades locais. Às três da tarde, o veículo em que Márquez viajava na companhia de um menino de seis anos, sobrinho da vice-presidente, foi atingido por quatro tiros de fuzil de alto calibre, precisaram fontes da polícia do povoado de Robles.

A potente blindagem do veículo impediu uma tragédia e, de tarde, tanto o pai da alta funcionária quanto seu sobrinho estavam fora de perigo, depois de serem transferidos em um helicóptero da Força Aérea para esta capital. “Me dói o coração que, justo neste dia, tenham atentado contra meu pai. Informo que ele e um sobrinho de seis anos sofreram um atentado na via Suárez-Cali, à altura de Timba. Afortunadamente, saíram ilesos do ataque e se encontram bem”, afirmou a líder colombiana no mesmo dia.

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O lugar assinalado pela vice-presidente está muito perto de La Toma, local de nascimento de Francia, onde ela se forjou como líder social e ambiental por mais de duas décadas antes de ingressar na política. A zona é, há quatro meses, epicentro de fortes enfrentamento entre tropas do exército e frentes guerrilheiras do denominado Estado Maior Central (EMC), dissidência das extintas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que não aderiram aos acordos de paz de 2016.

Nesta área específica opera a coluna Jaime Martínez, autora, na semana passada, de vários ataques com explosivos em centros populacionais, resultando em dezenas de civis feridos e consideráveis danos materiais em infraestruturas.

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A escalada da confrontação armada no departamento do Cauca, no sudoeste do país, despertou um clamor de vozes provenientes de diversos setores para que o governo se ponha na tarefa de neutralizar as forças irregulares. A maioria tem se inclinado por um incremento da presença militar na região, mas porta-vozes das comunidades que vivem na pele os efeitos da guerra se mostram a favor de continuar buscando uma saída política, através do diálogo com os rebeldes.

Situação no Cauca é preocupante

Na segunda-feira, Francia Márquez expressou sua “preocupação pela segurança no Cauca, Vale do Cauca, no município de Suárez e no distrito de La Toma, assim como pela segurança de minha comunidade e minha família”. Segundo analistas militares e investigadores que trabalham no terreno, pelo menos cerca de 2.800 guerrilheiros do EMC, organizados em frentes de cerca de 200 homens, se mobilizam pela densa geografia do Cauca, cuja população é em sua grande maioria indígena.

A região é banhada pelo Oceano Pacífico, o que – segundo especialistas em temas de narcotráfico – a converte em cenário ideal para a plantação de coca, processamento de cocaína e exportação desta para os mercados internacionais.

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O presidente Gustavo Petro, cujo governo teve um breve espaço de diálogo político com essas guerrilhas desde o final de 2023 até o início de 2024, afirmou que enquanto essas forças tiverem relação com o narcotráfico e outras economias ilegais, não haverá conversações de paz, mas estrondos de guerra.

O Chefe de Estado enviou hoje um “abraço de solidariedade para a vice-presidente Francia Márquez pelo atentado contra seu pai” ao mesmo tempo em que pediu às autoridades “iniciar as investigações pertinentes.”

A vice-presidente expressou que “nestes momentos difíceis faço um chamado a toda a Colômbia, para somar os esforços que sejam necessários para conduzir nossa sociedade à paz.”

Condenação da Chiquita Brands

A companhia bananeira estadunidense Chiquita Brands, sucessora da lendária United Fruit Company, responsável por semear o caos político e a violência na América Central e no Caribe no final do século 19 e início do 20, foi condenada a indenizar comunidades camponesas da Colômbia após comprovar-se que financiou durante anos grupos paramilitares de extrema-direita na zona bananeira de Urabá.

A única questão que porta-vozes de organizações populares e de direitos humanos lamentam é que a sentença contra a Chiquita Brands tenha sido proferida na corte federal do distrito sul da Flórida e não nos tribunais colombianos aos quais apelaram por décadas as vítimas do paramilitarismo.

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“É uma verdadeira vergonha que seja a justiça estadunidense e não a colombiana que abra o caminho para julgar o empresariado que ordenou e financiou os massacres do Urabá”, disse o politólogo León Valencia após conhecer a histórica sentença, que inclui uma indenização de mais de 38 milhões de dólares para as vítimas.

Valencia rememorou os anos de pânico que se viveram nessa região localizada no departamento de Antioquia, em épocas em que era governador o ex-presidente Álvaro Uribe. Junto à prosperidade que trouxe à região o auge do banano, chegou uma feroz repressão contra o movimento sindical e as organizações camponesas. 

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Das detenções arbitrárias passou-se à tortura e daí ao desaparecimento de líderes operários. Em seguida, os paramilitares tomaram as rédeas e desencadearam uma onda de terror, massacrando comunidades que acusavam de apoiar as diversas forças guerrilheiras que operavam na região.

Dentro da chamada “estratégia de pacificação do Urabá”, que Uribe apresentava como um modelo a seguir em todo o país, desencadeou-se também o extermínio da União Patriótica, partido que foi eliminado a tiros da cena política nacional.

Tétrica herança

Durante o longuíssimo processo contra a Chiquita Brands, que durou 17 anos, os advogados das vítimas conseguiram provar que a bananeira estadunidense financiou com pelo menos 1,7 milhão de dólares e prestou apoio logístico a três blocos das denominadas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) entre 1997 e 2004. Também derrubaram os argumentos da companhia multinacional que alegava ter pago para proteger a vida de seus trabalhadores.

A tristemente célebre United Fruit Company, fundada em 1899 e comprometida em dezenas de golpes de Estado ao longo e ao largo da América Central e do Caribe, assim como na matança de milhares de trabalhadores da banana em 1928 – cena com a qual Gabriel García Márquez dá início a Cem anos de solidão –, tornou-se rapidamente uma gigante da indústria da banana e chegou a controlar quase todo o mercado mundial da fruta, até que em 1990 adotou o nome de Chiquita Brands.

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“A decisão do tribunal da Flórida corrobora que no DNA desta empresa há uma marcada tendência a apelar a qualquer método para manter sua posição no mercado”, comentou ao La Jornada o antropólogo Jaime Rueda.

Segundo vários juristas, a sentença chega em boa hora, pois a justiça transicional criada após os acordos de paz de 2016 se prepara para enfrentar um de seus mais complicados desafios: estabelecer a responsabilidade de banqueiros e empresários do campo e da cidade, nacionais e estrangeiros, no financiamento dos grupos paramilitares.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Enrique Botero Jornalista, escritor, documentarista e correspondente do La Jornada na Colômbia, trabalha há 40 anos em mídia escrita, rádio e televisão. Também foi repórter da Prensa Latina e fundador do Canal Telesur, em 2005. Publicou cinco livros: “Espérame en el cielo, capitán”, “Últimas Noticias de la Guerra”, “Hostage Nation”, “La vida no es fácil, papi” y “Simón Trinidad, el hombre de hierro”. Obteve, entre outros, os prêmios Rei da Espanha (1997); Nuevo Periodismo-Cemex (2003) e Melhor Livro Colombiano, concedido pela fundação Libros y Letras (2005).

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