Transcorrido mais de um mês desde o esmagador triunfo do “recuso” à nova Constituição garantidora de direitos sociais providos pelo Estado – por 15 pontos de vantagem sobre o “aprovo” –, as possibilidades de reviver a rota constituinte no Chile seguem ancorados à vontade da direita, que não cede em condicioná-la a estabelecer um marco restritivo da vontade do poder constituinte.
A direita tem maioria na Câmara de Deputados e no Senado. Para renovar a via a uma nova Carta Fundamental se requer que o Parlamento aprove por um mínimo de 4/7 uma reforma constitucional que a viabilize. Nenhuma força política reúne por si só essa quantidade mínima de deputados e senadores (88 e 28, respectivamente), obrigando a uma negociação multipartidária.
Direita chilena quer “especialistas” em nova Convenção Constituinte; entenda o que muda
Chile Vamos, a coalisão de três partidos direitistas que busca salvaguardar a essência neoliberal do regime vigente – isto é, que o papel do Estado se restrinja a subsidiar a provisão de serviços sociais em âmbitos e lugares geográficos não atrativos ou pouco lucrativo para a empresa privada – insiste em preestabelecer “princípios” impossíveis de caminhar para uma eventual constituinte.
Basicamente são três: 1) O Chile NÃO é um país plurinacional, como o definia o texto fracassado, mas um Estado único, unitário, composto por diferentes culturas; 2) enquanto a centro-esquerda insiste que se declare um Estado social e democrático, insiste também em que se garanta a propriedade sobre as águas destinadas a particulares; 3) e que se proclame a liberdade de escolha em temas de previdência, educação e saúde.
Tampouco a direita especifica qual seria o mecanismo para escrever a nova Constituição; que órgão, com quais faculdades, composto por quem, como seriam eleitos, quais as representações de povos originários, com quais faculdades, etc.
Só concordam que seja com paridade de gênero e proporcional aos povos indígenas originais, não sobrerrepresentados.
La Jornada
Trâmites para construir uma nova Constituição são um filme em desenvolvimento e de resultado incerto
Javier Macaya, presidente da Unión Democrata Independente (UDI), resumiu assim:
“Cremos que parte das razões pelas quais o experimento refundador da Convenção fracassou (aludindo ao anterior processo), era porque não existia possibilidade de eleger ou provisão mista de direitos sociais. Os direitos sociais não são só providos pelo monopólio estatal, (e) não são incompatíveis com que a sociedade civil participe dessa provisão, essa é a discussão de fundo”, afirmou.
Direita chilena se articula contra participação de povos originários em nova Constituinte
A partir do oficialismo, Paulina Vodánovic, presidenta do Partido Socialista (PS), respondeu: “A direita volta ao tema das bordas (os princípios insuperáveis) e não se pronuncia sobre o mecanismo (quem, como e com que poderes redigiriam a nova constituição); pretextam dar tranquilidade à cidadania, mas na realidade é para certos atores como as Administradoras de Fundos de Pensões (AFP)”, o factótum do neoliberalismo, que continuam ganhando bilhões em plena crise de legitimidade.
Vodánovic justificou que um “Estado Social e Democrático de Direito tem a ver com ênfase em prestações sociais que estão mercantilizadas. Quando a direita troca a maiúscula por uma minúscula, agrega um s, e lhe soma liberdades – Estado social e democrático de direitos e liberdades – desnaturaliza o conceito. Não é uma discussão semântica ou ortográfica, é de fundo e deve se dar no órgão constituinte”.
Conseguir um acordo é uma corrida contra o tempo se o propósito é evitar que a eleição de constituintes choque com a de prefeitos e autoridades municipais em outubro de 2023.
Para que isso não ocorra, as bases e o chamado à eleição de constituintes deveria produzir-se antes de que se conclua este ano, de modo que o Serviço Eleitoral (Servel) possa realizá-la no máximo no próximo mês de abril.
Tudo isso é um filme em desenvolvimento e de resultado incerto.
Aldo Anfossi | Especial para o La Jornada, direto de Santiago do Chile.
Tradução: Beatriz Cannabrava.
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