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ToggleEm menos de três semanas, o bilionário sul-africano Elon Musk conseguiu assumir o controle total da rede social Twitter, a plataforma mais utilizada por figuras políticas para se comunicar com o público, abrindo o debate sobre o que significa que a pessoa mais rica do planeta possa fazer o que quiser com uma das plataformas de comunicação mais poderosas do mundo, em nome da “liberdade de expressão e da democracia”.
Além de ser um multibilionário, Musk é uma figura controversa e que tem demonstrado repetidamente que coloca seu negócio acima da legalidade, das vidas humanas e do bem-estar de seus próprios trabalhadores.
Jordi Pérez Colomé (no El País) aponta que esta compra não é como Jeff Bezos adquirindo o The Washington Post ou Rupert Murdoch, o Wall Street Journal. Quando perguntaram ao próprio Musk como ele avaliava o fato de que a pessoa mais rica do mundo pudesse comprar o Twitter, sua resposta foi rir de Mark Zuckerberg: “tem o Facebook, o Instagram e o WhatsApp com uma estrutura que permitiria que Mark Zuckerberg XIV continuasse sendo o proprietário. Isso não vai acontecer com o Twitter”, disse.
Antes de avaliar como ele faria a aquisição, Musk disse que não o fazia pelo dinheiro: “Minha intuição é que ter uma plataforma em que todos confiam, inclusive, é extremamente importante para o futuro da civilização. Eu não me importo com o dinheiro”, disse.
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Obviamente, uma coisa é ele declarar que não se importa com o dinheiro e outra que não veja maneiras de explorar os benefícios do Twitter, além de controlar uma ferramenta que lhe deu muita receita. Seus tweets sobre Tesla, SpaceX e até mesmo a criptomoeda dogecoin o tornaram mais rico.
O próprio discurso do Musk no Twitter é que ele fez a compra para melhorá-lo, não por dinheiro ou influência. Sua tese é que o Twitter precisa de mais clareza nas regras, mais transparência nos algoritmos e mais liberdade no discurso, mas os detalhes que ele ofereceu, no entanto, foram esparsos. Sua intenção final, disse ele, é salvar a democracia:
“O Twitter se tornou uma espécie de praça pública de fato, por isso é realmente importante que as pessoas acreditem e percebam que podem falar livremente dentro dos limites da lei”, explicou. Este recurso é indispensável para “o funcionamento da democracia nos EUA e em muitos outros países”, acrescentou.
Sobre a liberdade de expressão, admitiu ser um “absolutista” e disse que gritar “fogo” em um teatro lotado “deveria ser um crime”. “Um bom sinal de liberdade de expressão é que alguém de quem você não gosta possa dizer algo que você não gosta. Se for esse o caso, temos liberdade de expressão”.
Para que haja menos dúvidas e mais transparência, o algoritmo do Twitter deve ser postado no GitHub, a plataforma de código aberto e outros programadores devem ser capazes de fazer comentários e sugestões, “como ocorre com Linux e Signal”, recomendou Musk.
Segundo ele, os usuários devem estar plenamente conscientes do porquê de as decisões serem tomadas: qualquer ação sobre o porquê de um tweet ser promovido ou não “deve ser óbvia, para que não haja manipulação de bastidores, seja ela algorítmica ou manual”, explicou o novo dono do Twitter.
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Previsivelmente, vários jornalistas recordaram numerosos exemplos em que o empresário tentou silenciar ou limitar o discurso de alguém que não gostava, como quando chamou um mergulhador de caverna tailandês de “pedófilo”, quando perseguiu e espiou um ex-empregado por falar à imprensa, ou quando bloqueou um relato de um jovem da Flórida que tuitava sobre todos os vôos do Musk.
Em um tweet ele disse que a liberdade de expressão é a base para uma democracia funcional, e o Twitter é a praça pública digital onde questões vitais para o futuro da humanidade são debatidas, então ele vai trabalhar para torná-la “melhor do que nunca, melhorando o produto com novas características, fazendo algoritmos de código aberto para aumentar a confiança, derrotando bots de spam, e autenticando todos os seres humanos”.
Poucos entendem a importância de chamar a atenção como Musk. O Twitter tem dez vezes menos usuários que o Facebook, o YouTube ou o Instagram, mas seu peso não é proporcionalmente menor.
No TED Talk, Musk se referiu às suspensões de perfil permanente no Twitter: “não sei se tenho todas as respostas, mas acho que seria melhor ser relutante em apagar as coisas e ter cuidado com as proibições permanentes”. Acho que as suspensões temporárias são melhores do que as permanentes”.
A suspensão mais famosa no Twitter é a de Donald Trump. Seu retorno hipotético ao Twitter, em 2022, seria preparar e projetar para o mundo sua possível candidatura à presidência em 2024. Na verdade, o Partido Republicano vê a chegada do Musk ao Twitter com bons olhos. Trump poderia retribuir com seu poder em Washington a favor de Tesla, da SpaceX ou aliviando os problemas de Musk com a Comissão de Mercado e Valores.
"Vamos derrubar quem quisermos derrubar para que o lítio seja usado nos carros elétricos que a Tesla fabrica"
Mas Donald Trump, expulso do Twitter após negar — através dessa rede social — os resultados que deram a Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, disse preferir usar sua própria rede social, a TRUTH Social, como seu único canal, uma plataforma lançada no mês passado que vem rodando em seu novo serviço na nuvem nos últimos dias, depois de ter sido testada na versão beta desde fevereiro. Seu chefe executivo é o ex-legislador da Califórnia, Devin Nunes.
Evangelho de Musk
Em vez de ser um bom presságio para a liberdade de expressão, como ele gosta de dizer, o fato de esta rede social permanecer nas mãos do homem mais rico do mundo é uma ameaça de que uma ferramenta indispensável para o debate público poderá ser tratada sem nenhum escrúpulo, assim como um sinal da crescente concentração de poder em mãos privadas, diz um editorial do diário mexicano La Jornada.
Em julho de 2020, durante uma discussão no Twitter, ele respondeu às perguntas de um usuário sobre o golpe de Estado perpetrado na Bolívia meses antes: “Vamos derrubar quem quisermos derrubar para que o lítio seja usado nos carros elétricos que a Tesla fabrica”, disse, e pouco depois ameaçou levar a fábrica da empresa na Califórnia para outro lugar se as autoridades não permitissem que ela retomasse as operações em um ponto crítico da pandemia da covida-19.
Musk, o proprietário da Tesla e da SpaceX já havia se tornado o principal acionista da empresa com sede em São Francisco no início de abril, e no dia 14 lançou uma oferta não solicitada para adquirir a empresa por 41 bilhões de dólares. Na segunda-feira, dia 25, foi informado que o conselho de administração concordou em aceitar sua oferta de US$ 44 bilhões. É esperado que o negócio seja concluído no final deste ano, quando a firma solicitará a aprovação de seus acionistas.
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O acordo de aquisição contempla que a empresa seja retirada da bolsa de valores, de modo que o magnata não tenha que consultar ninguém sobre suas decisões a respeito do futuro da plataforma.
Sabe-se que o Twitter tem problemas específicos, tais como sua incapacidade de gerar lucros, apesar da importância que ganhou na vida política de grande parte do mundo; ou a alta presença dos bots aos quais Musk aludiu, contas falsas usadas por indivíduos e entidades para aumentar o impacto de suas publicações ou atacar adversários.
Mas, sobretudo, compartilha com outras redes sociais um grave déficit em termos de liberdade de expressão, impondo censura unilateral, e em muitos casos arbitrária, sobre certos conteúdos e opiniões. Neste sentido, é impossível esquecer o silêncio do indefensável ex-presidente americano Donald Trump, mas com o mesmo direito de se expressar que qualquer outro cidadão.
O ex-presidente neoliberal argentino Mauricio Macri tuitou sobre a aquisição do magnata: “parabéns ao Elon Musk por assumir o enorme desafio de trabalhar para fazer do Twitter uma garantia de liberdade de expressão em todo o mundo”. Sem liberdade de expressão não há democracia”, disse ele, repetindo o argumento do dono do Twitter.
Ricardo Carnevali é Doutor em Comunicação Estratégica, Pesquisador do Observatório de Comunicação e Democracia e associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).
* Traduzido por Vanessa Martina Silva
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