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ToggleNas eleições do domingo 11 de abril em nosso país (o Peru), o primeiro lugar foi obtido por Pedro Castillo um professor cajamarquino de escolas públicas, de origem campesina e dirigente sindical, com 19,069% dos votos entre 18 candidatos.
Usa um chapéu de palha de abas largas, como os usados pelos camponeses da serra; um homem do povo, mestiço e sem sofisticações, como qualquer um de nós.
No dia seguinte à eleição, um diário da rede midiática ilustrava sua primeira página com a fotografia deste homem e a legenda: Dá medo.
Omitiu dizer a quem ele dá medo. Certamente não a nós: os homens e mulheres do povo, semelhantes a ele. Dá medo aos proprietários desses jornais. E, por que lhes dá medo?
Porque este homem havia dito que eliminará a corrupção, que impulsionará os serviços de educação, saúde e segurança públicas, que nacionalizará o gás e promoverá a satisfação de outras necessidades das maiorias sociais dentro da economia de mercado que temos, o que quer dizer que fará que esta economia capitalista seja também social, como dizem as constituições de 1979 e a atual, para que os ricos deixem de ser mais ricos e os pobres deixem de ser mais pobres.
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A candidata, herdeira de uma dinastia neoliberal, que chegou em segundo lugar com 13,374 % e em grande parte por votos populares, representa os interesses do poder empresarial e está, portanto, no extremo oposto daquele homem.
Entre eles terá que decidir a cidadania no segundo turno.
Situação inédita
É a primeira vez no Peru que um candidato do povo, trabalhador e de raiz campesina, alcança a oportunidade de competir para a presidência da República.
Duas semanas antes, as pesquisas, dirigidas, não lhe davam nenhuma opção. Nesse momento, nos ambientes politizados de Lima, das pessoas de casta branca onde se decide quem deve governar, o segundo turno haveria de ser disputado entre algum dos quatro candidatos aprovados por eles ou, no máximo, por algum populista de centro-direita, como seus suplentes.
Era totalmente inadmissível para eles que um candidato popular, mestiço e com propostas muito simples, mas necessárias para o país, tivesse ousado competir pela cadeira presidencial, que sempre havia sido deles, por filiação ou compra.
A outra candidatura popular de uma dama que, parece que aportava só sua figura e certo carisma, acompanhada por diversos grupos de políticos que só respondem à saudação de alguém que julgam algo branco, como eles, fez na prática e sem que tenha proposto, o papel de isca que atraiu os ataques midiáticos e agora, despeitada, lhe regateia seu apoio e o de seu grupo ao homem do chapéu de palha. (“Por suas obras os conhecereis”).
Wikimedia Commons
Pedro Castillo, representa os de baixo, enquanto Keiko Fujimori é o próprio ovo da serpente
Da desorganização popular ao projeto de união
É que algo novo, surgiu em nossa país: da desorganização política popular e da sua expressão: a proliferação de grupos e grupúsculos de chamada esquerda, que vem desde a década de setenta, apoiando nos fatos a posição dominante do poder empresarial, emergiu um projeto de união e organização e a esperança de dar às maiorias sociais a oportunidade de tornar realidade suas reivindicações.
No segundo turno o eleitorado será o mesmo, mas é possível que muitos eleitores dos setores populares vejam, por fim, que o homem do chapéu camponês é alguém como eles, e se identifiquem com seus propósitos e lhe deem seu voto.
O que ele possa fazer de seu programa, se for eleito, terá que ajustar-se às faculdades de administração e iniciativa legislativa que a Constituição confere ao presidente da República, e dependerá do comportamento dos 37 representantes da sua bancada eleita ao Congresso e de sua habilidade e tino para chegar a consensos e assessorar-se tecnicamente, e conseguir a aprovação de leis que materializem seus projetos.
Um presidente da República desprovido de apoio parlamentar e sem caráter é como uma nave à deriva, como acontece com o atual presidente, cuja timidez e conformismo com a especulação com o oxigênio e outros bens e serviços necessários para combater a pandemia e o deficiente manejo da vacinação, tiveram a virtude de fazer quase desaparecer seu partido do espectro legal.
Campanha difamatória
Para difamar o homem do chapéu campesino, o poder empresarial e sua arma letal, o poder midiático, jogaram tudo por tudo, buscando “cinco patas ao gato”, e dispararam suas baterias para o campo dos setores populares manipulados pela alienação.
Dirão de tudo sobre ele, depois de rebuscar sua vida, a de sua família e dos seus companheiros; o acusarão de senderista, terrorista, agitador, ignorante, e lhe lançarão outros epítetos, tratando de esquartejá-lo, como Túpac Amaru.
Contrariamente, apresentarão sua oponente, nas páginas dos diários e na TV sem limite de espaço, com seu sorriso impostado e declamando as respostas programadas, com soluções para tudo, fornecidas pelo sacrossanto neoliberalismo e, claro, silenciando a corrupção, as arbitrariedades e os abusos contra os de baixo, e os processos penais contra ela ou convertendo-os em uma vil perseguição, e glorificando sua vida na década de noventa, quando seu pai reinava como um xogum e ele, seu eminente assessor e seus cúmplices sacavam os dólares do Banco Central de Reserva em maletas, de que desfrutava também sua família, e adeus ao processo pelas esterilizações e outros crimes contra as mulheres do povo, “as cholas” para eles.
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Em síntese, reforçarão a alienação das maiorias populares, posto que sem os votos delas os candidatos do poder empresarial e os aventureiros nada são.
E, a todo isto, virá incorporar-se a esta campanha política o marquês do prêmio Nobel de literatura, como outras vezes?
Tarefa titânica, mas possível
Levar à presidência o homem do chapéu será toda uma proeza. Será possível se todos os seus simpatizantes, antigos e novos, se unirem em sua campanha, se cada um se tornar um ativista e convencer seus familiares e amigos e, ainda mais, se se lançarem nos bairros e campos do Peru, desde as capitais aos lugares mais afastados, para pedir aos cidadãos, às pessoas simples do povo que votem nele, e se seus computadores e celulares não deixarem de funcionar com suas mensagens. É certo que será uma tarefa titânica, um trabalho histórico que poderia dar ao povo peruano o suculento fruto do triunfo.
Uma disjuntiva entre um homem do povo como nós e um ovo de serpente.
Jorge Rendón Vásquez, Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru
Tradução: Beatriz Cannabrava
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