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Eleições no Peru: Se esquerda não apoiar Castillo, Fujimoris podem restaurar regime fascista no país

Sem mesquinhez e sem preconceitos, é preciso tomar uma decisão concreta: fechar a passagem ao fascismo constitui para os peruanos um dever essencial
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Finalmente aconteceram as eleições presidenciais e parlamentares programadas para 11 de abril. Em todo o território nacional, mais de 25 milhões de peruanos votaram vencendo dificuldades de todo tipo, desde sanitárias, até econômicas. Ao cair da noite, os resultados estavam à vista. 

O telão de fundo, que bem pode ajudar a entender um pouco o que aconteceu, estava sinalizado pela tripla crise que corrói os alicerces da sociedade peruana hoje: crise sanitáriaa crise da corrupção e a crise política.

Estes fatores incidiram de maneira decisiva para que a cidadania busque caminhos que abrem interrogantes na perspectiva. Agora, os analistas do processo peruano se perguntam o que foi que aconteceu, e que haverá de suceder mais adiante.

Resultados incertos e parciais

O que primeiro salta à vista são as escassas percentagens obtidas pelos candidatos, mesmo os mais votados. É a primeira vez que um fenômeno assim ocorre no Peru.

Podemos citar antecedentes: nas eleições de 1990, Vargas Llosa no primeiro turno conseguiu 27% e Alberto Fujimori, 24%. O terceiro, Luis Alva Castro – o candidato do governo de então – obteve 20% dos votos. Em total, 71% do eleitorado se definiu por eles, e só Alva conseguiu uma votação maior – percentualmente – que o alcançado pelo ganhador do primeiro turno de 2021

Em 2016, as coisas não foram diferentes. Keiko Fujimori conseguiu 32% no primeiro turno e PPK, 21%, enquanto Verónica Mendoza acumulou 18%. 

Dos votos, porcentagem similar à que hoje a ONPE adjudica ao ganhador do contenda de 11 de abril deste ano.  

Isto se explica, por certo, pelo ceticismo do eleitorado, pela desconfiança que gera no país “a classe política”, e pela incapacidade dela de se interessar pelas grandes maiorias nacionais. Neste marco, primou a confusão e se impôs uma espécie de vontade instintiva das massas que querem que “isto” mude, embora não necessariamente saibam com precisão como isso deveria acontecer.

Esgotados pela economia, encurralados pela pandemia e totalmente abandonados pelo Estado, os pobres do Peru – quase a metade da população – buscaram um salva-vidas sem pensar muito no capitão do barco. 

Mas o resultado, que é incerto, se complementa com o fato de que é parcial, porque responde apenas a uma primeira decisão – o primeiro turno eleitoral. Haverá que esperar o desenlace de 6 de junho, para observar o comportamento dos eleitores

Sem mesquinhez e sem preconceitos, é preciso tomar uma decisão concreta: fechar a passagem ao fascismo constitui para os peruanos um dever essencial

Wikipedia
Keiko Fujimori es hija del dictador Alberto Fujimori

A crise da esquerda

O que salta à vista, no entanto, é a situação da esquerda. Nestas eleições, como não havia ocorrido desde 1985, quando Alfonso Barrantes era o líder de Esquerda Unida (IU), a esquerda peruana apareceu realmente como uma alternativa de Governo e de Poder.

Não obstante sua divisão, conseguiu no primeiro turno mais votos que Barrantes em seu confronto com Alan García. Ali, como se recorda, Barrantes obteve 21% dos votos; mas hoje a soma de Pedro Castillo e Verónica supera um não desdenhável 26%. 

Pode-se – e se deve – debater o fenômeno da divisão. Mas este finalmente tem só uma explicação: a esquerda durante 25 anos – mais precisamente entre 1990 e 2015 – teve uma linha eleitoral, mas não uma linha política. Preparou-se obcecadamente para participar em eleições, fez alianças eleitorais, chegou a acordo, subscreveu plataformas e lançou mensagens. Mas tudo isso em um marco eleitoral e com propósitos também eleitorais. Nos fatos, renunciou ao seu trabalho político

Isto gerou no Peru um fenômeno: um processo social que marcha por sua conta e que se expressou em duras lutas, como Conga, Bagua, las Bambas ou Tía Maríaeleições nacionais entre esse ano e 2016. É verdade que a partir de 2017 se pode observar uma certa recuperação dessa catalepsia política, mas esse fruto ainda não amadureceu. 

A divisão então, aparece agora como expressão de duas tendências.

A primeira – personificada em Pedro Castillo – simboliza “aos de baixo”. E a segunda está composta por uma amálgama de tipo claramente eleitoral. Enquanto a primeira foi crescendo “aos poucos”, a segunda se foi desfazendo na medida que ia retrocedendo diante do assédio da reação. Este retrocesso só pode ser atribuído à sua precária consistência política.

Verónica Mendoza fez, em geral, uma boa campanha. Sobretudo muito fatigosa e estressante, sacrificada e até heroica. Como se poderia dizer em termos esportivos “deixou tudo em campo”, e não mereceu perder. Isso aconteceu porque não fez gols, e deixou que outros os fizessem. 

Sofreu os ataques mais duros da reação. Encurralaram-na e a arrinconaram à vontade e quantas vezes quiseram fazê-lo. Ela, no começo, opôs resistência, mas pouco a pouco foi cedendo. De uma “alternativa vermelha”, como a chamaram no início, passou a assemelhar-se a uma “alternativa rosa”. A cor passou a Castillo.

Quais foram os retrocessos mais significativos? Vejamos: exigiram que respeitasse o Banco Central de Reserva e não tocasse em seu ínclito Presidente; que não “se metesse” com o investimento privadoempresa privada. Finalmente conseguiram que – pouco a pouco – fosse retrocedendo; reuniu-se com empresários para “dar garantias” aos seus investimentos, deixou de falar do BCRreceitas do Fundo Monetário Internacional em um esforço por pôr em evidência sua extrema mesquinharia. 

No caso da Venezuela, foi mais ou menos o mesmo. E ocorreu em três tempos. No começo admitiu que se tratava de um “regime autoritário”. Depois concedeu: “é uma ditadura”. E por último, capitulou: “eu sou contra essa ditadura”

Ela carregou com todo o peso das agressões do inimigo. Lhe disseram de tudo. Inclusive tiraram fotos com Abimael Guzmán, para desqualificá-la. Lhe disseram “terrorista”, na sua frente. Em compensação a direita não se meteu com Castillo. Não o criticou nem o atacou. Nem sequer o levou em consideração. Para ela, simplesmente ele não existia. O inimigo era Verónica. Mas ainda assim, Castillo se cuidou de não oferecer flancos. Quando lhe disseram que a Venezuela era uma ditadura respondeu laconicamente: “Não”. E quando lhe pediram que explicasse sua opinião, disse duas coisas: têm parlamento e há oposição. Nada mais. 

Por isso Castillo fez sua campanha “pela sombra”, poderíamos dizer. E quando quiseram golpeá-lo já era tarde. Aparecia em primeiro nas pesquisas que nem sequer podiam ser publicadas. Isso ocorreu nas 72 horas antes do 11 de abril.

O inimigo é o fascismo

O resultado eleitoral do dia 11 pôs em evidência o que dias antes, em 5 de abril, dissera o Centro de Estudos “Democracia, Independência e Soberania” – o CEDIS -. O perigo aqui é o fascismo. Hoje, com inusitado descaramento, se levanta como “a alternativa democrática” para “salvar o Peru do extremismo”. E sua porta-bandeira- segundo os indicadores da ONPE – será Keiko Fujimori. Seu sonho é nuclear toda a direita e tomar o Poder a qualquer preço. E seu propósito é restaurar o regime neonazista de Alberto Fujimori no que se chamou “A Década Dantesca”. 

Não estão, no entanto, diante de um desafio fácil. A soma dos votos da direita “não lhes alcança”. Somando Keiko, Hernando de Soto e López Aliaga chegam a 36%. Em compensação, a grande aliança anti fujimorista que a realidade impõe ao país se situa em 44% somando as porcentagens de Castillo, Verónica, Lezcano e Forsyth.

Inclusive, no nível parlamentar, a soma das “bancadas” que poderia digitar o fascismo, chega a 51 de um total de 130; enquanto um bloco unido de forças antifascistas chegaria sem maiores problemas a 65, o que daria maioria parlamentar absoluta.

O tema de fundo reside em que realmente se entenda que Keiko Fujimori não representa só a direita tradicional. Encarna a mais perigosa e sinistra ameaça fascista que se aproxima da sociedade peruana. Para fechar a passagem a Keiko, a esquerda e o povo em 2016 não tiveram alternativa senão votar por Pedro Pablo Kuczynski. Hoje não terão outro caminho senão cerrar filas com Pedro Castillo. Não há rotas intermediárias. 

É possível que, pelo menos em um primeiro momento, isto não seja entendido. Haverá aqueles que prefiram votar em branco ou simplesmente não votar. Não faltarão estruturas e partidos que optem por “deixar em liberdade” seus aderentes para que “votem por quem quiserem”. Mas ambas as opções, obviamente, beneficiariam o fascismo.

A direita não se absterá de votar, nem o fará “em branco”. Fechará com Keiko embora vomite mais tarde. 

A campanha contra Castillo será brutal. O acusarão de tudo e inventarão que ele tem as perversões mais sinistras. O acusaram de Senderista e de Terrorista. E tratarão de mimetizá-lo com Abimael Guzmán e os seus. Trocarão fotos, revelarão “evidências”, inventarão eventos, falsificarão documentos. Tudo, antes de perder a possibilidade de saborear o doce que lhes parece estar próximo.

O único caminho é a unidade

O único modo de evitar isso é construir a unidade. A iniciativa deve ser tomada pelo próprio Castillo, é claro, mas deve encontrar receptividade e apoio. A base deverá ser um programa básico – não um “mapa de rota” – que registre a vontade unitária e um discurso criador e construtivo. 

Diz-se que a história põe sobre os ombros das pessoas as tarefas mais difíceis, e elas têm o dever de encará-las. 

É este o caso. Sem mesquinharia alguma e sem preconceitos, há que assumir uma decisão: fechar a passagem ao fascismo constitui para os peruanos de hoje um dever essencial.

Gustavo Espinoza M.*, colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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