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ToggleEstátuas, retratos, bustos, monumentos e outros símbolos de figuras e de políticos opressores — escravistas, imperialistas, conquistadores — estão caindo por todo o país, muitas derrubadas por manifestantes e ativistas, e outras retiradas por ordens oficiais como tentativas de “reconhecer” as demandas do movimento contra o racismo sistêmico que explodiu há um mês.
Algumas delas haviam decorado o cenário oficial de capitólios e outras sedes de governo, parques públicos, escolas e universidades e até eventos esportivos. Durante anos, ativistas, de vez em quando, denunciavam sua presença, mas não se conseguia muito. Mas de repente, uma após a outra estão caindo pela força ou por temor a essa força.
É uma magna lição de história e/ou um levante contra a história oficial, e/ou uma rebelião contra essa arma secreta da cúpula neste país – a amnésia histórica, chave para impor políticas contra maiorias, lançar guerras e suprimir a memória coletiva do povo.
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Estátuas, retratos, bustos, monumentos e outros símbolos de figuras e de políticos opressores estão caindo por todo os Estados Unidos.
União das minorias
Indígenas em aliança com Black Lives Matter tombaram a estátua de Junípero Serra – o “padre” espanhol das missões católicas da Califórnia – na Placita Olvera de Los Angeles.
Em San Francisco caiu outra de Serra junto a uma de Ulysses Grant – o general das forças da União na Guerra Civil e depois presidente – e outra mais de Francis Scott Key, autor do hino nacional dos Estados Unidos. Ambos foram donos de escravos.
Até mesmo os pais fundadores não se salvaram: estátuas de George Washington e Thomas Jefferson, que eram donos de escravos, foram derrubadas em vários lugares.
Na Virgínia, Carolina do Norte, na Geórgia e outros estados do sul foram derrubadas e/ou os governantes se viram obrigados a retirar estátuas e outros monumentos à Confederação – os estados do sul que defenderam a escravidão entre outras coisas na Guerra Civil. A bandeira da Confederação de repente está proibida em alguns eventos esportivos e em instituições públicas.
Em Washington, a presidenta da câmara baixa, Nancy Pelosi, ordenou remover os retratos de quatro ex-presidentes da câmara vinculados com o regime de escravidão nos estados do sul.
“Não há lugar nos corredores do Congresso ou qualquer lugar de honra para honrar homens que encaram a intolerância violenta e o racismo grotesco da Confederação”, proclamou (embora valha assinalar que esses retratos estiveram aí durante décadas sem que incomodassem os políticos, inclusive ela, até agora).
Em Charleston, Carolina do Sul, as autoridades anunciaram que removerão a enorme estátua de 30 metros de altura de John Calhoun, ex-vice-presidente e senador, e um dos defensores mais ferozes da escravidão no século XVIII.
Estátuas de Cristóvão Colombo foram derrubadas e/ou danificadas; como as de outros conquistadores como Juan de Oñate no sudoeste do país.
Estes atos contra símbolos são parte do resgate da história desse povo, algo que costuma brotar com toda rebelião popular. Nas ruas os manifestantes resgatam velhas canções: “Which side are you on”, “We shall overcome”, e outras de luta, com as de tempos recentes, resgatando estrofe por estrofe da memória.
Alguns cartazes dizem simplesmente “1619” – o ano em que chegaram a estas costas os primeiros escravos africanos. Outras oferecem versos de poemas do grande poeta Langston Hughes, outras de Martin Luther King como as escritas sobre o tripé colocado na frente das vitrines de lojas de luxo em Nova York, entre elas: “A escuridão não pode expulsar a escuridão; só a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio; só o amor pode fazer isso”.
Passa uma bicicleta em uma marcha com uma frase: “esta máquina mata fascistas” – a mesma que estava sobre a guitarra de Woody Guthrie, que cantava sobre as lutas de trabalhadores e imigrantes ao acompanhá-los pelas ruas e campos deste país nos anos trinta e quarenta.
De repente, neste levante, se lê, se conversa, se resgata a história. De repente a história está presente – um requisito para criar outro futuro.
David Brooks, colaborador de La Jornada em Nova York
La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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