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Fim de uma era: o Reino Unido volta a nacionalizar estatais privatizadas

Luís Nassif
GGN

Tradução:

Pioneira nas privatizações do serviço público, o Reino Unido promoveu, nos últimos dias, a renacionalização de uma prisão e uma ferrovia. Os dois episódios serviram de gancho para um balanço das privatizações inglesas pelo jornal francês Le Monde.

Chefe da Pesquisa da Unidade de Estratégia de Serviços Europeus, Dexter Whitfiel entende que se está chegando ao fim da era Thatcher no Reino Unido. A reversão da tendência poderá ter repercussões profundas em outros países europeus.

O presídio foi nacionalizado depois de uma inspeção de Peter Clarke, diretor da Inspetoria Prisional Britânica, na penitenciária de Birmingham. Encontrou nos chuveiros roupas manchadas de sangue cercadas por excrementos de ratos; vestígios de vômito e sangue; um preso em estado de choque, sentado nas molas de uma cama que teve o colchão roubado por outros presos. Durante a inspeção, nove carros foram queimados em um estacionamento normalmente reservado para os funcionários.

No dia 16 de agosto, Clarke ordenou ao estado que assumisse a direção da prisão, que era administrada desde 2011 pela empresa privada G4S.

O caso foi explorado pela oposição. Sem admitir o fracasso das privatizações, o governo britânico nacionalizou diversas companhias privatizadas, como a companhia ferroviária East Coast Main Line, que operava trens em uma linha que ligava Londres a Edimburgo.

Tão influente que era tratada pela oposição como “a empresa que administra o Reino Unido”, a Carillion faliu. Ela operava centenas de cantinas escolares, limpava hospitais, fazia a manutenção de quartéis.

Pioneira nas privatizações, a Inglaterra está repensando radicalmente o modelo, diz a reportagem.

Liderados por Jeremy Corbyn, a oposição trabalhista está pedindo a nacionalização das principais empresas de água, eletricidade, gás e ferrovias. As pesquisas indicam que mais de três quartos dos ingleses são a favor.

O mesmo destino aguarda as PPPs (Parcerias Público-Privadas). Nos últimos dez anos, houve cerca de 50 PPPs por ano. Em 2017, apenas uma PPP havia sido concluída.

De acordo com o National Audit Office, as PPP se tornaram extremamente onerosas: os 700 contratos em andamento vão exigir reembolsos de 199 bilhões de libras (221 bilhões de euros) até a década de 2040.

Paradoxalmente, há enorme semelhanças com os excessos que ocorreram no antigo bloco soviético.

A privatização britânica foi radical. Privatizaram-se a água, a eletricidade, o gás e as ferrovias, e uma infinidade de serviços públicos do dia-a-dia, como call centers de prefeituras, estacionamentos e coleta de lixo, assistência social a pessoas com deficiência, reintegração de presos libertados sob fiança.

Entrevistada, Abby Innes, da London School of Economics, explicou que “ao tentar criar um mercado em áreas que não comportam mercado, o estado britânico teve que embarcar em um tipo de planejamento socialista”.

Todas as PPPs são reguladas por contratos. Em projetos simples, como limpar hospitais ou cuidar de jardins, os contratos dão conta. Mas em áreas de difícil quantificação – como ajudar a reintegrar presos -, os abusos se tornaram comuns. E fica impossível quantificar, planejar e definir metas.

O mesmo ocorreu com os serviços públicos de água, gás e eletricidade.

Tanto Clement Attlee, que comandou as nacionalizações no pós-guerra, como Margareth Thatcher, que implementou as privatizações, diziam que importa a regulação. Mas, segundo Dieter Helm, professor da Universidade de Oxford, desde 1989 dezoito empresas mantêm monopólios regionais de água por prazos ilimitados. De 2007 a 2016, elas distribuíram 95% de seus lucros para acionistas. Portanto, reinvestiram apenas 5% no seu negócio. Em vez de ser reinvestido em benefício dos consumidores, o dinheiro fugiu do setor. Tudo graças à regulação implementada.

Não que a situação fosse melhor antes. Quando eram públicas, as empresas também foram subcapitalizadas pelo receio dos políticos em aumentar as tarifas.

Também nas ferrovias privatizadas não houve aumento de oferta de assentos e os preços aumentaram. Mas a solução não é meramente a nacionalização dos serviços, diz Helm.

Os trens, por exemplo, convivem com pistas não eletrificadas e com apenas uma linha de alta velocidade. Houve problemas de responsabilidade compartilhada na linha principal da costa leste, renacionalizada em maio. Para ganhar seu contrato, Virgin e Stagecoach prometeram pagar ao Estado 3,3 bilhões de libras (3,7 bilhões de euros) entre 2015 e 2023. Contavam com um aumento acentuado no número de passageiros, que deveria vir, em especial, de pistas melhoradas no norte da Inglaterra. Mas a Network Rail, a empresa nacionalizada que controla a rede ferroviária, não investiu.

Da mesma forma, a crise da prisão de Birmingham pode ter vindo da má gestão da G4S, mas não exclusivamente. Todas as penitenciárias estão em crise, porque a população carcerária dobrou desde a década de 1990 e o número de carcereiros caiu um terço desde 2010, com as políticas de austeridade implementadas.

O que impõe uma conclusão, segundo o Le Monde: sejam serviços subcontratados ou não, privados ou não, o Estado não pode fugir de sua responsabilidade como investidor e regulador.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Luís Nassif

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