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Um estranho conto moral de banqueiros, financistas e cidadãos

João Baptista Pimentel Neto

Tradução:

Roberto Savio*

Roberto Savio. Perfil DiálogosÉ uma grande lástima que, junto com abrir as portas à ética, à justiça social e à paz, o papa Francisco não tenha dado sinais de também atualizar a teologia tradicional. A tarefa mais urgente é colocar em dia os sete pecados capitais.

A atualização deve acontecer no âmbito do impacto social e do grau de perversidade. Por exemplo, como é possível equiparar a preguiça e a gula com a avareza?

Os sete pecados capitais BoschNo filme Wall Street (1987), o inescrupuloso Gordon Gekko, um rico corretor da bolsa interpretado por Michael Douglas, disse que a avareza e não a gula move as pessoas. E é muito duvidoso que todas as pessoas atualmente motivadas pela cobiça também sejam vítimas da gula, já que em geral as primeiras estão fazendo dieta.

Segundo as Nações Unidas, no mundo há mais de 1,5 bilhão de pessoas obesas ou com sobrepeso em comparação com os 842 milhões que sofrem de desnutrição.

O problema é que as pessoas obesas ou com sobrepeso geralmente não são vítimas da superalimentação, mas do fast food vendido por grandes corporações (McDonald’s e similares), com alta demanda de gente de escassos recursos porque é barata.

Certamente, a preguiça não é uma ameaça social, embora a lenda urbana diga que as pessoas são pobres porque não querem trabalhar.

Portanto, vamos nos concentrar na cobiça para ver porque é o momento para uma atualização.

Chegou-se a um ponto onde os predicados da ética são os banqueiros centrais. Recentemente, em Londres, na Conferência sobre o Capitalismo Inclusivo, Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse que “algumas empresas importantes inclusive incorreram em escândalos que violam as normas éticas mais elementares”.

Por sua vez, o governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney, disse solenemente que “em última instância, a integridade não se pode comprar nem regular. Mesmo com o melhor contexto possível de códigos, princípios, esquemas de compensação e disciplina de mercado, os financistas sempre têm que desafiar as normas que deveriam respeitar”.

E, apesar disso, os reguladores de todo o mundo impuseram tão somente US$ 5,8 bilhões em multas por tentativa de manipular as taxas de referência do mercado.

Pois este é exatamente o problema. James Dimon, gerente do JP Morgan, o maior banco do mundo, que no ano passado aumentou seu salário em 74%, considera as regulamentações “antinorte-americanas”. Em 2013 este banco pagou US$ 18,6 bilhões em multas.

O procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, acaba de golpear o Credit Suisse com multa de US$ 2,6 bilhões por ajudar cidadãos norte-americanos a sonegarem impostos.

Em dezembro de 2013, a Comissão Europeia impôs multas no total de 1,04 bilhão de euros (US$ 1,42 bilhão) aos bancos Barclays, Deutsche Bank, RBS e Société Générale, por manipulação da taxa de juros de referência Euribor. Portanto, pode-se acreditar que se trata de algo “antieuropeu?”.

Vale a pena assinalar que nesta orgia de multas nenhum desses banqueiros responsáveis jamais foi para a prisão. Pelo contrário, como mostra o caso de Dimon, receberam aumento de salário. Os bancos são objetos inanimados, não podem ir para a prisão.

O Departamento de Justiça norte-americano faz todo o possível para garantir que os bancos não sejam tratados como criminosos, porque os bancos não podem ser colocados para fora do negócio. Estes são “os padrões que defendem”.

Até 1999, quando o então presidente norte-americano Bill Clinton (que culmina um processo iniciado por Ronald Reagan) revogou a lei Glass-Steagall, que durante sete décadas separava os bancos comercial e de investimentos, não acontecia nada do que vemos hoje em dia.

Os bancos comerciais se viram obrigados a emprestar com base nos fundos de seus clientes sob rígidas regulamentações.

Agora, todo o dinheiro entra na especulação, e como todo o mundo sabe, os bancos têm pouca paciência com os pequenos investidores e os cidadãos porque os lucros são muito menores do que os dos diversos instrumentos da especulação financeira. E se algo sai mal, os Estados se sentem obrigados a resgatar totalmente os bancos.

Para onde leva esta lógica? Obviamente, a assumir muitos riscos (quanto maiores, maior o retorno), ganhando salários descomunais e sabendo que a coletividade está aí para tirá-los de apertos quando necessário.

É um sinal dos tempos o fato de, em seu discurso em Londres, Lagarde ter recorrido à mesma linguagem que a organização humanitária Oxfam usou em fevereiro no Fórum Econômico Mundial de Davos.

A Oxfam recordou à audiência que “as 85 pessoas mais ricas do mundo, que poderiam caber em um apartamento duplex de Londres, controlam uma riqueza equivalente à metade mais pobre da população mundial, cerca de 3,5 bilhões de pessoas”.

Sabemos pelo economista francês Thomas Piketty, autor do Best-seller O Capital no Século 21, que o crescimento do capital concentrado é mais rápido do que o crescimento geral, o que é uma maneira de dizer que as 85 pessoas continuarão sugando dinheiro do mercado em geral. Portanto, os ricos ficam cada vez mais ricos, enquanto os pobres continuam empobrecendo.

Essa tendência se verifica em todas as partes e em todos os níveis. Por exemplo, o salário médio em um dos 1.600 restaurantes de Chipotle Mexican Grill é de US$ 21 mil anuais. Portanto, um dos empregados com este salário teria que trabalhar por mais de mil anos para igualar um ano de salário de um dos copresidentes executivos.

Um deles, Steve Ellis, recebeu mais de US$ 145 milhões em ações da Chipotle desde 2011, e seu sócio Montgomery Moran pelo menos US$ 104,5 milhões.

É possível que seja gula dos Ellis e dos Moran a geradora deste mundo de desigualdades absurdas? Certamente que não, mas a avareza o é.

É hora de atualizar os sete pecados capitais, papa Francisco…

*IPS de Roma para Diálogos do Sul – Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS) e diretor-responsável do boletim Other News.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

João Baptista Pimentel Neto Jornalista e editor da Diálogos Do Sul.

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