Sem declaração conjunta – e muito menos acordos vinculantes – nem reuniões paralelas de seus ministros, nem tampouco a habitual entrevista coletiva, concluiu na segunda-feira o encontro de porta fechada entre o titular do Kremlin, Vladimir Putin, e seu hóspede, o governante da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko.
Não é preciso ter bola de cristal para dar por seguro que, à margem do que se pudesse deduzir das palavras protocolares de boas-vindas, o tema principal, se não o único, das conversações – cara a cara – que tiveram lugar durante quatro horas na residência de verão Bocharov Ruchei de Putin, em Sochi, costa do Mar Negro, deve ter sido a crise política na Bielorrússia – um país que a Rússia só concebe como aliado em termos de geopolítica – que Lukashenko não foi capaz de resolver mais de um mês depois da fraude que cometeu para anunciar sua sexta reeleição como presidente.
Tampouco é novidade que a magnitude dos protestos contra Lukashenko surpreendeu Putin que – ao mesmo tempo – não pode permitir que o presidente de um país vizinho, cuja permanência no poder depende do apoio militar e econômico que lhe brinda (desta vez lhe ofereceu conceder logo um crédito por um bilhão e quinhentos milhões de dólares para aliviar “estes tempos difíceis”) se veja forçado a renunciar pelo repúdio pacífico da maioria de seus governados, o que criaria um precedente perigoso no espaço pós soviético e derrubaria a versão do golpe de Estado de inspiração estrangeira para acercar a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) à fronteira do Rússia, que se usa para justificar o apoio a personagens de muito duvidosa reputação, em última instância, subordinados.
Kremlin.ru
Vladimir Putin e Aleksandr Lukashenko.
O Kremlin está cansado das promessas não cumpridas de Lukashenko, a quem considera uma espécie de ativo tóxico, e trata de tirar proveito de sua atual debilidade para arrancar concessões que garantam que a Bielorrússia, sem importar quem a governe, não possa sair da órbita russa.
Lukashenko viajou a Sochi em busca do apoio de Putin, certamente o conseguiu de palavra, embora tudo, na realidade, vai depender de se o bielorrusso aceita entregar o posto ao candidato que Moscou proponha, depois de levar a cabo uma reforma constitucional e celebrar novas eleições.
Para que isso seja factível é necessário que a oposição aceite o plano e, se não, que Lukashenko sufoque o protesto, sem cometer nenhum banho de sangue, antes de 9 de outubro, quando por lei tem que tomar posse como presidente.
Entretanto, enquanto Lukashenko sugere fazer essa reforma constitucional e convocar eleições dentro de dois anos, a oposição demanda que ele se vá agora e a Rússia propõe que a transição seja quanto antes, o Kremlin trata de evitar que se produzam surpresas na Bielorrússia.
Por isso, a partir desta semana e até o dia 25 de setembro, no território bielorrusso começaram as manobras militares Fraternidade Eslava-2020, nas quais participam, entre outros soldados, 300 efetivos das tropas de desembarque aéreo da Rússia e 70 unidades do seu armamento mais recente.
Nas manobras castrenses eslavas, que acontecem na região de Brest, na fronteira com a Polônia, o exército da Sérvia declinou a participação e, por razões óbvias, o da Ucrânia não foi convidado.
Juan Pablo Duch, correspondente de La Jornada em Moscou.
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Tradução: Beatriz Cannabrava
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