A recente marcha liderada por Evo Morales, desde o altiplano boliviano até as portas da “Casa Grande do Povo”, sede do governo em La Paz, é apenas mais um capítulo e um dos muitos que ainda restam na odiosa disputa política travada entre o ex-governante e o presidente Luis Arce Catacora.
A Bolívia terá eleições gerais em agosto de 2025, e no centro do enfrentamento entre ambos os personagens está aquele que será o candidato presidencial do Movimento ao Socialismo (MAS), apesar das diferenças ideológicas que têm se evidenciado. Assim, conforme o calendário eleitoral avança e essa questão não se resolve, é previsível que o embate continue se acirrando.
“A marcha e seu desfecho foram uma espécie de medição de forças, da qual ambas as partes saem ganhando”, afirma a cientista política Susana Bejarano em conversa telefônica com o La Jornada, direto de La Paz.
“A marcha evidencia situações que, a partir de uma leitura externa, podem parecer insignificantes, mas que são relevantes: uma demonstração de força absolutamente importante, que derruba mitos; e, do outro lado, o poder da institucionalidade e da democracia que respeitam o mandato de Arce, e que o presidente tem a prudência suficiente de não cair em tentações que teriam levado a um cenário muito mais complicado, seja a detenção de Morales ou o uso excessivo da força pública, cujo uso foi inteligente evitando altos níveis de violência”, resume Bejarano.
A força de Evo e a atuação de Arce
O êxito de ter chegado a La Paz permitiu a Morales exibir sua força – “isso é um enfrentamento no massismo, cujo piso é de 35% dos votos, e como em toda ação política, é preciso assegurar as bases. Isso não é pouca coisa, porque havia a ideia de que, depois de 2019 (quando Evo renunciou à presidência), ele não conseguiria voltar a El Alto (onde, então, houve dezenas de mortos durante a repressão militar que se seguiu à sua queda) e que em La Paz ele receberia um repúdio imediato. Ambas as ideias são falsas. Portanto, no massismo, que era o que lhe importava, creio que ele avança”.
Quanto ao governo, “à primeira vista, parece mais debilitado, mas também pode ser lido pela ótica da prudência: ele não cedeu à tentação, como pediam a oposição e vozes fortes do arcismo, de prender Morales; é essa prudência que faz com que o cenário não seja de violência anunciada”, diz Bejarano.
Assim, “Arce tem consigo a força da democracia, o que faz com que não haja uma pulsão — apesar da crise — de ruptura na Bolívia. A maioria dos bolivianos, 70%, acredita que Arce deve terminar o mandato“. Em síntese, Evo cumpriu o objetivo de chegar a La Paz e, apesar de ter dito que a destituição de ministros vai derrubar o governo, “isso não vai acontecer; dissipa-se a ideia de que ele poderia derrubar o governo”.
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Mas a questão de fundo em disputa – a liderança do MAS em 2025 – continuará se arrastando, e “este é apenas o primeiro momento de uma batalha que terá muitos outros”. Estão pendentes decisões que os tribunais eleitoral e constitucional devem tomar acerca do que pesa mais: se o direito humano de se candidatar quantas vezes quiser ou uma sentença que impede a reeleição indefinida.
Um momento áspero previsível será a disputa legal pela sigla do MAS; outro, a inscrição ou não da candidatura de Morales, decisão que compete ao tribunal eleitoral, embora deva haver uma consulta ao constitucional, “o que será um momento de grande conflito”. Também está em aberto saber se Arce buscará ou não a reeleição sob a sigla do MAS ou outra.
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