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Foto: Ben Longstroth / Flickr

Chris Hedges: Volta de Trump será marcada por vingança; democratas fracassaram

Segundo o analista político, republicano perseguirá toda oposição, incluindo mídia, tribunais, agências de inteligência, artistas, intelectuais e o próprio Partido Democrata
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington, DC

Tradução:

Beatriz Cannabrava

“Um segundo período de Trump não será como o seu primeiro. Se tratará de vingança. Vingança contra as instituições que foram contra Trump – os meios, as cortes, as agências de inteligência, republicanos desleais, artistas, intelectuais… e o Partido Democrata”, adverte Chris Hedges, ex-jornalista prêmio Pulitzer do New York Times e agora apresentador de um noticiário independente em Real News Network. Concluiu: “o autoritarismo está nutrido na terra fértil de um liberalismo em decadência. Isso foi certo na Alemanha de Weimar, foi certo na ex-Iugoslávia. E é certo agora. Os democratas tiveram quatro anos para instituir reformas tipo New Deal. Fracassaram. Agora pagaremos”.

Parte da disputa eleitoral presidencial nos Estados Unidos gira em torno de se um ex-presidente e possível futuro presidente está acima da lei ou não, e com isso, se o sistema democrático dos Estados Unidos pode sobreviver a essa batalha política e judicial sem precedentes; e até agora, o acusado está ganhando.

Donald Trump continua enfrentando quatro processos criminais com um total de mais de 80 acusações, sem contar os vários processos civis, mas até agora ele tem utilizado uma estratégia projetada para adiar seus encontros com a justiça através de múltiplos recursos, solicitações que retardam os processos e até mesmo contraprocessos que têm alcançado seu objetivo de confundir a narrativa política.

Além disso, Trump, que insiste que todos os casos contra ele têm motivações políticas e uma interferência inaceitável do Judiciário para tentar desviar sua campanha e evitar sua vitória eleitoral, disse que quando for reeleito é muito provável que assine um autoindulto (algo que só pode fazer nos dois casos criminais federais, mas não nos outros dois estaduais). Ao mesmo tempo, a Suprema Corte – com sua maioria conservadora consolidada durante o governo de Trump – e outros tribunais, às vezes parecem favorecer o ex-presidente ao permitir a prolongação de seus processos e têm levado tempo para emitir decisões sobre seus recursos.

Em 19 de março, um juiz estadual na Geórgia aprovou um pedido de Trump e outros oito acusados nesse caso, para impugnar a decisão de um tribunal inferior de permitir que a procuradora distrital do condado de Fulton, Fani Willis, permanecesse encarregada do caso, apesar das acusações de conduta questionável por um relacionamento romântico não divulgado com um de seus promotores. Esse caso é um dos mais perigosos para Trump, pois ele é acusado de conspirar para subverter o resultado da eleição presidencial na Geórgia, que ele perdeu.

Não faltam provas

Entre as evidências, há uma conversa entre Trump e o secretário de Estado da Geórgia, na qual o presidente pede que ele encontre um pouco mais de 11.700 votos, que foi a margem pela qual ele perdeu para Biden. Quatro dos outros acusados no caso já se declararam culpados. Com a decisão de aceitar o recurso, esse caso será adiado por mais 45 dias.

Mas ele não está ganhando em todas as frentes. Em fevereiro, um tribunal civil decidiu que Trump havia conspirado para manipular informações sobre sua riqueza e enganar o público e as autoridades, impondo-lhe uma multa que agora chegou a 454 milhões de dólares. Na segunda-feira, seus advogados informaram a um juiz em Nova York que não conseguiram obter os fundos necessários para uma fiança pelo valor total da multa que ele precisa enquanto apela essa sentença por crimes de fraude empresarial. Segundo seus advogados, eles solicitaram os fundos para essa fiança a 30 empresas – obviamente porque nenhuma confia no suposto gênio empresarial.

Além disso, esse problema tem levantado mais dúvidas sobre os bens reais daquele que insiste que tem uma fortuna de bilhões de dólares. Se ele não conseguir obter a fiança, os promotores em Nova York poderiam congelar algumas de suas contas bancárias e/ou confiscar algumas de suas famosas propriedades no estado.

Em outro caso, Trump teve que obter uma fiança de 91,6 milhões de dólares na semana passada para o caso civil de difamação que perdeu contra uma escritora, cuja acusação de ter sido estuprada por Trump foi aceita pelo juiz nesse julgamento. Neste caso, uma subsidiária da gigante seguradora Chubb concedeu essa fiança a Trump para que ele possa impugnar essa condenação. Na terça-feira (19), Trump decidiu complicar ainda mais o caso ao apresentar uma ação civil contra o apresentador de noticiários da ABC George Stephanopoulos, por dizer que o magnata havia estuprado sua acusadora, quando seus advogados insistiram que ele só foi culpado de agressão sexual.

Escândalos sexuais

As vidas sexuais dos presidentes têm sido uma constante na narrativa política, basta lembrar da famosa relação entre John F. Kennedy e Marilyn Monroe, ou o desastre do caso entre Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinsky. Mas as revelações sobre a vida sexual de Trump estão em outro nível. Outro processo civil que está para começar – supostamente em abril, depois de ter sido adiado a pedido do ex-presidente – diz respeito à legalidade dos pagamentos durante a campanha eleitoral de 2016 para comprar o silêncio de Stormy Daniels, atriz de filmes pornográficos, que teve uma relação sexual breve com o presidente.

Vale lembrar que Trump é o primeiro ex-presidente a enfrentar acusações criminais. Os quatro casos criminais – dois federais por tentativas de subverter o processo democrático, incluindo sua incitação ao que foi, na prática, uma tentativa de golpe de Estado, outro por manuseio indevido de documentos secretos de segurança nacional, e dois estaduais, incluindo o da Geórgia e o de Nova York – implicam possíveis condenações à prisão para o ex-presidente, enquanto pelo menos três casos civis implicam multas e possíveis consequências graves para seus negócios.

Mas até agora, Trump está sobrevivendo ao que nenhum outro político conseguiu, e por enquanto continua sua longa trajetória bem-sucedida de impunidade ao longo de toda sua vida profissional. Vendo tudo isso, diz o documentarista vencedor do Oscar e comentarista Michael Moore, temos que concluir que Trump é mais inteligente do que nós. Se você não acredita, então pare e me diga como você poderia ser eleito presidente enquanto assalta sexualmente mulheres (e depois se gaba disso); mente para fraudar bancos e não pagar impostos, e finalmente ordena a funcionários estaduais que embalem uma urna com 11.780 votos inexistentes para você.

Ameaças e desdobramentos nefastos

Donald Trump diz que alguns imigrantes “não são pessoas” e que sua “invasão” do país “está envenenando o sangue dos Estados Unidos”. Ameaça com encarceramento a uma republicana que se atreveu a denunciá-lo, eleva ao nível de “patriotas” aqueles que participaram no assalto ao Capitólio, sugeriu que seria “ditador por um dia” e agora usa a frase “banho de sangue” para advertir o que sucederá neste país se ele não ganhar a Casa Branca em novembro.

Não é que haja algo muito novo em sua retórica – embora de vez em quando introduza outros termos elaborados para provocar – mas o efeito continua definindo a disputa político-eleitoral por esta nação de maneira cotidiana, e com isso Trump tem conseguido se manter no centro da atenção. E isso apesar de que ninguém ignora – além dele e seus lugar-tenentes – que cometeu dezenas de delitos pelos quais deve dividir seu tempo entre fazer campanha e assistir às suas citações ante processos judiciais contra ele – algo sem precedente na história do país.

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As explosivas palavras de Trump são um exercício diário, algo que dezenas de milhares de seus seguidores esperam com grande antecipação em seus comícios de campanha eleitoral. Como uma velha estrela do rock, seus fanáticos esperam suas já conhecidas declarações como se fossem canções favoritas, inclusive às vezes a repetem com ele e lhe respondem com suas mensagens quando os convida a repetir em coro suas críticas e denúncias, mas também estão atentos a novos versos.

Por exemplo, nesta terça-feira (19) declarou em uma entrevista que os judeus que não votam por ele e pelos republicanos “odeiam” a si e à sua fé, e também os criticou por não apoiar Israel o suficiente. Há uns dias, empregou a frase “banho de sangue” em um discurso supostamente em referência ao que sucederá ao setor automotriz se ele não for eleito de novo como presidente, mas a frase foi citada primeiro por adversários como outro exemplo das advertências e até incitação à violência política; se tornou o tema das entrevistas nos principais noticiários, e agora Trump voltou a usá-la em outro de seus temas favoritos, ao caracterizar a crise migratória como “o banho de sangue de Biden na fronteira”.

Trump promete anistiar os “patriotas”

Nesse mesmo discurso, reiterou que, para ele, aqueles condenados penalmente por sua participação no assalto violento ao Capitólio em 6 de janeiro para frear a certificação da eleição são “patriotas” que agora estão encarcerados, como “reféns”, e insinuou que talvez os indulte se regressar à Casa Branca. Mais ainda, em vários de seus eventos, como o de sábado em Dayton, põe no início o hino nacional cantado pelo “Coro de Prisão J6” dos encarcerados por suas ações nessa tentativa de golpe de Estado.

Trump se referiu à violência política de maneira constante durante sua carreira política e expressou que haverá “distúrbios”, “morte e destruição” nas ruas se prosseguem casos, investigações e, sobretudo, se não ganhar em novembro. E seus fanáticos entendem muito bem o que está dizendo, muitos deles opinam em entrevistas que poderia haver uma “guerra civil” neste país.

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Trump nutriu ainda mais o alarme de que se regressar a Casa Branca iniciará uma perseguição de seus críticos e aqueles que considera que o traíram. No domingo reiterou seu apelo para que a ex-deputada federal republicana Liz Cheney “e os demais” deveriam ser encarcerados por participar no comitê que investigou suas ações em torno à tentativa de golpe de Estado. Cheney é nada menos que a filha do ex-vice-presidente Dick Cheney.

Trump afirmou no sábado, outra vez, que se não ganhar a eleição, isso provavelmente marcará o fim da democracia estadunidense.

Ameaças de Trump são reais e perigosas

Robert Reich, comentarista político e ex-secretário de Trabalho de Bill Clinton, comentou esta semana em uma coluna: “é um grave erro ignorar as ameaças e advertências de Trump sobre a violência. Uma e outra vez se comprovou que são reais e perigosas… Parte da estratégia eleitoral de Trump é incitar ativamente a violência“.

“Pode ser um idiota e um racista, mas também é um gênio malvado”, sustenta o cineasta e ativista Michael Moore. Advertiu que os processos judiciais contra ele, nem o sistema eleitoral, nem a equipe de Biden, nem Stormy Daniels “nos salvarão. Os únicos que podem nos salvar somos nós mesmos”.

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Ao mesmo tempo, nesta terça-feira (19), Peter Navarro se converteu no funcionário de maior nível do governo do ex-mandatário em ingressar à prisão. Navarro, que foi um dos operadores da estratégia para manter Trump no poder depois de sua derrota eleitoral, começará a cumprir uma condenação de quatro meses em uma prisão federal de segurança mínima em Miami por desacato ao Congresso quando se negou a cooperar com o comitê da câmara baixa que investigou o atentado de golpe de Estado de 6 de janeiro de 2021.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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