Uma democracia é um regime do governo do povo, pelo povo e para o povo. Porém, no Peru, nosso crioulo país, habituado às manhãs herdadas dos conquistadores hispânicos, esse vocábulo tem declinado em outras formas não sintáticas dependentes dos votantes que decidem por aqueles que querem ser governados: por interesse, porque farão o que ele querem; porque os candidatos são como eles, seus paradigmas ou o que eles quisessem também ser; porque não sabem nem por que e nem em quem votar e lhes dá igual eleger uns ou outros; porque são manipulados; porque pensam, os menos; ou por outras causas. Talvez em outras partes sucede algo similar, porque em todas as partes se cozem favas (Miguel de Cervantes dixit).
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Essas formas são:
A cleptocracia ou também cacocracia ou o governo pelos ladrões. No século XIX nenhum de seus epígonos, que se carregaram em peso os caudais da República, foi molestado. Ao contrário, gozaram da homenagem de seus coetâneos. No século XX e o que vai do XXI, a cleptocracia, vigorizada pelos subornos, teve muito nobres representantes da mais alta linhagem política. A alguns os preparam em seus partidos de onde saem também seus segundos e terceiros, aos que se agregam os amigos da lama, parentes e comprovincianos que chegam a saudar o homem ou a mulher nem bem se instalam e a pôr às suas ordens. E, como de algo têm que ocupar-se os promotores e juízes penais, desde 1985 os presidentes que saem, exceto um, passaram a ser personagens dos processos penais, e os mais distintos encerrados em prisões confortáveis quatro estrelas. Um deles de marca maior perdeu a chiavetta e preferia pegar-se um tiro antes de ser fotografado com os pulsos algemados.
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A ignarocracia ou o governo pelos ignorantes, tanto em exercício do Poder Executivo como do Poder Legislativo. E é explicável que assim seja, posto que para ser presidente da República ou representante ao Congresso não se exige nem sequer saber ler ou escrever. E, como a ignorância é irmã siamesa da soberba, os governantes e legisladores desta caráter ostentam saber muito e de tudo. Mas, aí se plantam, embelezados, como inevitáveis atores das crônicas dos jornalistas e opinólogos políticos, enquanto desfrutam de seus cargos que quiseram que fossem eternos. Os projetos de leis e decretos, vêm de longe de seu escritório para receber o toque final por um enxame de assessores que se fazem presentes como as formigas quando detectam algo para comer. Depois a burocracia faz o resto.
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A bufocracia ou o governo pelos bufos. São personagens de farsa, parentes em grau próximo do ridículo, que não figurariam nem como comparsas em uma zarzuela, mas talvez sim em alguma feira popularesca. Nas campanhas eleitorais se contorcem nas pracinhas ao som de alguma marinera ou de um huayno, se são eleitos, continuam a dança e as caretas, que eles creem sorrisos, com relógios carinhos e outra joias que lhes aparecem no corpo como por encantamento, interpoladas com declamações tão inimigas da graça e da verdade que o barão Munchausen os condenaria a escrever um milhão de vezes que isso não se deve fazer e a esticar a mão para receber a palmatória.