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ToggleMultilateralismo internacional e inclusão social. Paz mundial, proteção ambiental e uma sociedade civil empoderada. Às vésperas da reunião dos chefes de Estado do G20, que começou nesta segunda-feira (18), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou um discurso enfático no encerramento do G20 Social, a cúpula da sociedade civil promovida pela primeira vez na história do grupo.
“O G20 precisa acontecer todos os dias, porque há 733 milhões de pessoas passando fome. Nos últimos anos, o mundo gastou dois trilhões e quatrocentos bilhões de dólares em armamentos, enquanto quase nada foi investido em comida para quem precisa”, destacou o presidente brasileiro. Recebido como uma estrela do rock no G20 Social, Lula criticou duramente o neoliberalismo econômico: “Para chegar ao coração do cidadão comum, os governos precisam romper com a crescente dissonância entre a voz dos mercados e a voz das ruas. O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que assola as democracias”. Ele defendeu ainda que o G20 discuta medidas para “reduzir o custo de vida e promover jornadas de trabalho mais equilibradas”.
Duas horas após ter se reunido com António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no Forte de Copacabana, Lula enfatizou a necessidade de reformar as instituições globais. Cercado por movimentos sociais e representantes da sociedade civil internacional, ele propôs a democratização do Conselho de Segurança da ONU: “Quando a ONU foi criada, eram 56 países participantes. Hoje, são 196. Onde está o continente africano no Conselho de Segurança? Onde está o continente latino-americano? Onde está a Índia?”.
Tawakkol Karman, iemenita vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2011, agradeceu a Lula por sua defesa do povo palestino diante “do genocídio praticado por Israel”. Minutos antes, ela afirmou que apenas com a reforma das instituições internacionais será possível alcançar a paz global.
Ronald Lamola, ministro das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, comprometeu-se a repetir o G20 Social no próximo ano, quando seu país assumirá a presidência do G20. Lamola também associou a voz da sociedade civil global ao processo de multilateralismo, condenou Israel e comparou o apartheid sul-africano à ocupação israelense na Palestina: “Continuaremos exigindo responsabilização do governo de Israel. Estamos com o povo palestino. Vamos libertar a Palestina. Palestina livre!”. Ele concluiu: “O G20 precisa se comprometer com a paz”.
O presidente brasileiro também fez um apelo sobre a emergência climática. Citando recentes desastres ambientais, como a DANA (Depressão Isolada em Altos Níveis, na sigla, em espanhol) em Valência, ele pediu medidas urgentes para enfrentar a crise climática: “Somos responsáveis pela única casa que temos: o planeta Terra”.
Lula se comprometeu a entregar aos demais líderes do G20 a declaração da Cúpula Social, que inclui propostas da sociedade civil trabalhadas ao longo do ano e discutidas nos últimos três dias.
G20, lado B
O Brasil deu grande ênfase à programação paralela do G20. Desde a última quarta-feira (16), os armazéns do Porto do Rio de Janeiro, revitalizados para os Jogos Olímpicos de 2016, tornaram-se um centro fervilhante de atividades. Inspirado na herança do Fórum Social Mundial (referência de participação da sociedade civil nos anos 2000) e no legado participativo dos governos petistas (2003-2016), o G20 Social foi uma das apostas brasileiras para revolucionar as dinâmicas verticais do G20. “Nunca mais esses esnobes farão o G20 sem a participação do povo”, afirmou Márcio Macêdo, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, na abertura do evento.
Além das reuniões, debates, plenárias e centenas de atividades autogestionadas, o Píer Mauá no Porto do Rio de Janeiro recebeu o Urban 20 (U20, encontro dos principais prefeitos do mundo), o Cria Rede (espaço com palestras e oficinas de influenciadores digitais) e o festival musical Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, coordenado por Janja da Silva, primeira-dama do Brasil.
O lado B do G20, além de servir como um espaço de debate para a sociedade civil, tornou-se um trampolim estratégico para o governo brasileiro. “Não poderia haver uma discussão efetiva sobre esses temas sem diálogo com a sociedade”, afirmou Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil. Margareth Menezes, ministra da Cultura, destacou que o G20 Social busca deixar “para o mundo uma proposta de governança global que reconheça a participação da sociedade civil”.
Da soberania alimentar à inteligência artificial
Tiago Ribeiro, da Cooperativa Coleta de Sementes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vendeu sementes nativas na feira solidária do G20 Social. “Este espaço é uma oportunidade para mostrar que existem alternativas ao sistema agrícola internacional baseado em patentes e pesticidas”, disse ao jornal espanhol eldiario.es*. Em oposição ao monocultivo, Tiago defende sistemas agroflorestais que combinam proteção de florestas nativas e agricultura.
Perto dali, em um dos armazéns, um painel sobre segurança alimentar destacou a importância de cozinhas solidárias, restaurantes populares, cestas de alimentos e da agricultura familiar. Essas iniciativas serão incorporadas pelo Brasil à Aliança Global Contra a Fome, principal proposta brasileira para o G20, lançada nesta segunda-feira (20) e que já conta com a adesão de 82 países e R$ 25 bilhões em caixa.
O G20 Social é uma extensão da marca Lula. Nele, não apenas ressoam suas bandeiras históricas, mas também os ecos de tempos mais gloriosos. No galpão World Forum of Favelas, dedicado aos diálogos das periferias globais, o lendário jogador Cafu entregou, na última sexta-feira (15), a uma adolescente negra do público chamada Ângela, a taça da Copa do Mundo de 2002, última vencida pelo Brasil. “A favela é uma potência mundial”, afirmou Cafu, capitão daquela seleção.
A relevância dos governos locais no U20 também dialoga com a onda municipalista progressista que precedeu a chegada de Lula ao poder, em 2002. “Não importa o que faça o governo nacional de Trump, trabalharemos localmente contra a mudança climática”, disse Neicy Shutley, do governo municipal de Los Angeles, em um painel do U20.
Embora o G20 Social represente uma tentativa de resgatar o legado dos 13 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), algumas bandeiras históricas ficaram de fora. As transformações no cenário global alteraram certos debates.
As centrais sindicais incluíram em suas propostas a renda básica universal e medidas contra a precarização do trabalho gerada por plataformas digitais como Uber. A soberania tecnológica, tema emblemático dos governos Lula, desapareceu tanto do G20 quanto do G20 Social.
No evento Cria Rio, o mundo dos influenciadores substituiu o debate histórico sobre o uso de softwares livres e licenças como o Creative Commons. “Investimos na participação colaborativa, dando voz a uma rede de colaboradores que já atuam nos territórios. As tecnologias livres deveriam ser incluídas nos próximos encontros”, afirmou Marcelo Branco, ativista histórico do software livre e um dos articuladores da comunicação do G20 Social.
Como contraponto, pessoas-chave na luta contra as fake news encerraram o Cria Rio com o painel G20 Talks Combate à Desinformação. Após três dias de oficinas sobre algoritmos, filtros do TikTok e estratégias de monetização no Instagram, Felipe Neto reforçou a importância de combater o discurso de ódio. Humberto Ribeiro, fundador do Sleeping Giants Brasil, explicou como a organização luta contra empresas cuja publicidade financia a extrema-direita, e a ativista filipina Mitzi Jonelle criticou o negacionismo climático.
Críticas ao G20 Social
Apesar do esforço do governo brasileiro, nem todas as organizações da sociedade civil participaram do G20 Social. A Associação Brasileira de Imprensa recebeu a Cúpula dos Povos, um contra-evento organizado por movimentos sociais e sindicatos que criticaram o “controle” imposto pelo governo aos participantes do G20 Social. “Na cúpula, criticamos o modelo de controle de gastos públicos que beneficia apenas o mercado financeiro e a contradição ambiental do governo Lula, que tenta conciliar desenvolvimento econômico com preservação e transição energética”, disse André Lobão, do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro), ao eldiario.es.
Enquanto Lula recebia António Guterres no Forte de Copacabana, a Marcha dos Povos, organizada por 300 movimentos sociais, enviava uma mensagem clara em suas faixas principais: “Lula, rompa com Israel, contra o genocídio” e “Fora G20 e genocidas globais”.
* Texto traduzido com apoio de IA com revisão da redação.