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Empresas e governo pressionam, mas rebelião trabalhista não para de crescer nos EUA

Segundo especialistas, nível de atividade sindical e ações coletivas por organizações trabalhistas estão chegando a um ponto não visto desde 1940
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Greves, campanhas de sindicalização, mobilizações e outras ações coletivas de trabalhadores incluindo as de 115 ferroviários de carga, quase 50 mil trabalhadores acadêmicos da Universidade da Califórnia, milhares mais de enfermeiras, comissários de bordo, trabalhadores de armazéns, jornalistas, trabalhadores em centenas de cafeterias e supermercados, entre outros através do país, são parte de uma onda de ações em todo o país que prometem uma ressurreição do movimento trabalhista.

Em Nova York, mais de mil trabalhadores da redação do New York Times se preparam para explodir em greve nesta semana depois de se cansarem de negociar com seus patrões um novo contrato durante 10 meses, enquanto 1.500 acadêmicos de tempo parcial em greve marcham na frente das portas da Universidade New School. Ao mesmo tempo, do outro lado do porto de Nova York, em Staten Island, mais de 8 mil trabalhadores que foram os primeiros a sindicalizar um armazém da Amazon buscam conseguir seu primeiro contrato coletivo enquanto apoiam a sindicalização de seus companheiros em outras partes da mega empresa. Essas são só algumas expressões locais do que está ocorrendo em nível nacional.

Número de estadunidenses favoráveis a sindicatos trabalhistas é o maior em 57 anos

As ações incluem desde novos esforços para sindicalizar empresas do setor de serviços a novas ofensivas, incluindo greves para alcançar melhores condições em contratos coletivos em indústrias tradicionais. E estão triunfando: os sindicatos ganharam mais eleições (para estabelecer um sindicato) em 2022, que em qualquer ano desde 2000. Até a presente data, explodiram mais de 288 greves com a participação de três vezes mais trabalhadores do que em todo 2021. 

Além disso, o nível de aprovação do público estadunidense pelos sindicatos chegou a 71% – seu ponto mais alto desde 1965 – segundo a sondagem mais recente de Gallup.

Segundo especialistas, nível de atividade sindical e ações coletivas por organizações trabalhistas estão chegando a um ponto não visto desde 1940

Joe Piette – Flickr

Nova onda de ações é em parte uma rebelião contra as consequências da agenda neoliberal das últimas 4 décadas,

Talvez o mais notável seja o surgimento de novos sindicatos independentes dentro de empresas ferozmente antissindicais, por exemplo, dos trabalhadores da Starbucks, que em um ano conseguiram sindicalizar 250 lojas – embora a empresa se recuse a negociar contratos coletivos. Há também um novo grêmio que busca continuar sindicalizando mais instalações da Amazon em cadeias de supermercados como Trader Joe.

Ao mesmo tempo, sindicatos em setores como os de ferroviários, hospitais, linhas aéreas, portos (estivadores), empresa de empacotamento, universidades, museus, supermercados e escolas públicas também estão nutrindo a vitalidade de um movimento trabalhista que havia se estancado e está em seu momento mais fraco em quase um século, como resultado de uma ofensiva neoliberal desatada pela cúpula política em Washington e pelo setor empresarial desde a presidência de Ronald Reagan, nos anos 1980, até agora. 

Neste ano foram registradas pelo menos 630 ações trabalhistas em 980 localizações ao redor do país, segundo dados da Escola de Relações Trabalhistas da Universidade de Cornell. As solicitações de eleições para estabelecer novos sindicatos cresceram em 53% no ano fiscal de 2022 com relação a 2021 – o nível mais alto desde 2016, segundo dados oficiais. Alguns especialistas comentam que o nível de atividade sindical e outras ações coletivas por organizações trabalhistas estão chegando a um ponto não visto desde os anos 1940.

Entre estas ações, está a atualmente maior greve universitária da história, deflagrada por 48 mil trabalhadores acadêmicos – incluindo estudantes de pós-graduação, entre outros – no sistema de nove campi da Universidade da Califórnia, que dura já três semanas, teve apoio de estudantes e professores e poderia ter amplas implicações para o futuro das relações trabalhistas nos Estados Unidos. Por ora, as autoridades dessa universidade pública estão buscando dividir os grevistas, oferecendo concessões e benefícios a alguns e não a outros. 

Alguns observadores assinalam que esta onda de ativismo sindical está acompanhada com a chegada de um presidente que se comprometeu a ser “o presidente mais pró-sindical da história”. De fato, a campanha presidencial de Joe Biden começou em um sindicato em Pittsburgh, e tem repetido desde então sua consigna antineoliberal de que “Wall Street não construiu este país, a classe média construiu este país, e os sindicatos construíram a classe média”. 

Embora tenha revertido a agressão oficial contra sindicatos e direitos trabalhistas, nomeado um secretário de Trabalho pró-sindical e reparado relações com sindicatos nacionais durante seus primeiros dois anos na Casa Branca, Biden enfureceu alguns dos seus aliados sindicais na semana passada ao promover uma intervenção federal para frear uma possível greve nacional de mais de 100 mil ferroviários de carga programada para 9 de dezembro, sob a justificativa de que provocaria um grave prejuízo à economia nacional.

Líderes de alguns dos sindicatos envolvidos condenaram a anulação de seu direito à greve com a promulgação de uma lei obrigando-os a aceitar um contrato coletivo que uma maioria de seus membros haviam recusado em uma disputa prolongada centrada em condições de trabalho, incluindo o direito a dias pagos por doença em uma indústria que gerou lucros recordes de 20 bilhões de dólares no ano passado, enquanto reduziu sua força de trabalho em 30%. “Biden será recordado como uma das maiores decepções da história do trabalho”, tuitou a Railroad Workers United, uma aliança intersindical.


Rebelião antineoliberal 

Esta nova onda de ações é em parte uma rebelião contra as consequências da agenda neoliberal das últimas 4 décadas, a qual levou a níveis de desigualdade econômica sem precedentes em quase um século.

Enfermeiras, ferroviários e até beisebol: greves e sindicalismo continuam a crescer nos EUA

Várias pesquisas acadêmicas demonstraram que a queda do sindicalismo está diretamente relacionado com o aumento da desigualdade econômica nos Estados Unidos. Só 10,3% da população trabalhadora – 14 milhões de trabalhadores – está sindicalizada, no setor privado, só 1%. Nos anos 1940 e 1950, um terço dos trabalhadores tinham um contrato coletivo.

Sara Nelson, a presidenta do sindicato dos comissários de bordo Association of Flight Attendants, com 50 mil membros, comentou recentemente que “desde que os trabalhadores obtiveram o direito de greve em 1935 (para promover contratos coletivos), as empresas e seus políticos comprados se dedicaram cada a dia a tirar isso de nós. Essa é a razão pela qual não podemos obter a promulgação de políticas amplamente populares e porque nossa democracia está quase morta”.

“Depois de décadas de luta, estamos em uma conjuntura infundida de entusiasmo, energia e esperança”, declarou recentemente a presidenta da central operária AFL-CIO, ao anunciar um novo fundo de 11 milhões de dólares anuais para campanhas de organização sindical.

D. Taylor, presidente do sindicato nacional UNITE-HERE – representando os trabalhadores de hotéis e restaurantes, entre outros – comentou que “nunca houve um momento mais urgente para se organizar do que agora”. Os trabalhadores estão fartos de extrema desigualdade e exploração e estão prontos para lutar para melhorar suas condições.

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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