Pesquisar
Pesquisar

Epidemia de solidão: como doença atinge EUA e pode levar a depressão e demência

Enfermidade tem consequências à saúde tão sérias como o tabaco e pode afetar quase metade dos adultos estadunidenses
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

A solidão e a desolação invadiram o país que proclamou como direito, quando foi fundado, “a busca da felicidade”.

O cirurgião-geral dos Estados Unidos Vivek Murthy declarou que há uma nova emergência de saúde pública neste país, o que batizou como “uma epidemia de solidão”. O doutor informou que esta epidemia tem consequências de saúde tão sérias como as do tabaco e que aproximadamente metade dos adultos estadunidenses dizem que padecem de solidão. 

Continua após o banner

A pandemia exacerbou esta condição ao obrigar o isolamento de milhões, o fechamento de escolas e lugares de convívio, mas já prevalecia antes em parte por uma queda na participação das pessoas em organizações comunitárias, em igrejas e outras atividades sociais. Também há mais pessoas de terceira idade morando sozinhas. Mas todas as gerações estão padecendo dessa epidemia de solidão. O informe emitido pelo cirurgião geral aponta que os jovens entre 15 e 24 anos de idade foram os mais afetados durante a pandemia, com o tempo com amigos reduzido em 70%. Segundo o informe emitido pelo cirurgião geral, a solidão incrementa a taxa de morte prematura em quase 30%, e alimenta a depressão, a ansiedade, e até a demência. “A conexão social é essencial para a saúde e o bem-estar”, afirma o informe

Leia também: Classe trabalhadora e sindicalismo batalham contra avanço do neofascismo nos EUA

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos são o único entre os países avançados do mundo a registrar reduções de taxas de expectativa de vida para amplos setores. Este fenômeno começou a chamar atenção há aproximadamente 7 anos quando dois economistas, Anne Case e o Prêmio Nobel Angus Deaton, exploraram o fenômeno de crescentes taxas de mortalidade entre homens brancos sem estudos universitários, algo sem precedentes e sem igual em outros países. Neste setor se registram mais casos de vício a opióides e outras drogas, alcoolismo e suicídios. Ao examinar as condições socioeconômicas deste grupo, batizaram o fenômeno como “mortes de desolação”. 

Isto gerou novas explorações sobre a dinâmica socioeconômica estadunidense, definida pelas consequências de políticas neoliberais durante quatro décadas, incluindo um dramático aumento na desigualdade econômica e seu impacto sobre a classe trabalhadora. Alguns analistas apontam que esta é a parte da base que conquistou Trump.

Enfermidade tem consequências à saúde tão sérias como o tabaco e pode afetar quase metade dos adultos estadunidenses

Foto: Şahin Sezer Dinçer/Unsplash

Talvez outros países poderiam oferecer aos EUA algumas recomendações ou outro modelo para seguir

Para Case e Deaton, não é complicado identificar a causa destas mortes de desolação: “Destrói o trabalho e, ao final, a vida da classe trabalhadora que não pode sobreviver. É a falta de significado, de dignidade, de orgulho e de respeito próprio que vem com o fim de matrimônio e de comunidade que provoca a desolação, não só… a falta de dinheiro”, escrevem. 

No país mais rico do mundo, “os estadunidenses em média estão morrendo mais jovens do que antes, rompendo os padrões globais e históricos prognosticáveis”, mais jovens que em outras partes do primeiro mundo, incluindo Cuba, China e Líbano, aponta David Wallace-Wells, escritor sobre Ciências para o New York Times.

Leia também: Neoliberalismo vigente há 40 anos, não Trump, é responsável por ruína da democracia nos EUA

Porém, não é só isso: a anomalia de mortalidade estadunidense já não se trata de adultos mais velhos, mas cada vez mais de jovens e crianças. Uma em cada 25 crianças de 5 anos não viverá para completar 40 – uma taxa de mortalidade 4 vezes mais alta que em outros países ricos. E não é pela Covid, a qual foi culpada por 2% das mortes de jovens e crianças, mas por armas de fogo (usadas em suicídios e homicídios), entre outros fatores. 

O país que se oferece como “modelo” a seguir para o mundo, que impulsiona receitas econômicas e sociais para todos os demais e que celebra “a busca da felicidade” aparentemente é um país cantando um blues cada vez marcado pela solidão e pela desolação. Talvez outros países poderiam oferecer aos EUA algumas recomendações ou outro modelo para seguir. 

David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

LEIA tAMBÉM

Cidades “santuário” para imigrantes se preparam para barrar ofensivas de Trump
Cidades “santuário” para imigrantes se preparam para barrar ofensivas de Trump
Putin Mais do que trégua, precisamos de uma paz duradoura (1)
Putin: Mais do que trégua, precisamos de uma paz duradoura
Ucrânia teria prometido US$ 100 mil e passaporte europeu a autor de atentado na Rússia
Ucrânia teria prometido US$ 100 mil e passaporte europeu a autor de atentado na Rússia
A esperança das crianças em Gaza A guerra tirou tudo de nós, mas nunca vai tirar nosso sonho
A esperança das crianças em Gaza: "A guerra tirou tudo de nós, mas nunca vai tirar nosso sonho"