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Nas eleições da França ganhou Macron, o menos pior. O povo vai ter que comer o pão que o diabo amassou. Desemprego, empobrecimento da classe média, aumento da marginalização social nas periferias urbanas e, pior, o avanço do pensamento único imposto pelo capital financeiro. O banqueiro chegou agora ao cume do poder.
Paulo Cannabrava Filho*
O que ocorre na França, já foi dito aqui por mais de um de nossos colaboradores, decorre da traição da social democracia e dos sindicatos que se deixaram seduzir pelo canto da sereia do capital financeiro. Pode-se discutir se traição ou força das circunstâncias, mas o certo é que são responsáveis por executar o projeto neoliberal. Abandonaram o movimento de massas.
Lá como aqui, esse comportamento levou à descrença, ao enfraquecimento de todas as esquerdas.
E agora?
Acumulação de forças, de muita força para reconstruir o que está sendo desmontado em questões de direitos e produção. Nem lá nem aqui há condições para se virar a mesa, fazer uma revolução. O processo será lento, de uma revolução cultural que devolva a capacidade de a inteligência voltar a pensar o país.
Nos Estados Unidos Trump completou 100 dias de governo inútil. Trump, Macron, Collor, Macri, Dória-Temer, todos com o mesmo discurso de combater a corrupção. Pura hipocrisia. Vão cortar as próprias mãos? O capitalismo é corrupto, o capital financeiro é corrupto absolutamente.
Está nos livros de história: a acumulação capitalista se faz ou por herança, pela exploração do outro, roubando ou traficando; em síntese, através da corrupção. Nos Estados Unidos as grandes fortunas dos pais da pátria começaram com o tráfico de ópio; a rainha da Inglaterra era a nau capitânia da pirataria. Mas essa é outra história.
Na França e nos Estados Unidos, para animar a economia eles irão à guerra. A França na África e no Oriente Médio, os Estados Unidos no Oriente Médio e na Ásia.
E nós, para onde vamos?
Desindustrialização
Nos últimos 30 anos o setor industrial caiu de uma média histórica de 25% de participação no PIB para 10%, e para menos que isso nos últimos três ou quatro anos, consequência da liquidação dos estaleiros e outras indústrias estratégicas paralisadas e não contabilizadas nessa estatística.
Nesse contexto, o volume de investimento em infraestrutura, que vinha numa média de 3% do PIB (o ideal para a ONU é 5% do PIB) nos últimos anos está em torno de 1,7% do PIB. Ridículo até mesmo para um país que escolheu ser exportador de matérias primas.
As sequelas da desindustrialização são terríveis. O desemprego formal, que segundo cômputos oficiais é de 16 milhões, está próximo dos 20 milhões, pois a estatística não conta aqueles que já não procuram por emprego. O IBGE maquia dados para mascarar a desindustrialização.
O operário especializado demitido entra na economia informal e dificilmente volta para o chão de fábrica. O problema do setor industrial se agrava com a falta de mão-de-obra especializada, que necessita de algum tempo para ser formada.
Nem a taxa nem o número de desempregados no país computa os milhões de emigrantes econômicos, fenômeno novo no Brasil, outra sequela do modelo imposto pela ditadura do capital financeiro. País tradicionalmente de imigrantes é hoje país de migrantes. Só nos Estados Unidos estima-se que há 1.5 milhão de brasileiros vivendo. Outro tanto vivendo na Europa onde a situação é nada fácil. Bruxelas apertou o cerco à imigração e uma média de 900 brasileiros é expulsa ou devolvida a cada ano.
Outra sequela não menos grave é que cada vez mais a indústria brasileira está funcionando como maquia –montagem com peças produzidas no exterior- que foi o que arrebentou a economia do México.
E como se não bastasse, tal como no México, além da ofensiva contra os direitos conquistados, estão entregando o petróleo do pré-sal, vendendo as terras para estrangeiros, submetendo a segurança aos Estados Unidos, violando a soberania nacional.
Poder constituinte
A direita conservadora (representada pelo Estadão) já admite que a crise e as reformas propostas, como a política e a trabalhista, requerem amplo debate, não estão sendo bem encaminhadas e deveriam ser tratadas numa Constituinte. Começam a concordar com setores dos desalojados do poder que foram os primeiros a propor uma Constituinte. De fato, é preciso repensar o país, refundar a república e isso realmente é tarefa para uma Constituinte.
Jogo duro, na atual circunstância.
Quem elegerá quem para formular as reformas necessárias?
A direita já entendeu que não basta financiar e ter prepostos no poder, é preciso ocupar os espaços, e o vem fazendo com maestria. Na composição da Câmara Federal eleita em 2014, dos 513 deputados, 221 são empresários. O portal Intercept, do jornalista Glenn Greenwald, revela que das 850 emendas à reforma política, 292 foram redigidas em computadores das Confederações Nacionais patronais, dos transportes, dos bancos, da indústria e da logística.
Arriscaria a direita perder essa hegemonia? Se entrarem nesse jogo, entrarão com todo o dinheiro do mundo, entrarão para ganhar.
Quanto ao reverso da moeda, terá a esquerda na atual conjuntura capacidade ou possibilidade de conquistar a maioria de uma Constituinte?
Uma Constituinte com hegemonia dessa nossa direita cavernosa seria o fim para qualquer projeto desenvolvimentista. Ou seria o caos político-social?
Triste sina para nosso sofrido povo que tem como líderes os porta-bandeiras do neoliberalismo.
Um fato concreto é que é indiscutível a liderança do Lula. Percebe-se que quanto mais acuado pelo judiciário e pela mídia mais cresce sua imagem no imaginário das massas populares. Imagino que não é nada fácil enfrentar o que ele está enfrentando, a certeza de que não lhe darão trégua. Tem que ter calma e confiança no povo que ainda acredita nele e oferecer ao povo o que espera dele.
Lula, a meu ver, tem condições de unir o país em torno de um projeto nacional. O que não sei é se terá vontade. É jogo duro, sei disso. Contudo, a hora é de virar a mesa. O Brasil precisa de um projeto nacional de desenvolvimento e de um plano para um governo de transição. Constituinte com Lula, pode ser uma boa bandeira. Mas tem que haver um projeto discutido com o que ainda sobrou de inteligência neste país.
*Jornalista editor de Diálogos do Sul, maio de 2017