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TogglePossibilidades de progresso e “tensões criativas”
A relação entre organizações populares e governos alternativos (que expressam algum grau de autonomia ou confronto com as classes dominantes) tem sido objeto de análise em Nossa América por pelo menos duas décadas, como resultado das possibilidades que surgiram em diferentes países da região.
Esses governos chamados “progressistas” (Kirchnerismo na Argentina, mais recentemente López Obrador no México), em outros casos “nacionalistas” (Chávez na Venezuela, Evo na Bolívia) ou, mais vagamente, “de esquerda” (o PT no Brasil, agora Boric no Chile) tiveram e continuam tendo uma relação complexa com organizações populares e movimentos sociais em seus países.
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Em geral, eles têm que coexistir com demandas populares às quais, em muitos casos, não conseguem dar respostas. Durante o “ciclo progressista” que começou no início deste século, alguns destes governos desconsideravam a agenda popular que haviam perseguido originalmente para se alinharem com os setores de poder que deviam enfrentar.
Algumas vezes até recorreram à repressão em face de protestos sociais. Em outros casos, ao contrário, eles avançaram em conquistas e direitos que ratificaram o apoio das maiorias, e a organização popular cresceu e se fortaleceu lado a lado com esses avanços. As experiências foram diferentes, dependendo do país e do momento.
Por sua vez, as organizações populares estavam aprendendo a calibrar suas expectativas. Em termos gerais, o objetivo desses governos é acumular forças e obter ganhos, aproveitando o vento favorável, sem confundir essas possibilidades de curto prazo com as aspirações estratégicas, que permanecem (ou seria bom que permanecessem) no lugar: conseguir, em algum futuro que não será o presente, uma verdadeira mudança radical no sistema capitalista e avançar em direção a formas de socialismo e igualdade.
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O ex-vice-presidente boliviano Álvaro García Linera caracterizou estes conflitos como “inerentes a qualquer processo de mudança” e os definiu como “tensões criativas dentro do bloco popular”.
Ele enumerou pelo menos três eixos de conflito: a relação entre o Estado e os movimentos sociais; o dilema entre a “flexibilidade hegemônica” que esses governos devem ter e a firmeza que caracteriza as demandas do movimento social; e a tensão entre os interesses gerais (para os quais o Estado deve cuidar) e os interesses corporativos defendidos pelas organizações setoriais.
No auge do governo de Evo na Bolívia, Linera naturalizou estas tensões -as subestimou- porque, disse ele, “é assim que são as verdadeiras revoluções”.
A evolução subsequente dos governos progressistas não tem estado de acordo com esta ilusão revolucionária; entretanto, os pontos de tensão analisados ainda são relevantes para a compreensão das experiências que ainda estão progredindo na realidade atual. De qualquer forma, se essas tensões fossem subestimadas na época, elas deveriam receber mais atenção agora.
@gustavopetro
Organizações populares e governo na América Latina: a esperança colombiana
A particularidade colombiana (I)
A Colômbia, que teve a chance de ter uma eleição histórica no primeiro turno no dia 29, tem agora a possibilidade de se ligar a um punhado de experiências regionais que podem se mostrar úteis em termos de aprendizagem e, talvez, de um cenário favorável.
Em sua história contemporânea, o país tem estado raramente em sintonia com os ciclos políticos latino-americanos. Durante a segunda metade do século XX, não houve populismo na Colômbia ao estilo do Cardenismo no México, os processos nacionalistas no Peru ou na Bolívia, ou o peronismo na Argentina; Jorge Eliécer Gaitán, o caudilho liberal que poderia ter encarnado tal possibilidade, foi assassinado para abortar qualquer ilusão de mudança.
Posteriormente, as formas ditatoriais na Colômbia não precisaram de golpes de Estado militares estridentes como no resto do continente entre os anos 70 e 80; a repressão, embora igualmente ou mais criminosa do que em outros países, manteve a formalidade institucional: a famosa “democracia” mais “sólida” do continente.
O fato de o país ter estado imerso em um conflito armado interno de 70 anos, onde guerrilheiros de esquerda lutaram pelo poder não apenas com o Estado, mas também com o tráfico de drogas e grupos paramilitares, é parte da mesma peculiaridade.
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No início do século XXI, o país estava nos antípodas do “ciclo progressista” que caracterizava as experiências mais dinâmicas da região: enquanto Chávez e os demais arriscaram mudar de rumo em favor do povo, na Colômbia Uribe governou à força de massacres contra as comunidades.
‘‘O fato de o país ter estado imerso em um conflito armado interno de 70 anos, onde guerrilheiros de esquerda lutaram pelo poder não apenas com o Estado, mas também com o tráfico de drogas e grupos paramilitares, é parte da mesma peculiaridade.’’
Entretanto, agora, se a chapa Petro-Márquez vencer, a Colômbia terá a chance de compartilhar o caminho de outros povos irmãos.
Vejamos algumas notas sobre estas experiências que, mesmo com balanços abertos, podem iluminar os tempos futuros, não apenas para a Colômbia, mas para toda a região.
Uma breve historicização contemporânea
A década de 1990 viu a consolidação de uma ofensiva neoliberal na América Latina que aproveitou a crise da esquerda após a derrota da revolução sandinista na Nicarágua, o fracasso das tentativas insurgentes na América Central e o aprofundamento da crise em Cuba após a queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Estes reveses políticos foram acompanhados de tumultos ideológicos.
Os paradigmas que guiaram as tentativas de revolução socialista durante o século XX foram postos em questão. Na esteira destas crises, algumas esquerdas recuaram no possibilismo e integração no sistema. Em outros casos, o recuo foi em direção a outras buscas genuínas de intervenção política, mantendo o horizonte de mudança social em um sentido anti-capitalista.
A partir do final dos anos 80 e ao longo dos anos 90, as rebeliões e insurreições que tomaram forma em resposta a esta ofensiva neoliberal assumiram diferentes formas, mas em geral coincidiram em algo substancial: o protagonismo do povo nas ruas, sem o peso das vanguardas do século passado.
Nos melhores casos, esta ausência foi substituída por protagonismos políticos de um novo tipo e pelo surgimento de “novos movimentos sociais”. O recuo após a crise ideológica dos anos 90 foi em direção a formas menos estridentes de entender a possível revolução, mas também em direção às bases.
O Zapatismo no México, os Sem Terra no Brasil, os Piqueteros na Argentina, os movimentos indígenas revitalizados na Bolívia, Equador e Colômbia, fizeram parte desses movimentos emergentes organizados desde abaixo.
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Os partidos e organizações tradicionais, mesmo os da esquerda, perderam peso em favor de novas formas de organização social. Desta forma, o povo ganhou uma dinâmica de luta mais ousada. Alguns esquerdistas fizeram um esforço teórico e prático para repensar suas estratégias e táticas, conseguindo assim, em alguns casos, unir forças com a dinâmica das massas cansadas dos ajustes neoliberais.
Este aspecto positivo foi acompanhado por outro contraproducente: a crise de representatividade e o sucesso da retirada das bases nos novos movimentos sociais que distanciou estas experiências das disputas especificamente políticas. As novas lutas sociais não incluíram em sua agenda as receitas clássicas de tomada do poder, mas também não incluíram nenhuma outra estratégia para contestar o Estado: prevaleceu a resistência defensiva.
No melhor dos casos, o poder das revoltas para desmantelar o Estado colocou os regimes antipopulares em cheque, mas não havia clareza ou capacidade de oferecer alternativas políticas que surgiram do movimento social em luta. Esta situação explica por que emergências políticas alternativas após revoltas e rebeliões muitas vezes surgiram de lideranças caudilhistas ou expoentes políticos que optaram por romper com as estruturas partidárias tradicionais.
O “Ciclo Progressista”
Esta distância de origem entre as rebeliões populares que colocam os governos antipopulares nas cordas e, em muitos casos, os políticos que conseguiram ter acesso à presidência para liderar as tentativas de mudança de rumo após o fracasso neoliberal, não impediu um ciclo regional favorável aos povos de Nossa América.
No livro “América Latina. Huellas y retos del ciclo progresista” (2017), descrevemos: “O chamado ciclo progressista definiu um momento sem precedentes de conquistas e oportunidades (…) Em meados de 2009, em seu auge, várias propostas políticas com raízes populares estavam governando em sete dos doze países sul-americanos (Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador e Venezuela) e em três dos sete países centro-americanos (El Salvador, Honduras e Nicarágua). Incluindo Cuba, esses governos cobriam mais de 300 milhões de pessoas”.
Durante este ciclo, houve realizações que constituíram avanços para os interesses dos povos. Esses governos puderam aproveitar o boom nos preços internacionais das commodities para fortalecer os cofres estatais, reduzir a pobreza (entre 2001 e 2011) e expandir os direitos.
Eles também promoveram leis para regular a mídia com o objetivo de neutralizar o terrorismo da mídia das grandes corporações que ameaçam e ameaçarão qualquer processo de mudança. Os resultados foram desiguais e ineficazes, mas essas batalhas merecem a atenção de qualquer projeto alternativo, pois o problema da hegemonia reacionária da grande mídia e sua capacidade de dano ainda está intacta.
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Algumas esquerdas latino-americanas pareciam encontrar, no âmbito desse ciclo progressista, um paradigma para a acumulação de forças e o exercício do controle do Estado, uma situação que não ocorria desde os fracassos das tentativas revolucionárias dos anos 70 e 80.
Houve um desafio à hegemonia americana que teve seus pontos altos na forma da rejeição da ALCA em 2005. Todo este período constituiu uma alteração do tabuleiro de xadrez geopolítico regional em favor de uma integração real, como proposto pelo projeto ALBA desenvolvido por Chávez e Fidel.
‘‘Algumas esquerdas latino-americanas pareciam encontrar, no âmbito desse ciclo progressista, um paradigma para a acumulação de forças e o exercício do controle do Estado, uma situação que não ocorria desde os fracassos das tentativas revolucionárias dos anos 70 e 80.’’
Como parte das tentativas de ampliar sua base política, os governos progressistas conclamaram organizações ou líderes populares de apoio a tomar posições no Estado. Isto foi uma novidade e um desafio.
Houve diversas situações: desde exemplos claros de cooptação de quadros do movimento social que abandonaram a luta, até experiências de acumulação popular a partir das possibilidades oferecidas pela administração.
Em outros casos, algumas organizações exploraram tentativas de participação eleitoral independente. Desta forma, as vereações ou assentos parlamentares foram conquistados mantendo as bandeiras da luta no ar.
As virtudes deste ciclo coexistiram com fortes limitações e fatores condicionantes. Houve vários protestos sociais diante das injustiças e desigualdades que, apesar do discurso, os governos alternativos não decidiram reverter.
A legitimidade inquestionável das lutas tinha que entrar em jogo, entretanto, com as condições macro-políticas que advertiam sobre o crescimento dos setores reacionários. Estes estavam se apoiando na erosão das administrações progressistas, uma erosão para a qual os protestos sociais estavam contribuindo.
Havia setores do movimento popular que optaram por se afastar desses governos. A deriva daqueles que priorizaram o confronto é variada, mas um fato é indiscutível: a direita aproveitou esta contradição entre as organizações populares e os governos progressistas.
Os movimentos sociais e os governos, à sua maneira e com suas diferenças, coincidiram em confrontar as direitas e desafiá-las pelo poder, mas ao se confrontarem, se enfraqueceram mutuamente e facilitaram a restauração conservadora.
Por volta de 2015, com o esgotamento do ciclo econômico mundial favorável (mas não só por causa disso, mas também por causa de seus próprios erros), este ciclo progressista começou a declinar.
Contra-ofensiva reacionária de curto alcance
A reação do poder econômico e das direitas foi desproporcional e revanchista (embora, a rigor, não tivessem sofrido nenhuma ofensa importante). As políticas redistributivas implementadas pelos governos progressistas haviam sido adotadas com base no crescimento, sem afetar a acumulação do grande capital, que também continuou a aumentar durante os governos de Lula, Kirchner e Correa.
No entanto, mais por reação ideológica do que por afetação material de seus interesses, as ofensivas contra esses governos não pouparam campanhas sujas e até mesmo violência explícita. Lugo no Paraguai (2012), Zelaya em Honduras (2009), Dilma Rousseff no Brasil (2015) e, embora não tenham tido sucesso, houve também tentativas de golpe contra Chávez na Venezuela (2002) e Correa no Equador (2010).
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A perseguição judicial complementou esta ofensiva, levando à prisão de Lula, ao assédio de Cristina Kirchner e à proscrição de Correa. Este processo, conhecido como “lawfare”, era mais eficaz onde o movimento popular era mais fraco. Isto não deve ser separado do cenário de perseguição e prisão sofrido por centenas de líderes populares e ativistas populares, por governos de direita, mas também por alguns governos progressistas.
O governo de Correa no Equador é certamente o caso recorde de criminalização do movimento indígena por um governo que levantou bandeiras de mudança em favor do povo. Nos próximos cenários, os novos governos progressistas não devem tolerar a criminalização dos movimentos sociais.
O uso do aparelho judiciário (geralmente nas mãos de setores reacionários) para a perseguição política legitima os usos que, com o tempo, a qualquer governante que tente tomar medidas que afetem o poder econômico pode se voltar contra ele.
Os novos governos de direita que surgiram nos últimos cinco anos uniram forças com governos que já o faziam, como os do Peru (Kuczynski), Colômbia (Santos/Duque) e Chile (Piñera). Este entente foi expresso regionalmente na formação do Grupo Lima (2017).
A partir daí, foi forjado um pólo internacional de confronto e sabotagem de qualquer tentativa anti-neoliberal: o governo bolivariano na Venezuela foi combatido, o golpe contra Evo na Bolívia foi endossado e as vitórias de Macri e Bolsonaro na Argentina e no Brasil foram comemoradas.
O principal objetivo era trazer a região de volta ao alinhamento irrestrito com as políticas dos EUA. Porém, este contra-ataque neoliberal não conseguiu se consolidar: a rebelião do povo sacudiu mais uma vez o tabuleiro de xadrez regional.
Contexto atual: rumo a um novo ciclo progressista?
Nos últimos tempos, algumas mudanças nos governos têm levantado a possibilidade de um “segundo ciclo progressista”. Estes são os casos de López Obrador no México (2018), Alberto Fernández na Argentina (2019), Luis Arce na Bolívia (2020), Pedro Castillo no Peru (2021), Xiomara Castro em Honduras (2022) e Gabriel Boric no Chile (2022), ao qual poderia ser acrescentado um eventual triunfo da fórmula Petro-Márquez na Colômbia (19 de junho) e Lula no Brasil ( primeiro turno em outubro deste ano).
É difícil tirar conclusões comuns a partir destas tentativas de governos alternativos. Entretanto, além do voluntarismo interpretativo, há razões para relativizar a ideia de que este é um novo ciclo que poderia ter características similares às descritas acima.
Por um lado, há um fator econômico e geopolítico determinante que diferencia o contexto da primeira década deste século, onde ocorreu o ciclo progressista mencionado acima, do contexto atual. O aumento exponencial dos preços das commodities que beneficiaram a América Latina está longe de se repetir.
Hoje, a recessão da segunda década deste século foi agravada primeiramente pela pandemia e agora pelas repercussões inflacionárias da guerra. Mesmo que alguns indicadores atuais nos permitam falar de recuperação econômica, o panorama é de aprofundamento da desigualdade global e maiores dificuldades para o continente, independentemente do sinal ou das intenções dos governos de cada país.
Este contexto econômico desfavorável é agravado pelo fato de que os governos supostamente alternativos já no cargo não estão desenvolvendo agendas regionais comuns. O tímido esforço de formar o Grupo Puebla quando Fernández tomou posse na Argentina e se encontrou com López Obrador no México (2019) não foi além das declarações iniciais de intenção que não foram seguidas.
De fato, enquanto o México se abstinha de condenar a Rússia na ONU há alguns dias (abril de 2022), os governos da Argentina, Peru, Chile e Honduras votaram de acordo com a pressão imposta pelos EUA a todos os países da região. Bolívia e Cuba foram os únicos dois países a rejeitar esta condenação.
A confusão é ainda pior quando se trata de questões sensíveis, como a situação na Nicarágua ou na Venezuela. Não há vislumbres de critérios comuns ou estratégias coletivas em nível regional.
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Outro aspecto complexo é a estabilidade desses governos, sua durabilidade. Sem sustentabilidade ao longo do tempo, nenhum “ciclo” é possível. O governo de Castillo no Peru está passando por uma crise profunda, empurrada em parte por setores sociais desiludidos.
Alberto Fernández na Argentina desperdiçou seu primeiro momento de popularidade; após uma administração tímida e claudicante diante dos poderes econômicos, a frente política que o trouxe à presidência está quebrada e a direita está de volta à ronda.
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Enquanto Xiomara Castro se esquivou dos primeiros obstáculos de desestabilização logo após tomar posse e López Obrador está no governo há três anos sem apelar à mobilização popular para apoiar suas propostas de mudança, o caso de Arce na Bolívia parece ser o mais estável.
Boric no Chile ainda é uma incógnita: para vencer no segundo turno, ele fez um pacto com a Concertação de Partidos pela Democracia e setores da política tradicional; resta saber como o movimento popular, que acaba de encenar uma rebelião histórica cujo poder ainda está latente, reagirá.
A candidatura de Lula no Brasil está liderando nas pesquisas, embora, nestes dias, a nomeação de um empresário conservador como seu candidato a vice-presidente seja um sinal que pode ser lido como um eco da sujeição dos governos anteriores do PT ao poder econômico do país.
Mesmo com estas fraquezas, se diz muitas vezes que é melhor para as organizações populares que tais governos existam do que governos de direita, que atacam sem piedade qualquer interesse popular.
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Mas a sentença se torna menos contundente quando medida a médio e longo prazo: essas direitas retornam, inexoravelmente, aproveitando o fracasso e a ineficácia dos governos progressistas para sustentar o apoio popular. A moderação que leva a pactos com o poder econômico e a relegação das mudanças prometidas não garante estabilidade, mas prepara o caminho para o retorno ao governo de forças reacionárias.
A particularidade colombiana (II)
A situação continental que envolve as próximas eleições na Colômbia não parece muito favorável. Mas o que em outros países pode ser entendido como as idas e vindas das massas populares diante das tentativas progressistas e suas complicações, na Colômbia, por outro lado, assume um peso diferente. O dilema entre o possível triunfo da fórmula Petro-Márquez, ou sua derrota, assume a seriedade de uma possibilidade histórica que compromete o movimento popular.
Gustavo Petro é um político com experiência que foi membro do movimento guerrilheiro M-19 em sua juventude. Desde então, e após a desmobilização dessa força em 1990, ele tem sido um congressista, prefeito de Bogotá e candidato presidencial.
Sua formação de esquerda se reflete no confronto coerente que manteve com as forças políticas da direita e em eixos programáticos chave, como a crítica ao extrativismo, uma questão que tem escapado a outros partidos progressistas da região.
Ele é acompanhado na chapa presidencial por Francia Márquez, uma líder social afrodescendente de 40 anos que construiu sua reputação sobre sua feroz defesa do território e do meio ambiente, e que foi capaz de definir a agenda em favor dos direitos das mulheres de origem popular, como é seu caso.
Ela é a candidata dos movimentos sociais. Nas eleições consultivas de março passado, sua pré-candidatura como parte do Pacto Histórico (a coalizão eleitoral que ela divide com Petro) recebeu uma avalanche de votos que a tornou a terceira figura mais votada no país.
Na hora de escolher a sua vice-presidenta, Petro respondeu positivamente às expectativas da militância: se especulava que ele poderia escolher alguém do partido Liberal em nome de amplas alianças, mas ele escolheu fortalecer sua ligação com o movimento popular organizado, reconhecendo a figura de Francia.
A campanha eleitoral tem sido conduzida com a participação proeminente da candidata dos movimentos sociais. Um bom presságio para o que está por vir. Embora, é claro, eles terão que vencer primeiro. Não conseguiram vencer no primeiro turno em 29 de maio (precisavam de mais de 50% dos votos), portanto, o segundo turno será realizado em 19 de junho.
Contudo, a violência política, uma carta que os defensores do poder econômico sempre têm na manga, poderia aumentar, e ninguém arrisca um resultado num contexto carregado de muita tensão.
O movimento social e político de esquerda na Colômbia é tão fragmentado quanto qualquer outro, mas a singularidade desta vez é o apoio unânime que todas as organizações populares estão dando aos candidatos do Pacto Histórico.
O povo colombiano foi tão atingido que, diante da certa possibilidade de mudança, não pode se dar ao luxo de apatia. Embora Petro seja frequentemente questionado por seu personalismo e suas decisões arbitrárias quando se trata de construir força política, a grande maioria do país está disposta a deixar o pessimismo para tempos melhores, e apostar fortemente na vitória.
Pablo Solana | ALAI
Tradução para ALAI: Roxana Baspineiro
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